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Paulo Freire e Humberto Maturana: consonâncias e dissonâncias

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Por:   •  31/3/2014  •  Pesquisas Acadêmicas  •  2.824 Palavras (12 Páginas)  •  304 Visualizações

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4- Paulo Freire e Humberto Maturana: consonâncias e dissonâncias

Embora Paulo Freire e Humberto Maturana tenham dialogado com uma lista enorme de autores ao longo de suas vidas, o nome de cada um deles não consta das suas respectivas listas. Isto pode ser explicado pelas diferentes áreas do conhecimento nas quais eles se dedicaram - educação e biologia, respectivamente. À parte isto, identificamos uma forte confluência, de natureza epistemológica, nos resultados que ambos chegaram e é precisamente essa confluência, mais do que os contrastes, que gostaríamos de ressaltar neste ensaio.

Imbuídos em promover um cum versare com Freire e Maturana, optamos por agrupar as consonâncias e as dissonâncias entre esses autores em três grandes categorias: a dialética, o diálogo e a conversa. A partir dessas categorias, abordaremos a questão do conhecimento, a autonomia do sujeito, a relação com o outro e o compromisso social. Embora estas questões estejam imbricadas entre si, faremos algumas distinções entre elas para nos tornarmos didáticos em nossa análise.

4.1 - A dialética

A palavra dialética pode assumir três sentidos principais, a saber: (a) arte do diálogo para atingir a verdade; (b) a concepção de que o mundo está em contínuo movimento por um processo que envolve a contradição e a luta de contrários (tese, antítese e síntese) (c) método de análise que procura evidenciar as contradições da realidade social e resolvê-las no curso do desenvolvimento histórico (Chauí, 2003).

Tendo em vista que o diálogo será tratado no próximo tópico, como uma importante categoria da epistemologia freireana, privilegiaremos nesse momento somente os sentidos advindos das doutrinas filosóficas de Hegel (sentido b) e de Marx (sentido c), nomes que tiveram grande influência sobre o pensamento de Freire.

Para Hegel, o processo racional é um processo dialético no qual a contradição não é considerada como um paradoxo lógico, mas como o verdadeiro motor do pensamento. Esse último é dinâmico porque procede através da superação das contradições, ou seja: partindo de uma tese (afirmação) e de sua antítese (negação), chega-se a uma síntese (a superação da contradição). Contudo, a superação alcançada na síntese é provisória na medida em que, ela própria, se transforma numa nova tese que já traz em si uma antítese, ou seja, uma contradição – motor do movimento dialético: a luta de contrários (Cury, 1989; Chauí, 2003).

Hegel utiliza então a dialética para reconciliação do homem com o mundo e para explicar o aparecimento do Estado. Assim, no primeiro caso, o homem (Espírito) nega-se como mundo, através da consciência, para afirmar-se como cultura. Ou seja, o Homem é mundo (tese) e o Homem é não-mundo (antítese), porque é Cultura (síntese). A reconciliação ocorre quando o Espírito reconhece-se como sujeito da produção de si mesmo: o Homem é mundo e cultura, porque é Espírito (Chauí, 2003).

Para Hegel, apoiado em sua filosofia do direito, o Estado surge como o grande conciliador. Ou seja, somente o Estado é capaz de exprimir a vontade geral expressa a partir dos particularismos e das singularidades das instituições da sociedade civil. O Estado pode garantir a ordem, a paz, a liberdade e a perfeição do Espírito humano porque ele pode, através do direito, conciliar os conflitos advindos dos particularismos (Chauí, 2003).

Para Marx, Hegel trata a dialética idealmente, no plano do Espírito, enquanto o mundo dos homens exige sua materialização. A dialética marxista considera a matéria como sendo a única realidade, negando qualquer forma de transcendência - espírito, alma, deus, etc. Maior do que qualquer essência é a existência, ou seja, a construção da história. O Homem constrói a história e é produto desta mesma construção. A base econômica (infra-estrutura econômica) determina, em última instância, a superestrutura jurídica, política e ideológica e, portanto, o próprio homem. Esse homem, determinado a partir das relações sociais em que se encontra, produz o seu próprio ambiente. No entanto, esta produção da existência não é de livre escolha, mas historicamente determinada pelas condições sócio-econômicas. O modo de produção constitui a base do regime social e determina o seu caráter, a forma de organização da sociedade e a própria consciência humana. Na busca de um caminho epistemológico que pudesse interpretar a realidade social e até mesmo transformá-la, Marx conferiu à dialética um caráter materialista e histórico. Se o mundo é dialético - se movimenta e é contraditório - é preciso um Método que possa interpretá-lo, que consiga servir de instrumento para a sua compreensão. Este instrumento lógico é o Método dialético, afirmou Marx. Haveria, segundo a concepção marxista, uma permanente dialética das forças entre opressores e oprimidos e esta dialética, materializada na permanente luta de classes, é o motor da História. Por afirmar que o processo histórico é movido por contradições sociais, o materialismo histórico é dialético (Marx, 1844; Cury, 1989; Chauí, 2003).

4.1.1 - Paulo Freire frente à dialética

As dialéticas de Hegel e de Marx influenciaram muito o pensamento de Paulo Freire, especialmente em sua práxis educativa. Assim, para esse último, a educação é entendida como um processo que deve, necessariamente, levar o indivíduo a reconhecer não só a sua condição de indivíduo no mundo, mas, também, a sua condição de agente que cria o mundo. Chega-se a esse duplo reconhecimento através do movimento das contradições internas entre a razão e o mundo material e das condições materiais do mundo em que a razão existe.

Segundo essa concepção freireana, o ato de leitura não pode estar dissociado da leitura do mundo e não se trata apenas de ler e conhecer as coisas do mundo, mas, efetivamente, o de transformá-lo – o que inscreve a educação como prática da liberdade. Freire compreendeu, no entanto, os limites da educação para operar o processo de mudança em condições objetivas desfavoráveis, razão pela qual direcionou a sua atenção para dois importantes focos: o conflito e a esperança (Freire, 1969, 1970, 1992).

“Não é possível compreender a vida social fora da existência dos antagonismos, fora da existência dos conflitos”. Se ganha consciência nos conflitos, pois, com eles, o homem se transforma, se educa e se reeduca (Blois, 2005).

É possível assumir um sentido amplo para o termo conflito e incorporar a ele a noção de problema, de situação

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