A Função semiótica ou simbólica
Por: Maryellen Rosa • 11/7/2018 • Projeto de pesquisa • 2.898 Palavras (12 Páginas) • 408 Visualizações
PIAGET, Jean; INHELDER, Bärbel. A psicologia da criança. Rio de Janeiro: Difel, 2003.
p. 51-84 Cap. III – A função semiótica ou simbólica
p. 51 Ao término do período sensório-motor, entre um ano e meio e dois anos, surge uma função fundamental para a evolução das condutas ulteriores, que consiste em poder representar algo (um "significado" qualquer: objeto, acontecimento, esquema conceptual, etc.) por meio de um "significante" diferenciado e que só serve para essa representação: linguagem, imagem mental, gesto simbólico, etc. A expressão "função semiótica" designa os funcionamentos referentes ao conjunto dos significantes diferenciados.
p. 51-52 Os mecanismos sensório-motores ignoram a representação e não se observa antes do correr do segundo ano, conduta que implique a evocação de um objeto ausente. Quando se constitui, cerca dos 9-12 meses, o esquema do objeto permanente, há, sem dúvida, procura de um objeto desaparecido: mas ele acaba de ser percebido, e corresponde, portanto, a uma ação já em curso, e um conjunto de indícios atuais permite encontrá-lo.
p. 52 Se ainda não há representação, há, não obstante, e mesmo desde o início, constituição e utilização de significações, pois toda assimilação sensório-motora (inclusiva a perceptiva) consiste em conferir significações. Mas se há desde o princípio significação e, portanto, dualidade entre "significados" (= os próprios esquemas com seus conteúdos relativos às ações em curso) y "significantes", estes são sempre perceptivos e, portanto, ainda não diferenciados dos seus significados, o que não permite que se fale, nesse nível, de função semiótica. Um significante não diferenciado ainda não é, com efeito, um “símbolo” nem um “signo” (no sentido de sinais verbais): é, por definição, um “indício” (incluindo os “sinais” que intervêm no condicionamento, como o som da campainha que anuncia a comida). Um indício, efetivamente, não se diferencia seu significado no sentido de que constitui um aspecto dele (a brancura para o leite), uma parte dele (o setor visível para um objeto semioculto), um antecedente temporal (a porta que se abre para a chegada da mãe), um resultado causal (uma mancha), etc.
p. 52 Aparecimento da função semiótica. No curso do segundo ano... surge... um conjunto de condutas que implica a evocação representativa de um objeto ou de um acontecimento ausentes e que supõe, em consequência, a construção ou o emprego de significantes diferenciados, já que devem poder referir-se a elementos não atualmente perceptíveis mas também aos que se acham presentes. Podem se distinguir, pelo menos, cinco dessas condutas, de aparecimento mais ou menos simultâneo, e que vamos enumerar na ordem de complexidade crescente:
p. 53 1) Há, primeiro que tudo, a imitação diferida, isto é, aquela que se inicia na ausência do modelo. Numa conduta de imitação sensório-motora a criança começa imitando na presença do modelo (por exemplo, um movimento da mão), depois pode continuar na ausência desse modelo, sem que isso implique nenhuma representação em pensamento. Ao contrário, no caso de una garotinha de 16 meses, que vê a um amiguinho zangar-se, chorar e bater os pés (espetáculos novos para ela), mas somente uma ou duas horas após a sua partida imita a cena a rir, esta imitação diferida constitui um começo de representação, e o gesto imitativo, um início de significante diferenciado. (p. 54-56 - O papel da imitação)
p. 53 2) Há, em seguida, o jogo simbólico ou jogo de ficção, desconhecido no nível sensório-motor. A mesma garotinha inventou seu primeiro jogo simbólico ao fingir dormir, sentada y sorrindo largamente, mas de olhos fechados, com a cabeça inclinada, polegar na boca e segurando um canto de pano, que simula o canto do travesseiro, consoante o ritual costumeiro que observa ao adormecer; pouco depois, faz também dormir o seu urso de pelúcia, enfia uma conchinha numa caixa dizendo "¡miau!" (acaba de ver um gato num muro), etc. Em todos esses casos a representação es nítida e o significante diferenciado es, de novo, um gesto imitativo, mas acompanhado de objetos que se vão tornando simbólicos.
p. 53 3) O desenho ou imagem gráfica é, nos seus primórdios, um intermediário entre o jogo e a imagem mental, embora quase não apareça antes dos dois anos ou dois anos e meio.
p. 53 4) Vem, em seguida, mais cedo ou mais tarde, a imagem mental, da qual não se observa traço algum no nível sensório-motor (pois, do contrário, o descobrimento do objeto permanente seria grandemente facilitado) e que surge como imitação interiorizada.
p. 53s. 5) Por último, a linguagem nascente permite a evocação verbal de acontecimentos não atuais. Quando a garotinha há pouco citada diz "miau", já sem ver o gato, existe representação verbal além de imitação. Quando, algum tempo depois, diz “vovô foi embora”, mostrando o caminho em declive que ele seguiu ao deixa-la, a representação / p.54 / apoia-se exclusivamente (ou fazendo-se acompanhar de uma imagem mental) no significante diferenciado constituído pelos signos da língua em vias de aprendizagem.
p. 56 Em resumo, a função semiótica engendra, dessa maneira, duas espécies de instrumentos: os símbolos, que são "motivados", isto é, apresentam, ainda que significantes diferenciados, alguma semelhança com seus significados; e os signos, que são arbitrários ou convencionais. Os símbolos, enquanto motivados, podem ser construídos só pelo indivíduo... Sendo convencional, ao contrário, o signo é necessariamente coletivo: a criança o recebe pelo canal da imitação, mas, desta feita, como aquisição de modelos exteriores; entretanto, modela-o imediatamente à sua maneira...
p. 56-57 O jogo simbólico
Obrigada a adaptar-se incessantemente a um mundo social de mais velhos, cujos interesses y regras lhe permanecem exteriores, e a um mundo físico que ela ainda mal compreende mal, a criança não consegue, como nós, satisfazer as necessidades afetivas e até intelectuais de seu eu nessas adaptações... É, portanto, indispensável para seu equilíbrio afetivo e intelectual que possa dispor de um setor de atividade cuja motivação / p. 57 / não seja a adaptação ao real, mas, pelo contrário, a assimilação do real ao eu, sem coações nem sanções: tal é o jogo, que transforma o real, por assimilação mais ou menos pura às necessidades do eu, ao passo que a imitação (quando constitui um fim em si) es acomodação mais ou menos pura aos modelos exteriores, e a inteligência é equilíbrio entre a assimilação e a acomodação.
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