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O Direito do Trabalho

Por:   •  19/8/2022  •  Resenha  •  656 Palavras (3 Páginas)  •  91 Visualizações

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1. Introdução

Discutir a condição de pessoas gestantes no mundo, na vida social, nas relações concretas que estabelecem, nas que se prescrevem, que podem e devem estabelecer, nas condutas proibidas e valorizadas, é um mover-se entre armadilhas. De um lado, a constatação da importância do momento da gestação enquanto processo físico, afetivo, social, que não se pode passar em nenhum outro lugar que não o corpo. Em geral no corpo feminino. De outro, toda a expectativa moral, religiosa, jurídica, todos os controles que se densificam no corpo e nas simbologias da gestação e lactação. A gestação é uma arena de disputa. Está longe de ser (apenas) o desdobrar da geração da vida. As mulheres grávidas vivem em condições muito concretas, distantes de um ideal de maternidade quase que angelical socialmente difundido. E o Direito, historicamente construído como instrumento de controle dos corpos e universalização de sujeitos – o que resulta no tratamento de quem não se encaixa nos padrões masculinos heteronormativos e capacitistas como “desvio” ou “exceção” –, reproduz em seu ordenamento uma noção de maternidade refém dos estereótipos de gênero. Toda a construção social em torno da maternidade faz com que, muitas vezes, escolhas legislativas e jurisprudenciais que envolvem o tema guardem ambiguidade e não possam ser lidas, simplesmente, como positivas ou negativas, como avanços ou retrocessos. É preciso compreender o contexto da norma ou da decisão, analisar seu entorno, embasamentos e consequências. Foi partindo dessa compreensão que construímos esta análise sobre a ADI 5938, a convite dos queridos colegas Renata Queiroz Dutra e Sidnei Machado, para compor uma mesa no seminário “A construção jurisprudencial da reforma trabalhista no STF”, ocorrido virtualmente em 2020, que agora se transforma nesta obra coletiva. Trata-se da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5938, ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos, que versa sobre o trabalho das gestantes em ambiente insalubre. A ADI, de relatoria do ministro Alexandre de Morais, teve liminar julgada em abril de 2019 e acórdão publicado em setembro do mesmo ano, com trânsito em julgado no início de 2020. Uma decisão importante e complexa, que faz comunicar uma série de movimentos históricos no tratamento jurídico de temas como o trabalho, o gênero, os corpos femininos, a maternidade, as identidades. Também os modos de perceber as vidas humanas em abstrato, as vidas de quem trabalha em concreto, a vida de trabalhadoras mulheres mais em concreto ainda. E o valor que cada uma dessas coisas tem. A ementa do acórdão evoca os “direitos sociais da mulher e de efetivação de integral proteção ao recém-nascido, possibilitando seu pleno desenvolvimento, de maneira harmônica, segura e sem riscos”, o que nos dá pistas de se tratar de uma das decisões do STF mais difíceis de decodificar neste momento. Diante disso, buscamos apresentar neste artigo algumas reflexões que entendemos relevantes levantar para debates críticos no campo do Direito do Trabalho, com o objetivo de contribuir para aprofundar análises que, a priori, entenderam ser um julgamento positivo, por revogar uma medida imposta pela Reforma Trabalhista de 2017 – sem deixarmos, claro, de reconhecer sua importância. Para isso, dividimos este texto em cinco momentos: esta introdução; uma breve contextualização da decisão; seu contexto jurídico-político, tentando entendê-la a partir do quadro ambíguo de um certo avanço judicial em algumas questões de gênero e da destruição paralela e sistemática de direitos sociais; seus fundamentos, que formam uma “salada”, às vezes indigesta, de votos das ministras e ministros (sendo a indigestão particularmente forte nos votos dos ministros homens); nossas considerações finais. Nosso argumento principal é de que a decisão da ADI 5938 é um enigma jurídico-político muito difícil. Um enigma que é também uma boa síntese do nosso tempo: um tempo de destruição das condições da vida, de decomposição dos suportes materiais das existências, dos mecanismos de compartilhamento dos riscos sociais; mas ainda um tempo de avanços complexos, parciais, problemáticos em algumas esferas da vida. Mas por que dizemos isso especificamente dessa decisão? Vamos tentar explicar nos próximos itens.

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