Resenha Roger Chartier - Do palco à pagina
Por: Jean Marco de Medeiros Miranda • 1/10/2018 • Resenha • 896 Palavras (4 Páginas) • 598 Visualizações
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História – Teoria da História II
CHARTIER, Roger. Do palco à página: publicar teatro e ler romances na época moderna (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2002.
Ler e escrever enquanto práticas sociais
A obra “Do palco à página: publicar teatro e ler romances na época moderna (séculos XVI-XVIII)”, de Roger Chartier, enquadra-se em uma discussão proposta pelo autor na maioria de seus trabalhos, que diz respeito ao modo pelo qual se deve pensar a literatura na escrita da história.
Roger Chartier é um historiador francês, nascido em Lyon, no ano de 1945, filho de operários; Formado pela Escola Normal Superior de Saint Cloud, e pela universidade de Sorbonne, atualmente é membro do Centro de Estudos Europeus da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Dedicou sua carreira acadêmica à história cultural, e tem como principal linha de pesquisa a história da leitura; Chartier rompe com uma visão tradicional acerca das obras literárias, ao pensar os aspectos sociais que constituem o processo de escrita, leitura e recepção das obras em determinado contexto histórico. Neste sentido, o autor possui entre suas principais obras “A história cultural entre práticas e representações”, “O mundo como representação”, entre outros trabalhos constantemente referenciados pela historiografia atual.
A partir de tal noção, pode-se trazer que “Do palco à página: publicar teatro e ler romances na época moderna (séculos XVI-XVIII)” trata-se de um compilado de ensaios escritos por Chartier que tem como principal objetivo (conforme traz o autor, logo no início da obra) relacionar o estudo dos textos literários com suas formas materiais, suas condições de circulação e recepção do público; Para Chartier, o texto produzido na época moderna não pode ser encarado enquanto elemento “fixo”, dotado de sentido único e produzido para um leitor solitário. No livro, Roger Chartier desconstrói (ao trazer exemplos bem claros) aspectos estudados pela história pela leitura que não levam em conta a presença das práticas sociais no processo de leitura e escrita.
Dentre os aspectos estudados por Chartier, pode-se salientar a forma como o autor pensa a figura do autor; Ao analisar o contexto de produção de obras literárias (principalmente ligadas ao teatro) na época moderna, o historiador francês traz que não é possível pensar o autor enquanto figura imaculada, que imprime de forma objetiva suas intenções nas obras de literatura estudadas pela História; Conforme coloca Chartier, os diferentes conceitos de direitos autorais empregados ao longo do tempo fazem com que o estudo das obras teatrais por parte da História tenha que levar em conta a verdadeira autoria de tais textos – muitas das obras utilizadas pela historiografia são, por exemplo, fruto de transcrições feitas por terceiros, que em contato com a peça teatral disseminam seu conteúdo através da escrita, sem o conhecimento do autor; Da mesma forma, o trabalho dos tipógrafos é apresentado por Chartier quando o historiador coloca que as funções exercidas por estes também transformam o sentido da representação literária: como as obras são, em sua maioria, destinadas à enunciação em espaços coletivos, o trabalho de pontuação realizado pelos tipógrafos ressignificam o trabalho inicial do autor.
Assim como faz com o autor, Chartier argumenta sobre as outras características do processo de escrita e leitura trazendo sempre a importância das práticas e lugares sociais no estudo da história da leitura; O trabalho dos tipógrafos, dos autores das obras, e o comportamento dos leitores na época moderna contribuem para uma “circulação fluida dos textos entre redação, representação, assistência, impressão e leitura”. (CHARTIER, 2002, p.91). Se existe uma circulação fluida, é justamente devido a esta fluidez que o estudo de história da leitura só se torna possível a partir do momento que se compreende a singularidade presente no processo de construção de sentido de cada obra; Ao mesmo tempo em que se deve levar em conta o lugar social e o contexto histórico que envolve os autores, tipógrafos e as condições materiais de circulação das obras, aparece ainda a figura do leitor enquanto peça fundamental na construção do sentido de cada obra literária.
Por fim, Chartier conclui trazendo sobre o romance, e argumenta sobre como a “Revolução da leitura” provocada pela popularização do gênero também precisa ser encarada através dos mesmos conceitos trabalhados anteriormente; Pode-se concluir, portanto, que a obra de Chartier representa um marco para a história da leitura, pois apesar de corroborar com a visão sobre a possibilidade de utilização dos mais variados tipos de fonte inaugurada pela primeira geração da Escola dos Annales, o autor reinventa as possibilidades metodológicas para o estudo da literatura e da história cultural ao inserir o debate sobre as práticas sociais relacionadas à literatura neste contexto. A proposta de Chartier é aplicável, portanto, não só para o estudo dos objetos colocados nos ensaios da obra em questão (o teatro, o romance, e seus desdobramentos na época moderna), mas também às mais recentes transformações sofridas pela leitura e pela escrita – encarar este processo de produção e recepção das obras literárias enquanto uma construção, constante, fluida e movida por diferentes energias sociais ao longo do tempo faz com que o autor possa ser utilizado como base para o estudo dos mais diversos e atuais objetos de estudo.
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