O Poder das Instituições Médicas, a Episiotomia e o Machismo
Por: Di Lopes • 8/5/2017 • Trabalho acadêmico • 3.740 Palavras (15 Páginas) • 216 Visualizações
O Poder das Instituições Médicas, a Episiotomia e o Machismo
“Se eu fosse mulher já teria, sei lá, pegado em armas, porque é muita violência...
Ela vai pra maternidade, ou lhe fazem um corte na barriga, desnecessário na maioria das vezes, ou no períneo. De todo jeito alguém vai atacá- la com uma faca.”
A. Atallah, Centro Cochrane do Brasil
O depoimento do Dr. Álvaro Nagib Atallah, diretor do Centro Cochrane do
Brasil descreve a violência a que é submetida a gestante brasileira, tanto em forma de
cesariana “obrigatória”, como na “cesariana vaginal”, como muitas chamam, pela
cicatriz que guardam. O uso rotineiro da prática é desaconselhado, mas mesmo com
todas as evidências contrárias, a episiotomia está incluída no pacote de assistência ao
parto do SUS, Sistema Único de Saúde, como parte do atendimento padrão. A pratica
também é amplamente utilizada nos pouquíssimos partos normais feitos na rede
particular.
Segundo o artigo “O corte por cima e o corte por baixo: o abuso de cesáreas e
episiotomias em São Paulo” elaborado pela médica e professora, Simone Diniz, e pela
professora adjunta do Departamento de Ciências Sociais da PUC-MG, Alessandra
Chacham; a prática da episiotomia vem sendo usada desde o começo do século XX
para facilitar, em tese, o nascimento do bebê. Desde meados da década de 1980, há
evidência suficiente para que seja banida da rotina e utilizada apenas em casos
necessários - em que haja evidência de sofrimento fetal ou materno - o que ocorre,
segundo a própria Organização Mundial de Saúde, entre 15% e 30% dos partos, ou
menos. No Brasil, a taxa de utilização em partos normais chegou a alcançar
proporções astronômicas em 1995/96, 94,2%. Uma última pesquisa, em 2014 indica
que a taxa caiu para 53,5%.
O corte desnecessário expõe as mulheres a maiores
riscos como: dor perineal, edema, maior risco de infecção, hematoma e dispareunia
(dor na relação sexual). A OMS recomenda que a taxa da utilização da prática não
exceda os 10%. Outros dados alarmantes no Brasil, que se incluem no mesmo
problema abordado neste trabalho, são a altíssima incidência de cesarianas – 88% na
rede privada e 46% na rede pública, segundo esses dados – e apenas 5% dos partos
sendo naturais. A episiotomia é usada muitas vezes até como método de coerção,
para as gestantes optem por cesariana. Em 1999, a prática foi classificada pelo
médico norte americano, Marsden Wagner, como “mutilação genital feminina”.
No artigo “O corte por cima e o corte por baixo” já citado, de acordo com um
relatório do Ministério da Saúde, em 2003, no Brasil, 96,5% dos nascimentos
aconteciam em hospitais. Essa mudança, em cem anos, do parto caseiro para o parto
hospitalar é muito importante de ser observada, pois seu aumento considerável
transformou hoje o parto hospitalar no que as autoras se referem como “linha
obstetrícia de montagem”. Principalmente em hospitais do Sistema Único de Saúde,
onde não existem leitos suficientes à disposição de grávidas em trabalho de parto, os
profissionais de saúde, para melhor aproveitamento de horário, induzem o parto via
hormônios, causando na maioria das vezes mais dores as parturientes, que acabam
optando por uma cesárea, mesmo que após a realização do parto cirúrgico a paciente
mantenha o leito ocupado por 72 horas e a episiotomia custe em torno de 134 milhões
de dólares anuais para a saúde, no Brasil.
Após as recomendações da OMS e outros órgãos, a incidência da episiotomia
tem caído ao redor do mundo, porém, na América Latina esse número distoa. No
Brasil, principalmente, esse altíssimo índice de práticas invasivas não pode ser visto
apenas como uma questão de saúde, não se pode deixar de incluir o problema como
questão racial e de classe social. Apenas 30% das mulheres brasileiras tem acesso a
hospitais privados e a planos de saúde - muitas vezes nem estas são respeitadas em
suas decisões, podendo apenas entrar com processos contra instituições ou profissionais após algum tipo de abuso obstétrico.
As outras 70%, em sua maioria negra, jovem e de classe com menor poder aquisitivo, sequer tem acesso à
informações importantes.
Liliane Gusmão, blogueira feminista, atribui essa violência à
desinformação e à postura passiva a que as mulheres são levadas a ter frente a
classe médica, detentora da informação, privando-as de seus direitos, de serem bem
tratadas e escutadas em seus desejos e escolhas em um momento tão vulnerável
como o parto. Como aponta sua pesquisa, a negra, pobre e jovem é aquela que mais
sofre de violência obstétrica.
Para que melhor possamos compreender essa relação
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