SUICÍDIO JUVENIL: ALTERNATIVA, SOLUÇÃO OU INCÓGNITA?
Por: viatrinitatis • 4/6/2018 • Ensaio • 5.840 Palavras (24 Páginas) • 196 Visualizações
SUICÍDIO JUVENIL: ALTERNATIVA, SOLUÇÃO OU INCÓGNITA?
Uyrajá Lucas Mota Diniz[1]
1. Introdução
“Ninguém sai de onde tem paz”.
Pedro Abrunhosa
Se, porventura, um turista, em longa viagem de carro rumo a certa cidade famosa, fosse surpreendido por sucessivas placas de advertência ao lado da rodovia e se dispusesse a lê-las, encontraria em cada uma delas uma introdução padronizada seguida de inusitadas informações, tais como: “AQUI NESTA CIDADE...
“... a cada 40 segundos, uma pessoa comete suicídio. ... a cada 3 segundos uma pessoa atenta contra a própria vida. ... o suicídio está entre as três maiores causas de morte entre pessoas com idade entre 15 e 35 anos. ... cada suicídio tem um sério impacto em pelo menos outras seis pessoas. ... o impacto psicológico, social e financeiro do suicídio em uma família e comunidade é imensurável. ... 5 a 10% das pessoas dependentes de álcool terminam sua vida pelo suicídio. ... no momento do ato suicida, muitos se apresentam sob a influência do álcool. ... 10% dos esquizofrênicos acabam cometendo suicídio. ... o risco de suicídio aumenta em doenças crônicas e dolorosas. ... homens cometem mais suicídio que mulheres, mas mulheres tentam mais vezes o suicídio[2].
... sexo, idade, estado civil, profissão, desemprego e estressores da vida podem se combinar para facilitar o acesso e a exposição ao suicídio”[3] (grifos nossos).
A possível reação daquele viajante imaginário seria, nada menos, que dar meia volta e retornar para casa, a fim de planejar para si outro destino, quiçá menos preocupante ou arriscado... Ora, o fato imaginário torna-se uma realidade concreta e ampliada quando essa cidade imaginária revela-se como uma metáfora de nosso mundo contemporâneo serpenteado pela estrada ininterrupta de todos os momentos da história humana e atualmente disponível para a velocidade hipernarcisista, hiper-hedonista e hiperconsumista[4] da vida moderna.
Convivemos existencialmente com numerosas ‘placas’ (notícias, estatísticas, experiências, perdas no círculo familiar e social) referentes ao fenômeno do suicídio, desde já entendido como ato voluntário pelo qual um indivíduo põe fim à própria vida.
Na estrada do viver, embora não haja possibilidades reais de retorno nem de estacionamento, sempre haverá oportunidades para idealizar e planejar outro modo de vida em sociedade.
Por isso, a boa notícia é que, caso o turista siga corajosamente avante, poderá vislumbrar aliviado, já próximo ao portal da cidade, a última daquelas placas a anunciar-lhe boas-vindas otimistas: BEM-VINDO(A) A ESTA CIDADE, ONDE... “o suicídio pode ser prevenido na maioria dos casos”[5].
Mas será que a sociedade contemporânea, em que pese tantos avanços tecnológicos por ela angariados, é suficientemente forte para encarar este desafio? Ela dispõe de elementos teóricos suficientes para definir em quais condições se encontra a vontade livre do agente ou do idealizador suicida, quando na agudez de sua crise? A humanidade de nossos dias, por acaso, teria condições de compreender que a biografia do idealizador suicida talvez esteja colmada de pressões oriundas diversos fatores, isolados e/ou conjugados, tais como os ambientais, culturais, biológicos, psicológicos, políticos, sociais, tecnológicos e mesmo os religiosos?
De início, pode-se afirmar que esse desafio é deveras enigmático para todas as épocas e culturas. Daolio singulariza-se ao declarar, sem apegos deterministas, que:
“(...) o suicídio é fenômeno universal e persistente ao longo da história. Geralmente, é motivado por problemas econômicos, amores não correspondidos, ato de heroísmo, influência do meio social ou distúrbios mentais. Porém, o que se evidencia é sua paradoxal ocorrência em todas as culturas, em todos os tempos e idades”[6].
2. Dimensões reais deste desafio humano
Altamente preocupantes são as estatísticas oficialmente divulgadas, embora quase sempre incompletas, a garantirem que a juventude, em todos os quadrantes do globo, é o principal alvo etário desse fenômeno.
É sempre lamentável considerar que, a cada feixe de segundos, centenas de jovens encontram-se em queda livre dentro desse abismo de extrema complexidade, numa obscura solidão entrecortada apenas pela estranha e chocante violência que acompanha seu último ato livre: enforcamento, estrangulamento, sufocação, uso de armas de fogo e explosivos, envenenamento etc.[7]
Ademais, junto com a depressão e a desesperança (leve, moderada ou grave), a ideação suicida, como construto conceitual, revela-se como um perigo real, intermitente e sempre insinuante ao longo dos processos de individuação e subjetivação típicos da experiência juvenil.
Para compreender a extensão desse tema, basta-nos aqui tomar, em linhas gerais, o que Borges e Werlang resumem:
“Em termos de definição do construto ideação suicida, [...] este engloba desejos, atitudes ou planos que o indivíduo tenha de se matar. Carlson e Cantwell (1982) comentam que a frequência e a intensidade da ideação suicida aumentam com a idade cronológica, principalmente depois da puberdade. Neste sentido, um estudo realizado na Austrália, com pacientes em internação psiquiátrica, mostrou que quase um quarto (22%) dos pacientes, com idades entre 15 e 24 anos apresentou ideação suicida”[8].
Outras distinções que, a esta altura da reflexão, apresentam-se bastante úteis são aquelas que Baptista oferece para uma tipificação preliminar do fenômeno do suicídio. Efetivamente, ele sustenta que há:
a) o suicídio desesperado, no qual predomina a intolerabilidade e o desespero situacional do sujeito, tornando o atentado à própria vida a única possibilidade de fuga;
b) os suicidas psicóticos, cujos agentes sofrem algum tipo de alucinação, como habitualmente ocorre aos esquizofrênicos;
c) os suicidas racionais, em geral vitimados por alguma doença terminal ou progressivamente debilitante de seu ser ou seu agir, cuja necessidade de cessação das dores e incapacitações disparariam frequentes e mórbidas motivações suicidas; e
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