O QUE FAZ O BRASIL BRASIL
Por: Juliana Oliveira Vicente • 29/9/2021 • Bibliografia • 28.914 Palavras (116 Páginas) • 131 Visualizações
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Roberto DaMatta
O que faz o brasil, Brasil?
Rocco
Rio de Janeiro – 1986
Copyright ©1984 by Roberto Augusto Damatta
Direitos para a língua portuguesa reservados, com exclusividade para o Brasil, à EDITORA ROCCO LTDA.
Rua Visconde de Pirajá, 414 – Gr. 1405
CEP 22410 – Rio de Janeiro – RJ Tel: 287-1493 Printed in Brazil/Impresso no Brasil
Ilustrações
Jimmy Scott
Este Livro foi composto pela Memphis Produções Gráficas Ltda., Rua Visconde de Inhaúma, 64 – 2° andar – Centro – Rio – RJ e impresso pela Gráfica Portinho Cavalcanti Ltda. Rua de Santana, 136 – Centro – Rio – RJ em agosto de 1986 para a Editora Rocco Ltda.
Em memória de Francisca Schurig Vieira Keller; minha saudo sa amiga que tantas vezes fez a pergunta deste livro;
Em memória de Daniel Rodrigues, na sua generosidade portuguesa e brasileira;
Para D. Dalila Pereira da Costa, Agostinho da Silva e D. Maria Violante, todos portugueses, todos brasileiros;
E para Almir Bruneti, na sua nobre hospitalidade.
Índice
[com a numeração das páginas no original]
O que faz o brasil, Brasil? A questão da identidade 9
A casa, a rua e o trabalho 21
A ilusão das relações raciais 35
Sobre comidas e mulheres... 49
O carnaval, ou o mundo como teatro e prazer 65
As festas da ordem 79
O modo de navegação social: a malandragem e o “jeitinho” 93
Os caminhos para Deus 107
Palavras finais 119
Roberto DaMatta por ele mesmo 123
A propósito do ilustrador 126
[Texto da contra-capa]
O QUE FAZ O BRASIL, BRASIL?
Este livro, escrito por um dos mais importantes antropólogos brasileiros, não pretende trazer uma definição exaustiva ou uma versão definitiva do que é o Brasil. Mas nos proporciona a surpresa do verdadeiro encontro: pois O que faz o brasil, Brasil? é justamente aquilo que faz com que nos reconheçamos como brasileiros nos mínimos e mais variados gestos. Múltiplo e rico, o Brasil é o país do carnaval e do feijão com arroz: da mistura e da fantasia. Mas também do jeitinho que dribla a lei e da hierarquia velada pela cordialidade. Somos brasileiros na devoção e no sincretismo, no culto à ordem e na malandragem, no trabalho duro e na preguiça. O Brasil maiúsculo que Roberto DaMatta apresenta não é um conjunto de instituições ou de fatos históricos, e sim o fundamento de nossa identidade. Nossa brasilidade é um estilo, uma maneira particular de construir e perceber a realidade.
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O que faz o brasil, Brasil? A questão da identidade
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Devo começar explicando o meu enigmático título. É que será preciso estabelecer uma distincão radical entre um “brasil” escrito com letra minúscula, nome de um tipo de madeira de lei ou de uma feitoria interessada em explorar uma terra como outra qualquer, e o Brasil que designa um povo, uma nação, um conjunto de valores, escolhas e ideais de vida. O “brasil” com o b minúsculo é apenas um objeto sem vida, autoconsciência ou pulsação interior, pedaço de coisa que morre e não tem a menor condição de se reproduzir como sistema; como, aliás, queriam alguns teóricos sociais do século XIX, que viam na terra – um pedaço perdido de Portugal e da Europa – um conjunto doentio e condenado de raças que, misturando-se ao sabor de
uma natureza exuberante e de um clima tropical, estariam fadadas à degenerarão e à morte biológica, psicológica e social. Mas o Brasil com B maiúsculo é algo muito mais complexo. É país, cultura, local geográfico, fronteira e território reconhecidos internacionalmente, e também casa, pedaço de chão calçado com o calor de nossos corpos, lar, memória e consciência de um lugar com o qual se tem uma ligação especial, única, totalmente sagrada. É igualmente um tempo singular cujos eventos são exclusivamente seus, e também temporalidade que pode ser acelerada na festa do carnaval; que pode ser detida na morte e na memória e que pode ser trazida de volta na boa recordação da saudade. Tempo e temporalidade de ritmos localizados e, assim, insubstituíveis. Sociedade onde pessoas seguem certos valores e julgam as ações humanas dentro de um padrão somente seu. Não se trata mais de algo inerte, mas de uma entidade viva, cheia de auto-reflexão e consciência: algo que se soma e se alarga para o futuro e para o passado, num movimento próprio que se chama História. Aqui, o Brasil é um ser parte conhecido e parte misterioso, como um grande e poderoso espírito. Como um Deus que está em todos os lugares e em nenhum, mas que também precisa dos homens para que possa se saber superior e onipotente. Onde quer que haja um brasileiro adulto, existe com ele o Brasil e, no entanto – tal como acontece com as divindades –, será preciso produzir e provocar a sua manifestação para que se possa sentir sua concretude e seu poder. Caso contrário, sua presença é tão inefável como a do ar que se respira, e dela não se teria consciência a não ser pela comparação, pelo contraste e pela percepção de algumas de suas manifestações mais contundentes. Os deuses, conforme sabemos, existem somente para serem vistos em certos momentos e dentro de certas molduras. O mesmo ocorre com as sociedades. Geralmente, estamos habituados a tomar conhecimento das sociedades – e, sobretudo, da nossa sociedade – por meio de suas manifestações mais oficiais e mais nobres. Tal como ocorre às divindades, que só são encontradas nas igrejas, também as sociedades só são normalmente percebidas quando surgem nas suas vozes mais “cultas”. Para os tradicionalistas, aqueles que têm olhos e não vêem, os deuses se acham nos sacrários, nas capelas e nos livros sagrados de reza e devoção. Para os observadores menos imaginativos e sensíveis, uma sociedade está nas suas ciências, letras e artes. A visão oficial contradiz a voz, a visão do povo e, ainda, a experiência da condição humana que, generosamente, enxerga Deus em toda parte: no rito pomposo e solene da catedral e na visão tresloucada do místico, nu e faminto em sua cela de preocupações com o destino dos
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