O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA E SUA EVOLUÇÃO DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL AO LONGO DOS 10 ANOS DE EDIÇÃO DO NOVO CÓDIGO CIVIL
Pesquisas Acadêmicas: O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA E SUA EVOLUÇÃO DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL AO LONGO DOS 10 ANOS DE EDIÇÃO DO NOVO CÓDIGO CIVIL. Pesquise 861.000+ trabalhos acadêmicosPor: Patricia2015 • 27/9/2014 • 2.260 Palavras (10 Páginas) • 434 Visualizações
O PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA E SUA EVOLUÇÃO DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL AO LONGO DOS 10 ANOS DE EDIÇÃO DO NOVO CÓDIGO CIVIL
DENISE DE ARAÚJO C APIBERIBE ¹
INTRODUÇÃO
No Código Civil editado em 1916, portanto, no início do século XX, não havia referência expressa ao princípio da boa-fé objetiva, visto que este nasceu sob à égide do liberalismo em que ainda reinavam soberanos os princípios da autonomia da vontade e da força vinculante dos contratos. Em tal época, acreditava-se que todas as pessoas eram livres para contratar, razão pela qual tais princípios bastavam por si só na interpreta- ção dos contratos e, assim, serviram de base para a formação de sua con- cepção tradicional. Com o decorrer do tempo, verificou-se que tais princípios eram in- suficientes e não mais retratavam as necessidades da civilização moderna, baseada na sociedade de consumo e em contratos de massa, nos quais nem sempre a vontade da parte, mormente da parte mais fraca, conseguia se in- serir em formulários redigidos previamente pelos contratantes de massa. Com tais mudanças significativas, o Direito Civil Clássico, positiva- do no Código de 1916, começou a ruir diante das significativas alterações
¹ Juíza de Direito da 4ª Vara de Família de Madureira.
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sociais e da necessidade de leis especiais que as regulassem, uma vez que esse diploma não previa respostas a todos os problemas que emergiam. Assim, surgiram microssistemas voltados a diferentes matérias como, por exemplo, o Código de Defesa do Consumidor, dentre outros. A partir de tal percepção, verificou-se a necessidade de criar novos mecanismos e princípios, mormente no que diz respeito à interpretação dos contratos, visando a atender às novas exigências de tal realidade. Esta profunda transformação alterou a perspectiva sob a qual se entende o Di- reito Civil, agora considerado sob o ponto de vista constitucional. Ressurgiu então o princípio da boa-fé objetiva que, ao lado do prin- cípio da função social do contrato, se erigiu como principal norte na exe- gese das relações contratuais. A normatização do princípio da boa-fé objetiva foi formalizada com a edição do Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 4º, inciso III, como linha de interpretação, e também no art. 51, inciso IV, como cláusula geral. Uma década após a edição da Lei 8.078/90, é sancionado o Código Civil de 2002, que igualmente positivou o princípio da boa-fé objetiva em seu texto, criando um novo parâmetro de conduta a ser observada pelos contratantes nas relações comuns.
A POSITIVAÇÃO DO PRINCÍPIO NO CÓDIGO CIVIL
A boa-fé objetiva veio permear a nova teoria contratual, impondo às partes que se portem de forma honesta, leal e proba, durante todas as fases do contrato. A importância outorgada ao princípio da boa-fé objetiva é facilmen- te notada a partir da constatação de que tal princípio é mencionado diver- sas vezes ao longo do Código Civil, reconhecendo a doutrina que apenas em três casos a referência se faz à sua vertente objetiva. Inicialmente, há referência expressa a tal princípio no artigo 113 que estabelece ser necessária, na interpretação dos negócios jurídicos, observar a boa-fé.
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Posteriormente, na normatização do ato ilícito, o princípio da boa- fé objetiva é mencionado no artigo 187, ao conceituar o abuso do direito do titular do direito que, ao exercê-lo, excede, dentre outros, os limites impostos pela boa-fé. O princípio da boa-fé objetiva aparece também no Código Civil como cláusula geral no artigo 422, exigindo dos contratantes que obser- vem, seja na fase pré-contratual, seja durante sua execução, o dever de probidade e de lealdade. Como cláusula geral, tal dispositivo, dentre outros espalhados no diploma civil, evidenciam que o atual Código constitui um sistema aberto, conferindo ao magistrado, como intérprete da norma, resolver o caso con- trato verificando se os partícipes da relação jurídica em debate se portaram como exige tal regra. Para tanto, deve ser feita pelo magistrado uma análi- se, visando, verificar se a conduta em debate pode ser considerada padrão, ou seja, aquela que qualquer homem médio tomaria no caso concreto. O princípio da boa-fé objetiva se distingue do princípio da boa-fé subjetiva exatamente porque neste é necessário fazer uma análise da per- cepção individual do agente cuja conduta está sendo analisada, visando a verificar se este acreditava que tal agir era correto, mesmo que esse não seja o padrão de conduta normal do homem médio naquela situação. Já a boa-fé objetiva estipula regras de conduta que prescrevem um comportamento fundado na lealdade, a ser observado por todos, que de- vem considerar as expectativas geradas por terceiros. Tais regras atuam como verdadeiros paradigmas de condutas ob- jetivas, as quais são traçadas tendo como parâmetro a figura do homem médio. Exige-se, assim, que as partes se portem de forma plausível, com a devida prudência, alinhando sua conduta a comportamentos de cuidados suficientes e razoáveis. Verifica-se que o princípio da boa-fé exerce três funções distintas, a saber: i) função interpretativa, diante do disposto no artigo 113; ii) fun- ção corretiva e de controle de exercício de um direito, face o disposto no
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artigo 187; e por fim, iii) função de integração do negócio jurídico, como lançado no art. 422. Na primeira função, a boa-fé significa um critério hermenêutico obje- tivo de que o juiz deve se valer na busca da supressão das lacunas da relação contratual, de forma a preservar as justas expectativas das partes contratantes. Sob a ótica da segunda função, a boa-fé assume função semelhante à figura do abuso de direito, não admitindo condutas que contrariem o dever de agir com lealdade e probidade, pois somente assim o contrato alcançará a função social dele esperada. Por fim, a terceira função visa a criar deveres anexos que devem ser observados pelos contratantes em todas as fases do contrato, inclusive, na fase pré-contratual e pós-contratual, porquanto os efeitos do contrato se protraem no tempo.
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