As Saudações do Vazio
Por: Silas Augusto Lopes • 26/2/2024 • Trabalho acadêmico • 1.570 Palavras (7 Páginas) • 82 Visualizações
Saudações do vazio
PARTE 1
Mais uma noite fria e intensa na rua passara. Com poucos intervalos de sono, momentos onde finalmente a mente se entregava ao cansaço, Jorge podia encostar a cabeça sobre o passeio, porém esses momentos passavam rápido demais. Noite em que o corpo parava de ruir ao desespero e ansiedade por míseros minutos, mas logo já voltava ao seu estado de espera por notícias.
Havia passado semanas desde a última vez em que tinha ouvido falar dela. Seu Marcio, dono da padaria, comentou que ouviu os médicos dizerem que ela teria que passar por uma cirurgia, a situação era de risco, e eles queriam salvar os dois.
As pessoas começavam a aparecer na rua, passando ao seu lado para entrar na padaria que acabara de abrir. Olhares de desconfiança, tristeza, nojo e pena pairavam sobre seu corpo, sentado no chão. Ninguém se importava, ninguém se dava ao esforço de falar algo. E mesmo assim ele ouvia, ouvia a repulsa de alguns, a dó de outros, risos e comentários. Queria xingar e gritar com todos ali, mas não tinha forças, e ao tentar encarar, não havia mais nada. Nada para lhe dar esperanças novamente, nada para ajudar a se reestruturar. Nada.
Com a manhã, veio o sol trazendo o calor. Mas naquele dia estava diferente, Jorge não sentia mais seu corpo quente, a calçada ainda estava fria e o dia não tinha luz. As cores não estavam mais brilhando, tudo se esvaia de seu lugar de origem. As folhas já não eram mais verdes para ele, se é que algum dia já foram verdes, será que já tinha reparado na cor de tudo algum dia?
Jorge começou então a cruzar os braços a frente das pernas, cada vez mais forte. E o que ele poderia fazer? Seu estado não levaria lugar algum. Não conseguia ir atrás dela, isso o matava. Desespero e ansiedade o circundavam dia e noite há tempos. Mas não naquele dia, não naquela manhã. Uma sensação rodeava seu corpo, calafrios passavam, vozes ecoavam, sons se tornavam abafados, tudo se perdia. E o pior de tudo é que aquilo já não era estranho para ele. Conhecia cada sentimento ali presente. E isso trazia o medo de volta. Não era possível isso estar acontecendo de novo, não era possível, não agora, não quando ele mais precisava se reerguer, isso de novo não, não, não.
Ele olhava para frente e na frente não havia nada, mas nada mesmo, esse nada que remexe, vira de ponta cabeça, fura, afunda, dói e não demonstra nada, espreme e do nada sai nada, mas nada mesmo. E isso o puxava, o empurrava e o esmagava. E nada conseguia fazer. Até que o orelhão tocou, e como um eco em sua mente que se torna mais audível, uma voz surgiu e o puxou de volta...
PARTE 2
- Olá, velho amigo. Achou que tinha se livrado de mim? Não há escapatória. Não adianta fugir e nem se esconder. Você não vai ter a ajuda dos seus ‘amiguinhos’ dessa vez- dizia a voz no orelhão. Uma voz forte, fria e sem falhas. Não gaguejava, era certo o que dizia. A raiva e o ódio eram bastante notáveis.
- Reconhece essa voz? - ouviu através do orelhão. Ao fundo, fraco e baixo, pôde-se escutar a voz dela, chorando. E entre os soluços ele ouviu: -Por favor, deixa a gente ir, me devolve meu filho, onde está o meu bebê? - e de repente um barulho, bem alto, junto a um grito - Quer eles de volta, ‘capitão’? - a voz voltou, com risos e ironia
– Você só tem que aparecer! – disse a voz
Uma onda de adrenalina atingiu Jorge. Aquela voz não era desconhecida. Nunca poderia esquecer. Lembranças o atingiam a toda velocidade. Lembranças de uma vida passada e que nem parecia ter existido, de uma noite em que tudo parecia tranquilo e nada poderia atrapalhar. Sua esposa e filha arrumavam a mesa de jantar e na televisão passava futebol. Jorge acabara de voltar do plantão na delegacia, o dia havia sido cansativo, com muitos casos para resolver. Chegar em casa e ser recepcionado pela sua princesinha, ficar na sala descansando enquanto ela contava de seu dia era tudo que ele precisava. Até ouvir a porta se abrir com um chute e três homens entrarem armados. Foi inútil lutar, sua arma estava na gaveta do quarto, conseguiu apertar um botão de seu celular, e mais nada. Imobilizado no chão, somente pode ouvir os gemidos e gritos de agonia de suas amadas. E ouvir aquela voz, bem a seu lado dizendo para ele prestar atenção e que aquilo era culpa dele, por causa do que havia feito com seus parceiros. Os minutos não passavam, o desespero aumentava. Finalmente pôde-se ouvir sirenes na rua, mas também a voz dizendo: - Isso ainda não terminou. Seus colegas haviam chegado, porém já era tarde.
Mas será que aquilo realmente aconteceu? Jorge não pensava nisso há muito tempo. Mas estava ali, bem naquele momento ouvindo no orelhão. Ele se lembrava de dor, desolação, sofrimento e medo. A primeira vez na vida que sentiu realmente medo. E isso o matava.
O que iria fazer agora? Não podia deixar pra lá, de novo. Ele queria falar alguma coisa, mas não conseguia, sua voz o deixara, não tinha forças nem coragem. Por quê? Ele se perguntava. O que aconteceu com aquele homem que um dia já tivera tudo? Que ia atrás e conquistava seus objetivos? Que era forte e corajoso, não deixava a injustiça prevalecer?
Não! Não podia deixar assim. Não ia cometer o mesmo erro duas vezes. Jorge reuniu toda sua raiva e medo, jogou tudo em sua voz, e disse:
- Chega, isso não vai acontecer. Acha que vai se safar de novo? Acha que vai me humilhar assim? Acabou. E eu te digo mais uma coisa, preste bem atenção. Você já está acabado, parceiro. Não importa onde, nem quando e nem como. Mas eu vou te achar e vou recuperá-los. Você nunca mais vai fazer com outra família o que fez com a minha. Eu farei justiça!
Com força, Jorge jogou o telefone em direção ao orelhão. Estava decidido. Tudo o que sentia naquela manhã havia ido embora. Não iria perder sua família de novo. Não importava o que poderia acontecer. Fugir não é uma opção, se entregar não é uma opção. Lutar é. O vazio não ia mais o abraçar, não ia o prender e o esmagar. Agora era hora de ir atrás e não desistir. Agora era hora de recuperar o que havia perdido...
...