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Segurança E Medicina Do Trabalho

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Por:   •  14/11/2013  •  1.842 Palavras (8 Páginas)  •  376 Visualizações

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Entre Maria Louca e Maria Maluquinha tem um Bolsa Família.

Por: Rita de Cássia de Araújo Almeida

Psicanalista

Trabalhadora de CAPS da Rede de Saúde Mental do SUS

Este texto tem uma personagem: Maria. Maria é um nome fictício, mas tudo mais é real, tão real que muitos leitores vão pensar que é ficção.

No início da nossa história Maria é pobre, muito pobre, na verdade, Maria é miserável. Sem nenhuma renda, ela e sua única filha vivem da caridade e da boa vontade de pessoas e instituições. Maria também tem pouquíssima escolaridade, parece uma personagem tirada daquele programa de humor que é a cara da pobreza da nossa TV. Maria fala “pobrema” (problema), “risistente social” (assistente social), “conselho titular” (conselho tutelar), “presentivo” (preventivo), “elétrico” (eletroencefalograma) dentre outras pérolas. Além de tudo Maria é louca, e ela geralmente, concordava com este rótulo que lhe davam. Com algumas passagens por hospícios da região, confessava: “nunca tive cabeça boa pra trabalhar”.

Mas atualmente, Maria não aceita mais ser chamada de louca, se considera uma “maluquinha”. Mas para fazer a travessia de louca para maluquinha, passaram-se quase 10 anos, e muita coisa aconteceu nesse caminho, incluindo um abençoado Bolsa Família. Eu sempre tive vontade de escrever um texto sobre o Bolsa Família e achei apropriado usar a história de Maria para fazê-lo.

Em 17 anos de trabalho em serviços de Saúde Mental do SUS (CAPS), lidando diariamente com pessoas, em geral, pobres, muito pobres ou miseráveis, aprendi uma coisa que só a experiência ensina. Existe uma diferença descomunal, abissal, entre ser pobre e ser miserável. Quem não lida cotidianamente com a população mais humilde, talvez conheça os pobres, mas não conhece os miseráveis, já que eles são “invisíveis a olho nu”. E esse seria o mesmo destino de Maria, ser invisível, mas afinal, sua loucura incomodou e obrigou que a enxergássemos. Foi assim que tomamos conhecimento de Maria, a louca, sem pai nem mãe, rejeitada pela família, em sua miséria absoluta, dependendo do que encontrava no lixo, de favores ou da caridade alheia para sobreviver com sua filha.

Quando ouço pessoas que criticam o Bolsa Família ou outro programa de transferência de renda, dizendo que ele acostuma mal as pessoas, estimula a preguiça e desvirtua o caráter, sinto vontade de vomitar. Quem diz isso, definitivamente, não sabe o que é miséria. Quem faz esse tipo de afirmação tosca e preconceituosa, para usar palavras publicáveis, nunca passou pela situação de encontrar em R$ 70,00 algum alento. Com pouquíssima probabilidade de errar, ninguém que está lendo agora este texto sabe, na carne, o real valor de R$ 70,00. Maria sabe. Muitos aqui vão duvidar, mas R$ 70,00 ou R$ 130,00 (média nacional do valor repassado para cada família com o Bolsa Família), é capaz de reduzir o enorme abismo entre a miséria e a pobreza, e com isso, viabilizar um status inicial necessário para acessar qualquer outro tipo possível de justiça social: ser visto.

E R$ 70,00 fez muita diferença na vida de Maria, não só pelo valor, mas porque em mais de 30 anos de vida, esse foi o primeiro dinheiro que ela conseguiu que não fosse por caridade ou proveniente de algum dos homens com os quais, eventualmente, se aventurava a morar. Isso porque o Bolsa Família não é tratado pelos profissionais, não pelos sérios e éticos, como um mero benefício assistencial ou uma esmola do prefeito ou do governo, mas como um direito. Sendo assim, o cartão do Bolsa Família foi o primeiro direito que Maria conquistou, depois dele, como veremos, muitos outros vieram.

Um segundo direito que Maria teve voz e força para exigir depois do primeiro, foi uma pensão alimentícia para filha. O ex-companheiro de Maria era alcoolista, raramente tinha trabalho fixo, e mesmo quando conseguia algum trabalho, não pagava pensão, regularmente. Mas Maria tinha aprendido a exigir seus direitos, e foi até às últimas conseqüências para conseguir que o pai da menina pagasse a pensão, achou até justo quando ele quase foi preso por não cumprir com a obrigação. Hoje ele paga a pensão de R$ 90,00 assiduamente, e ela assina o recibo na nossa frente (como ficou combinado na justiça), com a postura de quem aprendeu a lutar pelo seu lugar no mundo.

A loucura de Maria, que se instalou desde o nascimento da filha, continuava a lhe imputar uma incapacidade real para o trabalho formal. Sua irritabilidade e instabilidade emocionais faziam de qualquer relação possível com o outro, um inferno. Mesmo dentro do CAPS, eram comuns suas agressões verbais e até físicas a técnicos e outros usuários.

Maria, eventualmente, se envolvia com homens com os quais imaginava conquistar alguma segurança, mas em geral, eles obedeciam a um mesmo padrão: alcoolistas ou usuários de drogas, também pobres, com ligações familiares empobrecidas e sem trabalho fixo. Com esses homens, Maria vive relações muito conturbadas e violentas. Assim também vinha caminhando a relação com seu atual companheiro, e com o qual Maria teve um filho, hoje com 3 anos.

Inúmeras vezes tentamos conseguir para Maria o BPC (Benefício de Prestação Continuada), que assegura um salário mínimo para idosos, ou pessoas com alguma deficiência grave, que não contribuíram com a previdência social, desde que a renda familiar per capta não ultrapasse ¼ (um quarto) do salário mínimo vigente. Mas, apesar de inúmeras tentativas, Maria não passava na perícia médica, não era considerada suficientemente incapaz para fazer juz ao benefício.

O fato é que, após muita insistência, no final do ano passado, Maria finalmente conseguiu o BPC e assim que teve certeza de que o benefício chegaria, avisou com satisfação, que agora poderia devolver o cartão do Bolsa Família para que ele pudesse ajudar outra pessoa. Era justo que tivesse recebido o benefício por um tempo e agora, com sua nova condição assegurada, era justo que o passasse adiante. Apesar de louca e ignorante, como a maioria a considerava, Maria sabia o exato significado da palavra justiça, mesmo tendo tão pouco acesso a ela.

Com alguns meses recebendo salário mínimo, além de poder atender suas necessidades básicas e a dos dois filhos, Maria teve melhorias subjetivas ainda mais notórias. A vaidade consigo mesma e com seu pequeno barraco (herança dos pais), que mesmo nos tempos de miséria insistiam em manter nela um pouco de orgulho,

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