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O HOMEM DA ERA INDUSTRIAL

Por:   •  3/3/2020  •  Ensaio  •  1.698 Palavras (7 Páginas)  •  120 Visualizações

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O HOMEM DA ERA INDUSTRIAL

(e Apple pós-industrial)

Não sois máquinas, homens é que sois”.

 (Charles Chaplin)

A era industrial anunciou-se como uma forma de alienação para os trabalhadores, que entraram naquilo que ficou conhecido como fordismo, um período de produção em massa.

Em 1913, Henry Ford tinha instalado a primeira linha de montagem móvel para a produção em massa de automóveis, em Detroid, reduzindo o tempo necessário para a produção e um automóvel T da Ford de doze horas para duas horas e meia. A nova revolução industrial fordista mudou a produção, o consumo, a cultura – e, com isso, o que significava ser humano. No nível da produção, ao treinar seus trabalhadores para se especializarem em uma das 84 etapas distintas necessárias para a produção do automóvel, e ao encarregar o especialista em estudo de movimentos Fredericky Taylor de tornar essas tarefas ainda mais eficientes, Ford aumentou a produção, o que lhe permitiu baixar os preços dos automóveis e, fundamentalmente, mudar a relação entre o trabalhador e o produto de seu trabalho.

Para filósofos como Espinoza, e particularmente para Karl Marx, humanos são seres produtivos, que só estão vivos na medida em que se apoderam do mundo fora deles no ato de expressar seus próprios poderes específicos. A produção em massa, mediante a divisão do trabalho, impediu cada vez mais a possibilidade de se realizar isso. A ideia do trabalho como realização pessoal, com remuneração sensata e como manifestação de habilidades artesanais, foi visto como o teor das ideias socialistas-medievalistas da era anti-máquina de William Morris (ver nota no fim do texto).

As linhas de montagem aceleraram os processos de produção mas diminuíram o número de operários: eles se tornaram cada vez mais engrenagens em uma máquina, ou,  pior, as máquinas os tornaram obsoletos. Por, exemplo, nas fábricas de automóveis Henry Ford havia máquinas que eram capazes de estampar peças automaticamente muito mais rápido que meros humanos. Os humanos estavam ficando inadequados para fins de produção, fato que, para marxistas que tinham os homens como seres essencialmente produtivos, pode ter parecido existencialmente trágico, por serem esses termos parte de seu vocabulário teórico. “Quando eu terminar”, disse Ford a respeito de seus automóveis, “quase todo mundo vai ter um”. Os homens não estavam somente se tornando máquinas ou sendo substituídos por elas, mas estavam também se tornando máquinas de desejar – sendo suas identidades definidas por um maior ou menor consumo passivo de bens produzidos.

No nível da cultura, o fordismo modernizou o mundo. Esses bens de produção em massa não incluíam somente o modelo T da Ford, mas também filmes, como os de Charles Chaplin. A mecanização não revolucionou apenas a indústria, mas também a arte industrializada, acelerando as possibilidades de produção e distribuição, proporcionando novas formas de arte (cinema, fotografia) e fazendo com que formas antigas (romances, pintura, teatro) parecessem lentas. Agora, a velocidade, a economia, o efêmero e o divertido eram marcas da cultura de produção em massa. Enquanto futuristas italianos louvavam o desencadear da velocidade na era da máquina, e enquanto Walter Benjamin enxergava potencial revolucionário em novas formas de arte, outros deploravam o ritmo da produção cultural. “Em todas as artes, a produção de lixo é, em termos relativos e absolutos, maior do que era”, escreveu Aldous Huxley em 1934.

Para os teóricos da Escola de Frankfurt, Horkheimer, Adorno e Benjamim, a produção de lixo tinha uma função: pacificar as massas. Para Benjamin, “a experiência perdeu seu valor. E parece que continua caindo no abismo”. A jaula de ferro do capitalismo imaginada por Max Weber subjugava os homens durante as horas de trabalho: agora a indústria cultural os subjuga em seu lazer, transformando-os cada vez mais de seres produtivos, de seres vitais e criativos do sonho marxista em estupidificados fãs de cinema, todos achando graça nas mesmas coisas.

O significado do ser humano estava mudando radicalmente nessa modernidade fordista. As técnicas de lavagem cerebral se sofisticaram.

Sob o capitalismo, as coisas que os humanos fazem assumem vidas fantasmagóricas próprias. O Capital (Das Kapital) de Marx não é só um livro sobre o pensamento filosófico e econômico, mas um excitante romance gótico, uma história ao estilo de Frankstein sobre como criamos um monstro (o capitalismo) do qual somos alienados e ao qual, por meio da luta e classes, vamos exterminar.

Essa rachadura que os humanos abriram no mundo e que deixou entrar essas coisas monstruosas é a brecha que existe entre o valor de uso e o valor de troca. É por essa brecha que flui a inundação corruptora das mercadorias. Por exemplo, a Apple lançando um novo e fátuo iPhone com uma diferença mínima em relação ao modelo anterior. Quando um iPhone é vendido, está sendo trocado por outra mercadoria (dinheiro, por exemplo). A troca não leva em conta o trabalho feito na produção do iPhone, muito menos os trabalhadores estressados e mal pagos da Apple, alguns dos quais consideram suicidar-se para escapar à servidão penal de fabricar engenhocas ostensivamente obrigatórias, para você e para mim.

Marx chama a atenção para o fetichismo da mercadoria. Assim como, em algumas religiões, um objeto investido de poderes sobrenaturais é tornado um fetiche por aqueles que o cultuam, da mesma forma, no capitalismo, atribuem-se poderes mágicos e uma ilusória autonomia às mercadorias. As estranhas ilusões desencadeadas sob o capitalismo, para Marx, são muitas e não uma só; às vezes as relações entre as pessoas tornam-se uma relação entre coisas; às vezes a mercadoria assume uma vida própria e torna-se personificada.

Segundo Lukács, a reificação afeta as relações entre as pessoas, e até mesmo dentro de uma pessoa: essa pessoa torna-se um objeto para si mesma, autoalienada de outros seres humanos, particularmente a quem deveríamos expressar solidariedade de classe.

Isso implica que objetos se transformam em sujeitos e sujeitos se transformam em objetos. Hipostatização é uma palavra que refere-se a um efeito da reificação, resultante da falácia de supor que tudo que pode ter um nome, ou ser abstratamente concebido, deve de fato existir.

O resultado de tudo isso é que, sob o capitalismo, habitamos não tanto um mundo quanto uma fantasmagoria, um mundo virado para baixo e que as coisas se tornam pessoas e as pessoas se tornam coisas (tanto humanas como não humanas) assumem uma vida espectral própria.

Nossa imersão sob o capitalismo é um tipo de danação – um círculo do inferno no qual o consumista fiel compra e vende interminavelmente, na eterna ilusão de acreditar que essa atividade lhe trará satisfação.

Como escreveu Slavoj Zizek: “A lógica do valor de troca segue seu próprio caminho, sua própria dança louca, sem levar em conta as necessidades reais de pessoas reais”. A loucura chegou ao ponto das pessoas reais não saberem mais quais eram suas reais necessidades.

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