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Michel de Certeau -A Invenção do Cotidiano

Por:   •  27/6/2019  •  Resenha  •  2.077 Palavras (9 Páginas)  •  1.069 Visualizações

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UEM – Universidade Estadual de Maringá

ProfHistória – Mestrado Profissional de História

Disciplina: Teoria da História

Professora: Solange Ramos de Andrade

Aluna: Valdirene Rezende Senegalhe

Informe de Leitura: CERTEAU, Michel de. A Invenção do cotidiano. 3 ed. Petrópolis: Vozes, 1998.

Michel de Certeau nasceu na França em 1925, formou-se em filosofia e estudos clássicos em universidades francesas e com vinte e cinco anos se inseriu na Companhia de Jesus, sendo cristão até sua morte em 1986. Ao longo de sua vida se dedicou ao estudo de vários campos do conhecimento, tais como teologia, antropologia, história, política. Em 1960, tornou-se doutor em teologia pela Universidade Sorbonne. Atuou como professor de antropologia na Universidade da Califórnia e publicou livros e artigos abrangendo diversas áreas do saber. Sua obra baseia-se em ideias e procedimentos provenientes de diversos campos de conhecimento: história, teologia, educação, psicanálise, filosofia, antropologia e linguística. Suas principais inspirações são a psicanálise de Sigmund Freud; a filosofia da linguagem de Ludwig Wittgenstein e John Langshaw Austin; a antropologia de Claude Lévi-Strauss e a filosofia de Immanuel Kant. Ao mesmo tempo, estabelece interlocuções fundamentais com Michel Foucault e Pierre Bourdieu, a partir das quais delimita o campo das práticas; e com Marcel Detienne e Jean-Pierre Vernant com quem dialoga para definir sua noção de tática. Problematizando o olhar centrado exclusivamente nos procedimentos de controle (Foucault) e na ideia de determinação do habitus (Bourdieu), o autor coloca o seu foco, não na imposição de padrões de comportamento, mas nos diferentes modos pelos quais as práticas cotidianas podem subverter imposições e controles diversos. A distinção entre “estratégia” e “tática” é central para o desenvolvimento da noção de prática cotidiana do autor.

O livro A invenção do cotidiano é uma obra que se baseia em estudar práticas cotidianas como modos de ação, como operações realizadas pelo indivíduo no processo de interação social. O livro discorre sobre um ser-individual-social que se reapropria de elementos de uma cultura preexistente, a fim de torná-la comum a sua própria vida ordinária. O autor parte do pressuposto de que é a relação social que determina o indivíduo e não o inverso, por isso, só se pode apreendê-lo a partir de suas práticas sociais. Certeau percebe a individualidade como o local onde se organizam, às vezes de modo incoerente e contraditório, a pluralidade da vivência social. Por isso, lhe interessa bastante estudar o processo de enunciação, as várias possibilidades e efeitos da língua em uma situação de interlocução, em que os indivíduos se reapropriam da língua materna a fim de utilizá-la para propósitos particulares, para efetivar um diálogo com o mínimo possível de ruído. Nas práticas cotidianas de ler, conversar, habitar e cozinhar se observam as maneiras de falar e as maneiras de caminhar, pelas quais o indivíduo pode seduzir, persuadir, refutar. Todo esse potencial enunciativo e criativo do indivíduo, durante a interação, remete ao que o autor chama de antidisciplina, que vai de encontro à ideia de vigilância, de limites, de combinações restritas e previsíveis, desenvolvida por Foucault. Para afirmar o conceito de cotidiano como o conjunto de operações singulares que, às vezes, dizem mais de uma sociedade e de um indivíduo do que a sua própria identidade, baseia-se também nas teorias de Kant, Freud e Bourdieu. A partir de um estudo dinâmico, que caminha entre grandes pensadores e entrevistas com pessoas comuns, busca sentidos em práticas cotidianas que, outrora, passariam despercebidos.

A Invenção do Cotidiano divide-se em duas partes: Artes de fazer - volume 1 e Habitar, cozinhar - volume 2, este último escrito com Luce Giard, historiadora das ciências e da religião, e Pierre Mayol, aluno de Certeau. A obra é resultado de um trabalho coletivo realizado a partir de uma encomenda do Ministério da Cultura francês interessado em questões de cultura e de sociedade, e sobre as quais o autor trabalhou em obras anteriores. À proposta feita, Certeau e equipe responderam pela análise das práticas culturais cotidianas, tema a partir do qual desenvolveram uma abordagem do consumo cultural, pensado como dimensão criadora e inventiva. No primeiro volume da obra baseado na pesquisa empírica, o autor faz uma reflexão sobre as práticas ordinárias, aproximando-as dos modos de fazer das pessoas comuns, atento às diversas maneiras pelas quais fazem uso de regras e convenções impostas por uma ordem social e economicamente dominante. Para isto escolhe para análise campos corriqueiros de ação: o espaço, a língua, a crença, entre outros. Trata, por exemplo, do caminhar pela cidade como um modo de praticar o espaço e apropriar-se do traçado urbano, não previsto pelos planos urbanísticos; examina também relatos de milagres entre os lavradores que, ao mesmo tempo, que partem de preceitos do catolicismo tradicional, produzem modos de crer diversos; ou, ainda, do ato corriqueiro de ler, considerado como uma forma de apropriação do texto pelo leitor, que o realiza segundo seus códigos próprios de percepção e interesses. O segundo volume da obra, visa traçar as interligações de uma cotidianidade concreta por meio de vasto material etnográfico, estatístico, cartográfico e de entrevistas reunido por Pierre Mayol que investiga as práticas do habitar de um bairro operário na França, e por Luce Giard que se dedica às práticas de cozinhar. A amplitude de inspirações teóricas e os alcances da abordagem original da vida social e da cultura que apresenta fizeram da obra uma referência para estudos nas áreas de História, Antropologia, Educação, Literatura, Estudos Urbanos e Culturais, entre outros.

Voltando ao primeiro volume da obra o autor se aprofunda nos caminhos nos quais as práticas sociais emergem e estabelecem táticas de consumo, capazes de compor uma antidisciplina, na qual o fraco usa o forte para resistir à disciplina. Com foco nas práticas sociais cotidianas o autor as observa como maneiras de fazer que se constituem a partir das estratégias e das táticas cotidianas. Esses dois conceitos se destacam como os mais influentes na obra do autor. Segundo ele, a estratégia se trata do cálculo das relações de força no momento em que um sujeito de desejo e poder, na posição de próprio, diferencia-se de um alvo, o outro. Para o autor, esse outro não tem lugar privilegiado de poder para se abrigar, restando-lhe a tática, um cálculo realizado desprovido de domínio sobre o tempo e baseado em uma astúcia relevante para a sobrevivência e resistência dos sujeitos comuns, envolvidos em relações de poder capazes de perverter o lugar a partir dos usos transgressivos de elementos que fazem parte dele. Os dois volumes da obra A Invenção do Cotidiano marcam o desejo do autor por desvendar as minúcias das relações sociais na dimensão cotidiana e refutar a passividade dos consumidores. No primeiro volume aparece o predomínio das reflexões do próprio Certeau sobre o fazer cotidiano, permeado por passividades, transgressões e bricolagens. Já no segundo volume, morar, cozinhar, as reflexões em torno dessas duas práticas são articuladas com maior participação de dois membros do terceiro círculo de Certeau: Pierre Mayol e Luce Giard. Nos dois volumes da obra fica explícito que o cotidiano é dado aos praticantes ao mesmo tempo em que é inventado por eles, em uma dinâmica micropolítica entre sujeitos de posições heterogêneas e efêmeras. Praticantes que se articulam na posição estratégica da produção em determinadas circunstâncias articulam-se nas maneiras táticas do consumo em outras situações. A visão metafórica de produção e consumo se mostrou eficaz para demonstrar aquela dinâmica do cotidiano, sendo que, em uma ponta, encontra-se a produção de tecnologias controladoras disseminadas no dia a dia, e na outra se nota o consumo das imposições estratégicas. Esse consumo, não se trata da aceitação passiva dessas imposições, visto como ato criativo, ele também é uma produção, porém uma produção do tipo clandestino. No contexto do consumo, os praticantes criam novas formas desviacionistas, assim como fazem do lugar um espaço. Para o autor, o lugar é algo estável onde impera a lei do próprio; enquanto o espaço é instável, dependendo de momentos no tempo, sendo um lugar praticado. Dessa maneira, o autor discorreu sobre práticas de espaço, por exemplo, a prática de caminhar pelas metrópoles. Tais práticas são conectadas por narrativas, portanto, para falar sobre práticas e ter condições para isso, a narrativa é imprescindível. São as narrativas que dão vivacidade às práticas de dissimulação. Isso se trata de uma bricolagem, isto é, um conjunto de atividades feitas por praticantes ordinários desprovidos de racionalidade técnica, mas que são capazes de articular produtos fragmentados por meio da criatividade. O homem ordinário, ou praticante ordinário, é o sujeito comum esquecido pelas pesquisas acadêmicas, um herói anônimo, disseminado na massa marginalizada. Ele também pode ser o outro que está no passado. Esse outro vai ser desvendado pelo historiador que tentará apresentá-lo parcialmente ao presente por meio da história.

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