Análise da Campanha Eleitoral - Marcelo Crivella

De dois em dois anos ocorrem eleições no Brasil e, com elas, somos expostos a diversas campanhas e propagandas eleitorais. Bem como as propagandas comerciais, as eleitorais também servem para vender algo. Não é um produto para ser usado materialmente, mas sim informações a serem consideradas em frente às urnas, no momento do voto. Emoção, valores pessoais, efeitos especiais, tudo é usado para seduzir o eleitor e induzi-lo a comprar a imagem – amplamente discutida, redefinida e estudada – do candidato.

Foi a partir dessa reflexão, muito bem proposta pelo texto “Estratégias de persuasão em eleições majoritárias: uma proposta metodológica para o estudo da propaganda eleitoral”, que me veio em mente a campanha eleitoral do candidato para governador do Rio de Janeiro em 2014, o senador Marcelo Crivella. A tentativa de Crivella e sua equipe de livrá-lo da figura de pastor, e torna-lo o máximo “do povo” o quanto fosse possível ficou cada vez mais nítida em seus programas eleitorais na medida em que a data das eleições do segundo turno se aproximava. Vários recursos foram explorados com esse objetivo: os jingles, os efeitos gráficos, os discursos e até mesmo a vestimenta do senador e pastor da Igreja Universal do Reino de Deus. Cabe a esse trabalho a ênfase no primeiro e no último recurso, com foco na desconstrução da figura de Crivella como líder religioso defensor da sua classe, para homem do povo, representante de todos, a fim de aumentar o seu eleitorado.

No canal oficial do YouTube do candidato é possível encontrar três jingles principais presentes em sua campanha. Tais jingles serão reescritos em ordem cronológica de lançamento e analisados aqui.

O primeiro chama-se “O Rio em boas mãos” e se assemelha muito a um grande coral gospel. Homens e mulheres cantam em uníssono a música, enquanto uma voz mais forte e destaca dando ênfase a alguns dos versos cantados. Para ilustrar melhor, essa técnica de coral é a mesma típica das igrejas protestantes negras dos Estados Unidos, que se utilizaram do blues para compor a identidade das músicas de louvor. A letra desse jingle em si nada tem de muito informativo, não apresenta nenhuma das propostas do candidato, apenas o coloca como o grande “salvador da pátria”, o único que “fez voltar a esperança”. É apenas enaltecedor, com apelo puramente emotivo, um simplório exemplo de pathos. A música não acrescenta nenhum argumento lógico ou racional.

Veja a seguir:

Crivella é 10, é 10, Crivella é coração

Crivella é 10, é 10, é o Rio em boas mãos (Crivella é coração)

Crivella é 10, é 10, Crivella é coração

Crivella é 10, é 10, é o Rio em boas mãos

Fez voltar a esperança, onde não havia nada

Tem a nossa confiança, vamos juntos nessa estrada

Transformar nosso futuro, trabalhar para crescer

Crivella, estamos com você

Crivella é 10, é 10, Crivella é coração

Crivella é 10, é 10, é o Rio em boas mãos (Crivella é coração)

Crivella é 10, é 10, Crivella é coração

Crivella é 10, é 10, é o Rio em boas mãos (Rio em boas mãos) x 3

O clipe vinculado a essa música traz imagens de Crivella andando pelas ruas e tirando foto com os populares que encontrava. Não mostra grande empatia dele com o público, ele apenas autografa CD’s e é fotografo fazendo ou símbolo de “legal” com a mão fechada e o polegar para cima, ou com as duas mãos abertas simbolizando o número dez. Nas imagens ele veste blusa social de manga comprida e abotoada até o colarinho, calça social, cinto e sapato social fechado. Inapropriado se levarmos em consideração o ambiente, a circunstância e é claro, o clima do Rio. Outro apontamento pertinente é a postura do candidato, encurvado e “corcunda” ao falar com o povo, o que pode ser facilmente interpretado como ausência de jovialidade por quem assiste.

O segundo jingle, “Crivella é 10”, é radicalmente diferente do primeiro no que se refere a gênero musical. Desta vez, é um samba o arranjo da canção, mas não um samba gafieira melódico e sim o típico das escolas que ganham destaque todos os anos no carnaval do Rio. A bateria é pesada, todos os instrumentos tocam em harmonia, e o cantor é um típico “puxador” de escola de samba, com direito aos bordões típicos desse estilo como o incisivo e repetitivo “chegou, chegou, chegou hora”. Como se pode perceber, há uma nítida tentativa de afastar o candidato da imagem de pastor – o que consequentemente afasta-o também dos escândalos que envolvem a sua Igreja – e de populariza-lo. Funcionou, pois na época essa música se tonou um viral, era conhecida e cantada por todos. A letra dessa canção, além do já batido exemplo de pathos com apelo emocional, possui também um exemplo de ethos, quando se canta que “o povo fluminense apoia um trabalhador”, assim, esse verso corrobora para a construção de um valor do candidato, fundamental para construção da sua imagem e identidade.

Veja a letra a seguir:

É 10, é 10, é 10, Crivella lado a lado com você

É 10, é 10, é 10 (anote aí!), o Rio em boas mãos agora vai surgir

(O Rio em boas mãos! Chegou, chegou, chegou a hora!)

*Entra vídeo do Crivella em comício: "eu não vou pra Paris, eu não vou fazer greve de fome, eu vou trabalhar pelo Rio"*

O Rio de Janeiro não pode perder a paz

O povo fluminense apoia um trabalhador

Outubro está chegando e a nossa gente vai dizer

Crivella governador (O Rio em boas mãos!)

É 10, é 10, é 10 (Anote aí!), saúde, educação e segurança

É 10, é 10, é 10, Crivella é a certeza da mudança x 2

O clipe desse jingle apresenta imagens retoricamente superiores que o anterior. Ele é inteiramente passado em um comício, onde ele aparece fazendo discurso em um palanque. O local parece uma quadra de escola de samba, estando assim em harmonia ao ritmo da música, provocando um contexto válido. Crivella