RESENHA – SÉRIE BLACK MIRROR

TECNOLOGIA EM RÁDIO E TV – Prof.ª Ana Heloiza Pessotto

Laura Poli Mariucio – RA: 161031927

RESENHA – SÉRIE BLACK MIRROR

S01E01: THE NATIONAL ANTHEM

1 FICHA TÉCNICA

Roteiro: Charlie Brooker

Direção: Otto Bathurst

Produção: Barney Reisz

Direção de Fotografia: Jake Polonsky

Direção de Som: Chris Ashworth

Direção de Arte: Caroline Barclay

Edição: Chris Barwell

Elenco principal: Rory Kinnear (Michael Callow); Lydia Wilson (Princesa Susannah), Anne Wilson-Jones (Jane Callow); Lindsay Duncan (Alex Cairns)

2 SINOPSE

Numa madrugada, o primeiro ministro Michael Callow é notificado, por meio de um vídeo do Youtube, que a Princesa Savannah havia sido sequestrada e tinha sua vida ameaçada. Para salvá-la, o sequestrador exigia que o político transasse com uma porca e transmitisse o ato ao vivo, conforme suas indicações. Então, Michael e sua equipe de assessores passam a buscar alternativas para livrá-lo dessa condição grotesca. Enquanto a mídia acompanha todo o processo e as considerações do público sobre o assunto.

3 ANÁLISE CRÍTICA

O primeiro episódio da série britânica Black Mirror, The National Anthem, começa quando, no meio da madrugada, o primeiro ministro da Inglaterra, Michael Callow (Rory Kinnear), recebe a notificação, por meio de um vídeo divulgado e disseminado pelo Youtube, de que a princesa Susannah (Lydia Wilson), figura admirada pelo povo britânico, havia sido sequestrada e corria risco de vida. Para salvar a garota, o sequestrador exige que o ministro faça sexo com uma porca até às 16h do mesmo dia e transmita o ato ao vivo e em rede nacional, de acordo as suas indicações. Diante de tamanha atrocidade, Callow e seus assessores buscam alternativas para evitar o acontecimento, a partir de tentativas falhas de resgatar a princesa e forjar a transmissão por meio de efeitos visuais e atores contratados.

O andamento dos fatos é acompanhado pela Internet e os meios de comunicação, todos os jornais do país se voltam para o assunto e o tema divide opiniões. A mídia preocupa-se em cobrir as opiniões e reações do público, de forma que estas influenciem nas próprias decisões do governo. O estopim acontece quando um dos jornais britânicos, UKN, recebe uma entrega do sequestrador contendo o suposto dedo decepado da princesa e um vídeo desmascarando a fraude que o governo estava tramando.  A partir desse momento, a população passa a direcionar-se a favor do ato sexual, a popularidade do ministro entra em crise e a situação atinge uma gravidade em que não existem mais escapatórias para Michael. Então, ele acaba por realizar a exigência do sequestrador, exposto a milhares de pessoas que pararam suas atividades cotidianas para assisti-lo transar com um animal. Por fim, percebe-se que a princesa havia sido libertada trinta minutos antes do fim da exibição.

Na conclusão do episódio, é mostrado como a popularidade do primeiro ministro Michael Callow aumentou a partir de sua atitude “heroica”, ao mesmo tempo em que sua vida privada, o seu casamento, são devastados.  

Ao ridicularizar e constranger o primeiro ministro, o criador da série buscou satirizar e vulgarizar as grandes personalidades públicas do poder inglês cuja imagem é de prestígio e admiração no país. Logo no início do episódio, bem como em todo decorrer da trama, observa-se a capacidade da internet e dos meios de comunicação de propagar informações muito rapidamente e em uma escala imensurável. De modo que os conteúdos passam a repercutir diretamente na vida cotidiana dos indivíduos, podendo acabar banalizados. Outro fator importante presente no episódio reside na influência das mídias, como formadoras de opinião pública, nas decisões do governo. Em determinado período da trama, as reações do público fazem-se mais influentes para as escolhas do ministro que o próprio sequestro. Outra temática levantada, de forma secundária, seriam os sacrifícios em que os jornalistas se expõem para conseguirem as melhores e mais atualizadas notícias dentro de um fluxo acelerado e competitivo de informações.  

Zygmunt Bauman (2011, p. 132), em um dos capítulos de seu livro 44 cartas para o mundo líquido, afirma que “é fácil incitar pessoas que não têm índole má a perpetrar atos de maldade”, uma vez que muitos indivíduos já possuem uma tendência adormecida a cometer atos violentos. De acordo com o autor, ao citar John M. Steiner, o fenômeno, denominado de sleeper,

(...) pode vir à tona em certas condições propícias – ou seja, quando os fatores que a mantinham reprimida de repente se fragilizam ou são eliminados. (BAUMAN, 2011, p. 132)

Nesse sentido, quando, no episódio, a entrega do dedo da princesa ao jornal vai a público, é possível observar uma reviravolta nas pesquisas – as quais são, inclusive, constantemente apresentadas com o propósito de ressaltar a importância da opinião pública. A partir do momento que a vida da princesa parece estar em perigo, grande parcela dos espectadores passa a aceitar e, por vezes, naturalizar a possibilidade do ministro Callow de atender ao pedido escatológico do sequestrador.

Em Sozinhos na multidão, outro capítulo do livro de Bauman, o pensador aborda as consequências da inserção dos aparelhos eletrônicos nas relações humanas, revelando a facilidade que temos em controlar e desfazer-se das mesmas. Ele explica que não é preciso temer a necessidade de comprometer-se com algo ou de colocar as vontades dos outros frente as suas, uma vez que é possível ignorar tais exigências (BAUMAN, 2011). Acontece que dentro das circunstâncias vividas por Michael Callow, observa-se o efeito inverso. A tecnologia, em vez de libertá-lo do sacrifício, o aprisiona ainda mais. Na medida em que está exposto ao mundo, ele responde a expectativa de milhares de pessoas e, por isso, permanece sem escapatórias quanto a sua condição. Apesar das tentativas do governo de censurar as informações difundidas sobre o assunto, a internet, posto que é líquida, não é capaz de oferecer tal segurança.

“Eu sinto muito, Michael. Está fora de suas mãos”. Esta é uma das falas decisivas de Alex Cairns, uma das principais assessoras de Callow, antes dele ceder às pressões e realizar a transmissão. O que mostra que, não somente o partido e o governo, mas também a mídia e a opinião pública atuam como importantes veículos de julgamento nas decisões políticas e de formação de perfis políticos. Não há regime democrático sem participação popular. Nesse sentido, o espaço midiático é aquele que melhor promove o debate e o diálogo entre todos os segmentos da sociedade. No entanto, nada garante que seu discurso será imparcial, os temas podem ser manipulados ou problematizados na mesma proporção. Na série, o sequestrador tinha consciência disso e a utilizava a seu favor. A publicação do vídeo de ameaça no Youtube tinha um propósito, tal qual a sádica encomenda para o UKN e a transmissão ao vivo. Ele acaba por promover uma crítica aos meios de comunicação e a sociedade midiatizada.