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UMA INTRODUÇÃO A QUESTÃO DO MAL NO PENSAMENTO DE SANTO AGOSTINHO

Por:   •  31/10/2022  •  Artigo  •  3.914 Palavras (16 Páginas)  •  125 Visualizações

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UMA INTRODUÇÃO A QUESTÃO DO MAL NO PENSAMENTO DE SANTO AGOSTINHO

Alan Eric de Sousa[1]

Resumo: Buscaremos no presente trabalho estabelecer algumas breves considerações introdutórias sobre o pensamento de Santo Agostinho, no que se refere a questão do mal. Assunto de extrema importância para a formação pessoal de Agostinho, e ainda, evidentemente, para o itinerário filosófico/teológico adotado pela Águia de África. Além disso, sua resposta à questão da existência do mal no mundo foi de fundamental importância para o cristianismo posterior. O bispo de Hipona transitou pelas mais diversas correntes filosóficas e religiosas, principalmente, o neoplatonismo e o maniqueísmo, porém, as respostas que estas ofereciam à problemática do mal não foram suficientes para a mente inquieta do hiponense. Desta forma, o principal problema investigado nesta dissertação é o fio condutor do pensamento agostiniano sobre a dificuldade em conceber a natureza do mal e a sua origem.

Palavras-chave: Mal. Filosofia. Cristianismo.

1 INTRODUÇÃO

Discorrer sobre o conceito do mal no pensamento agostiniano é sempre uma tarefa complexa, uma vez que o grande Doutor da Igreja não sistematizou as suas ideias. Elas estão costuradas no grande todo coerente que compõe o campo intelectual agostiniano.

Mesmo antes de sua conversão, Agostinho já se inquietava com o fato de o homem pecar. Encontrando inicialmente no Maniqueísmo, seita fundada por Mani e que, reunindo elemos do zoroastrismo e do cristianismo, oferecia uma via racional de acesso à verdade e uma metafísica de cunho fortemente materialista, um breve deleite para suas questões.

Para evidenciarmos essa profunda inquietação, podemos ressaltar uma significativa passagem das Confissões, onde Agostinho menciona a questão que o acompanhou durante a vida: “Qual a sua origem, se Deus, que é bom, fez todas as coisas? Sendo o supremo e sumo Bem, criou bens menores do que Ele; mas, enfim, o Criador e as criaturas, todos são bons. Donde, pois, vem o mal?”[2].

O mal, portanto, apresentava-se para a Águia de África como um paradoxo. Visto que buscava uma explicação para a origem do mal criado e governado por um Deus sumamente bom e onipotente. Vendo assim, o mal como uma realidade tão poderosa, como explica-lo? Qual será sua origem? Quem é seu autor?

As peças não se encaixavam e no primeiro momento de sua vida intelectual, tendo se enveredado pelos caminhos de Mani, Pelágio, Plotino, Cícero não encontrava respostas satisfatórias e completas para suas inquietudes.

Até encontrar em Milão a figura do grande Ambrósio que abriu para ele não só as portas da Igreja através do Batismo, mas o introduziu de uma vez por todas no oceano abissal da Verdade que ele tanto buscava e continuará a buscar em seu itinerário.

A conversão agostiniana à fé cristã foi decisiva e serviu como alicerce para o bispo de Hipona responder satisfatoriamente ao problema referente ao mal. É pela crença num Deus sumamente bom, que criou todas as coisas a partir do nada, que Agostinho supera a teoria dos maniqueus.

O mal torna-se assim, para Agostinho, uma espécie de “desarmonia”, pois tudo que é criado pelo Pai busca harmonizar-se com Ele. Em uma das passagens das Confissões ele afirma: “Em absoluto, o mal não existe nem para Vós, nem para as vossas criaturas. (...), mas porque, em algumas partes, certos elementos não se harmonizam com os outros, são considerados maus”[3].

Nosso trabalho, dividido em duas partes, pretende apresentar o percurso de Agostinho em suas buscas inquietas na primeira parte e na segunda apresentar as concepções intelectuais agostinianas originais, após sua conversão.

2 UM CORAÇÃO INQUIETO EM BUSCA DE RESPOSTAS AO PROBLEMA DO MAL

O coração inquieto da Águia de Hipona fez com que este, desde sua juventude, buscasse a paz da verdade. Percorreu diversas seitas e correntes de pensamento para deleitar-se. Porém, sem muito êxito. Numa dessas, pretendemos nos deparar nesta primeira parte, para entendermos a inquietação agostiniana com relação a questão do mal e seus desdobramentos filosóficos e teológicos.

A controvérsia antimaniqueia impulsionou o hiponense Agostinho a elaborar uma estrutura de pensamento que apresentasse a incoerência dos maniqueus a respeito do problema ontológico do mal tão propagada por eles. Por isto, não há outra forma de começar a apresentar a questão do mal, sem perpassar pelo pensamento de Mani e seus prosélitos.

O maniqueísmo teve grande influência no pensamento de Santo Agostinho. Com seu olhar investigador, “assim que chegou à adolescência, sentiu o problema do mal, e, aos dezenove anos, foi buscar a solução junto aos maniqueus”[4]. Como ele mesmo nos diz: “Não conhecia eu outra realidade – a verdadeira – e me sentia como que movido por um aguilhão a concordar com a opinião daqueles insensatos [maniqueus] impostores quando me perguntavam de onde procedia o mal”[5].

A religião Maniqueísta é originária do século III, fundada por Mani, pensador babilônico. “Eran una secta pequeña y de reputación siniestra; eran, además, ilegal y más tarde sus miembros habían de ser cruelmente perseguidos”[6]. Julgavam-se portadores de uma solução única e radical para os problemas religiosos da época e conseguiram se infiltrar na Igreja Cristã.

Os maniqueus “se propuseram como tantas outras religiões a elaborar respostas para diversas questões, como: Deus, sumo Bem, pode ser causa do mal? Ou: Haverá outro princípio que seja semelhante a Deus que possa originar o mal? Etc.”[7] 

Sobre estas preocupações maniqueias em responder a esses questionamentos, vemos Agostinho relatar numa passagem das Confissões afirmando que “estava em Roma a frequentar os chamados santos enganados e enganadores” e conservava ainda a ideia “de que não éramos nós que pecávamos, mas alguma outra natureza estabelecida em nós”.[8]

O pensamento maniqueísta oferece certa “desculpabilidade” para Deus quanto ao problema do mal: sendo Deus amor, não poderia ter criado o mal. Logo, este também é eterno. Obviamente a resposta de uma substância eterna coexistente com Deus ainda não é suficientemente satisfatória para eliminar todo o problema do mal. Todavia, sabemos que Agostinho não era totalmente complacente aos pensamentos maniqueístas e já os questionava, embora que ainda estivesse com eles, por não encontrar nenhuma outra doutrina satisfatória naquele período de buscas inquietas.

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