RESENHA "O NASCIMENTO DO HOSPITAL" FOUCAULT, MICROFÍSICA DO PODER p.79-111.
Por: Alina Araújo • 29/7/2019 • Resenha • 2.390 Palavras (10 Páginas) • 1.156 Visualizações
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB
Matéria: Tópicos de História Política do Brasil I
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979. p.79-111.
O nascimento da medicina social e O nascimento do hospital dão nome a dois capítulos do livro Microfísica do Poder, do filósofo francês Michel Foucault. O autor escreve sobre os séculos XVII à XX, abordando o período mercantilista quando ele trata da reorganização hospitalar no capítulo seis, bem como o período inicial do capitalismo quando trata da medicina voltada para a classe “dos mais pobres”. No quinto capítulo, o autor busca desenvolver e comparar as formas de medicina social, com base no modelo alemão, francês e inglês, ao qual o teórico denomina de medicina de Estado, medicina urbana e medicina da força de trabalho respectivamente. Já no sexto capítulo, o nascimento do hospital, Foucault vai dissertar sobre como o hospital deixou de ser um lugar onde os pobres iam para morrer, para se tornar um local com caráter terapêutico, abordando o processo de disciplinarização e medicalização dos hospitais.
No quinto capítulo, o objetivo de Foucault é mostrar que não ocorreu o processo de privatização da medicina após o capitalismo, mas sim o contrário. Segundo o autor, com o capitalismo se desenvolvendo no fim do século XIX, o primeiro objeto a ser socializado foi o corpo enquanto força de trabalho operacional dos meios de produção, para isso o controle da classe trabalhadora não se deu somente de forma ideológica, mas sim pelo corpo. “O corpo é uma realidade biopolítica, a medicina é uma estratégia biopolítica” (p.80). Contudo, o filósofo vai defender a tese de que existem três etapas de formação da medicina social, e que não foi enquanto força de trabalho que o corpo se tornou objeto de análise do médico, isso se deu somente em última etapa na segunda metade do século XIX.
A primeira etapa é denominada de medicina de Estado e principalmente na Alemanha nos períodos iniciais do século XVIII. Segundo Michel Foucault, foi esse o locus do que se pode chamar de ciência de Estado, tendo um conjunto de procedimentos organizados para garantir o funcionamento melhor de sua sociedade, levando em consideração seus recursos naturais, o estado de sua população bem como o funcionamento do aparelho político-burocrático. Nesse contexto, e também no contexto do mercantilismo, havia uma preocupação de todas as nações europeias de cuidar da saúde de sua população, contudo, em sua maioria os métodos utilizados não tinham efeitos efetivos, como na França e na Inglaterra que havia somente a coleta de dados de natalidade e mortalidade de sua população com o intuito de calcular sua força ativa. Se tratando da Áustria a realidade é diferente, onde se desenvolve a polícia médica de Estado, uma forma efetiva de prática médica, voltada para melhorar a vida da população e a sua saúde. Esse método funcionava graças a um sistema de observação das taxas de mortalidade mais completo do que os feitos na França e Inglaterra, eram também observados os diferentes fenômenos endêmicos e epidêmicos. Além disso, havia a normalização do saber médico; uma organização administrativa para controlar as atividades dos médicos, subordinando a prática médica a um poder administrativo; e por último a nomeação de funcionários médicos por parte do governo para ter responsabilidade por um local ou região, segundo o Foucault, é nesse momento que o médico também aparece enquanto administrador de saúde. Para ele, a medicina aqui não está interessada no corpo que trabalha, mas sim no corpo estatal. Não está em jogo a força de trabalho, mas sim “[...] a força do Estado em seus conflitos, econômicos, certamente, mas igualmente políticos, com seus vizinhos.” (p.84).
A segunda forma de medicina social tratada por Foucault é a medicina urbana, que tem seu exemplo maior na França do século XVIII. Para o teórico, a medicina social francesa não tem apoio no Estado, como no caso alemão, mas sim no processo de urbanização. Na segunda metade do século XVII começa um projeto de unificação das cidades francesas, devido a necessidade de um corpo urbano unificado e homogêneo por razões econômicas e políticas, a primeira devido a unificação das relações comerciais pela cidade se tornar um importante local de mercado, já política devido ao crescimento do proletariado nas metrópoles francesas, causando a eclosão das contradições urbanas e o aumento das tensões políticas. A medicina urbana surge como um aperfeiçoamento do método medievo de quarentena, através da vigilância e hospitalização, que tinha como objetivo analisar os cemitérios, lugares muitas vezes fontes de doenças endêmicas e epidêmicas devido ao amontoamento dos corpos. Surge a partir do século XVIII o processo de individualização dos corpos enterrados, através dos caixões e sepulturas reservadas a família. Havia também o controle de circulação, principalmente do ar e da água devido à teoria miasmática, em que se acreditava que o ar influenciava diretamente os organismos, se conectando de diferentes formas a depender de sua temperatura. Outra questão essencial era a organização e distribuição de elementos essenciais para a vida comum. De que forma organizar para que a localização das fontes e dos esgotos não sejam as mesmas, para que os barcos-bombeadores que aspiravam água, não aspirassem as águas de dejetos, nem que os dejetos fossem jogados em locais que serviam de fonte de água para consumo. Segundo Foucault, a medicalização da cidade é de extrema importância no século XVIII, pois acarreta no contato da prática médica com as ciências da natureza, principalmente a química; contribui para a noção de salubridade como o estado das coisas e dos meios e a forma que isso afeta a saúde pública, por fim, para o autor a medicina urbana é principalmente a medicina das coisas, e não das pessoas, tratando de coisas como ar e água, bem como as condições de vida e o meio de existência.
A terceira e última etapa da medicina social elencada por Foucault é a medicina da força de trabalho, em que ele utiliza como modelo a Inglaterra na segunda metade do século XIX e início do XX. De acordo com o francês, os pobres não foram problematizados enquanto risco a saúde no século XVIII por uma série de motivos. O primeiro deles é que não havia um processo de amontoamento nas cidades como se dá no século subsequente, porém a segunda razão elencada por Foucault é ainda mais relevante: o pobre cumpria uma função social dentro da lógica econômica-social urbana, ou seja, sua existência era fundamental para a manutenção e funcionamento das cidades, assegurando várias funções fundamentais.
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