A CRÍTICA DE ERASMO A IGREJA CATÓLICA ROMANA E SUA RELAÇÃO COM A REFORMA LUTERANA
Por: Marília Araujo • 3/11/2019 • Ensaio • 2.872 Palavras (12 Páginas) • 552 Visualizações
A CRÍTICA DE ERASMO A IGREJA CATÓLICA ROMANA E SUA RELAÇÃO COM A REFORMA LUTERANA
Marília Araújo de Oliveira[1]
RESUMO: Este estudo visa uma análise sobre a crítica de Desidério Erasmo de Roterdã a Igreja Católica Romana, seus ritos, costumes e ações do alto clero: o Papa, Bispos e Cardeais, expressada em algumas de suas obras. Como também sua relação com a Reforma Protestante Luterana a parti das suas ideias reformistas, filosofia cristã, e crítica a Igreja, que lhe conectaram aos pensamentos luteranos.
Palavras-chaves: Erasmo; Reforma Protestante; Crítica; Luterana; Igreja
1.INTRODUÇÃO
Em meados do século XV e final do XVI, iniciava um período histórico intitulado de Renascimento. Surgido a princípio nas cidades-estados italianas e, posteriormente, espalhando-se para outras cidades europeias, caracterizou-se por um movimento de ruptura com a Escolástica medieval, um renascer para uma nova vida, buscando como fonte do saber os clássicos gregos e romanos, contudo, vai mais além.
O desperta cultural, que caracteriza desde o início o Renascimento é sobretudo uma afirmação renovada do homem, dos valores humanos nos vários domínios: desde as artes a vida diária. Não é por acaso que aquilo que mais impressiona nos escritores e nos historiadores, desde as origens, é essa preocupação com os homens, com o seu mundo, com a sua atividade no mundo. (GARIN, 1991, p. 9)
Com o homem no centro de todos os pensamentos, os intelectuais humanistas buscavam nos textos antigos dos grandes filósofos, como também escritos religiosos, respostas para as questões que pairavam na época, principalmente o comportamento social que os diferenciava do homem medieval, assim como, a relação do homem com a religião. A maioria dos humanistas “apresentava uma visão completamente otimista da natureza humana, crendo na capacidade dos homens de criar, de realizar e de buscar sua própria salvação” (BASTOS, 2008, p. 252).
Desidério Erasmo, conhecido como Erasmo de Roterdã, era um desses celebres humanistas renascentistas. Nascido no ano de 1465, desde sua juventude recebeu educação religiosa. Estudou teologia em Paris, viaja para Inglaterra e torna-se aprendiz de Colet, iniciando seus estudos em literatura clássica e nos Padres da Igreja, além do grego. Em 1506 recebe o título de Doutor em Teologia na Itália.
Durante sua trajetória, todas as suas obras foram voltadas para o âmbito religioso, como traduções de textos religiosos, obras sobre os Padres da Igreja: Santo Agostinho, Santo Ambrósio, Jerónimo, Santo Crisóstomo, além de, trabalhos sobre sua perspectiva de como deveria ser a postura cristã e as mudanças necessária na estrutura e pensamentos da Igreja Católica.
Em sua obra, Elogio da Loucura, publicada em 1509, em sua viagem da Itália para a Grã-Bretanha, dedicada ao amigo Thomas More, Erasmo, em um texto satírico, utiliza-se da loucura para criticar a sociedade de sua época. A loucura é expressada por Erasmo como as paixões humanas, “[...] a loucura não está ligada ao mundo e as suas formas subterrâneas, mas ao homem com suas fraquezas, seus sonhos e suas ilusões [...] é um sutil relacionamento que o homem mantém consigo mesmo”. (KANTORSKI et al, 2010, p. 247)
As paixões se dividam em duas para o autor, as negativas, como a ira, a volúpia por exemplo, e as naturais ao homem, como o afeto e a amizade, que unidas a razão seria uma virtude cristã, interferindo em sua vida religiosa. Dessa forma, com a discussão sobre a influência da religião na vida do homem, Erasmo lança duras críticas a Igreja Católica, não só a certos dogmas e condutas, como também ao Papa, Bispos e Cardeais.
Apesar de suas críticas, Erasmo era cristão, mas defendia a necessidade de reformas na Igreja e, por essa razão, seu nome é muitas vezes ligado ao de Martinho Lutero. Suas ideias reformistas, em alguns pontos, se assemelhavam as reformas luteranas, contudo, não acreditava em uma ruptura com a Igreja. “Defendia sim uma Reforma, mas no interior do catolicismo, aproximando os homens, vivendo como uma comunidade, defendendo um retorno aos princípios e às práticas do cristianismo primitivo.” (BASTOS, 2008, p. 253)
Mesmo havendo diferenças em certos pontos, Lutero era visto para algumas pessoas da época, antes da ruptura entre eles, como um discípulo de Erasmo e que as reflexões do erudito tenham influenciado as ideias reformistas luteranas. Porém, em sue livro “Martinho Lutero, um destino”, Lucien Febvre defende que essa concepção foi erronia, além de não haver retificação por parte de Lutero até a publicação de De Servo Arbritio, em oposição a obra De Libero Arbritio de Erasmo.
2.ERASMO E SUA CRÍTICA A IGREJA CATÓLICA
Erasmo como humanista, teólogo e clérigo não ativo da Igreja Católica, pois, pediu dispensa dos seus hábitos monacal, tinha como foco principal a religião. Seu pensamento estava diretamente ligado ao Evangelismo, pela reforma dos costumes baseado no evangelho, que encontrava ressonância devido ao contexto da época.
Dessa forma, todas as suas obras estão voltadas para sua perspectiva da filosofia cristã e, consequentemente, suas ideias reformistas, bem como críticas a Igreja. Suas principais críticas são “os ritos da vida monástica; disputas escolásticas; indulgências; peregrinações; obediência irrestrita à hierarquia; tirania do alto clero.” (TOLEDO, 2004, p. 99)
Em sua sátira Elogio da Loucura, um monólogo em que a loucura se intitula uma deusa mitológica, sendo responsável pelas ações humanas, Erasmo tece críticas a Igreja Católica abertamente, principalmente aos altos cargos da hierárquica Católica.
O conceito de loucura para Erasmo poderia ser simplesmente resumido pelas ações realizadas por algo maior que nos move, ou seja, através da manifestação do individuo pela paixão. O intelectual rompe o convencionalismo existente com a loucura para desvendar sua obra face e mostrar sua presença em instituições importantes na época, como a Igreja, o casamento, reconhecendo além da determinação divina da loucura (concepção dominante na época), uma natureza das paixões própria do ser humano.” (KANTORSKI et al, 2010, 247)
A expressão da loucura no mundo religioso é enfatizada no desejo dos homens por riquezas, alegando que os papas, cardeais e bispos vivem diferente da vida simples orientada pelos apóstolos, aconselhando a fazer-lhes estas reflexões:
Se eu descendo dos apóstolos, porque não faço, então, o que eles fizeram? Não sou senhor, mas simples distribuidor das graças espirituais, e muito breve terei de prestar contas da minha administração. Que significa essa nívea candidez do meu roquete, se não uma suma pureza de costumes? Que dizer está sotaina de purpura, se não um ardente amor a Deus? Que denota esta capa de mesma cor (tão ampla e espaçosa que bastaria para cobrir não somente a mula do eminentíssimo, mas até um camelo junto com o cardeal), se não uma caridade ilimitada e sempre pronta para socorrer o próximo, isto é, a instruir, a exorta, a acalmar o furor das guerras, a resistir aos maus princípios, a da de boa vontade o próprio sangue e as riquezas pelo bem da Igreja? Para quer tantos tesouros? Aqueles que pretende representar o antigo colégio dos apóstolos não deveriam antes de tudo imitar a sua pobreza? (ROTERDÃ, 2002, p. 157)
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