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A Crise De 1929 E O Brasil

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Por:   •  26/9/2014  •  2.273 Palavras (10 Páginas)  •  423 Visualizações

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Do café à industrialização

Como a crise de 1929 afetou o Brasil e favoreceu a adoção de um modelo econômico centrado na substituição de importações e na intervenção estatal

José Fucs – Revista Época, janeiro de 2009

Fazia quase dois anos que ocorrera o crash na Bolsa de Valores de Nova York, em outubro de 1929. Mas os estragos provocados pela crise ainda eram sentidos em todo o planeta – e também no Brasil. Em junho de 1931, uma nuvem de fumaça gigantesca, que vinha de uma enorme fogueira, pairava sobre a cidade de Santos, no Litoral de São Paulo, por onde escoava boa parte das exportações do café brasileiro. Acesa durante as festas juninas, a fogueira duraria até o fim do ano – mas tinha pouco a ver com a comemoração de São João. Ela fora iniciada para queimar os estoques de café, então responsável por 70% das exportações brasileiras, que se acumularam com a retração do mercado externo. Enquanto o fogo durou, consumiu milhões de sacas. O aroma do café torrado era tão forte que ultrapassava as fronteiras municipais. Era contido apenas pelas encostas da Serra do Mar, que se estende pela costa paulista. O café era queimado a mando do governo de Getúlio Vargas para tentar reduzir o impacto negativo da crise no Brasil, então responsável por 60% das vendas mundiais do produto. Vargas assumira o poder um ano antes, por meio de um movimento militar que se tornou conhecido como Revolução de 1930. A economia balançava. As exportações, que atingiram US$ 445 milhões em 1929, caíram para US$ 180 milhões em 1930. Segundo a Bolsa de Café de Santos, a cotação da saca no mercado internacional – 200 mil-réis em agosto de 1929 – caíra quase 90%, para 21 mil-réis, em janeiro de 1930. Nas fazendas cafeicultoras, concentradas no interior paulista e no Paraná, muitos resolveram seguir o mesmo caminho e queimaram o café colhido.

Todos os elos envolvidos na cadeia de produção do café brasileiro – fazendeiros,comerciantes, banqueiros e trabalhadores rurais (a maior parte imigrantes) – foram atingidos pela crise. Muitos produtores foram à bancarrota. O desemprego no campo se multiplicou, estimulando um movimento migratório para as cidades, em especial para São Paulo. Como se veria depois, o que acontecia naquele momento era apenas o início de um profundo processo de mudanças que se prolongaria até o fim dos anos 30, às vésperas da Segunda Guerra Mundial. Essas transformações marcariam para sempre a economia nacional e internacional. Dos escombros da economia do café, surgiria um novo modelo econômico, que se manteria praticamente o mesmo até quase os dias de hoje. Em 2009, o crash de 29 completará 80 anos coincidentemente, no momento em que parece haver uma crise global de proporções comparáveis, com desaceleração na atividade econômica e alta no desemprego. Embora os contextos das duas crises sejam bem diferentes, a história da crise de 29, em particular seus desdobramentos no Brasil, pode trazer lições preciosas sobre as medidas que ainda fazem sentido – e as que não fazem – para reduzir o impacto do encolhimento global no país.

Naquela época, o Brasil passou por um grave problema cambial. De acordo com o historiador Caio Prado Júnior (1907-1990), autor de História econômica do Brasil, publicado pela primeira vez em 1945, a queda nas exportações, provocada pela crise, gerou um desequilíbrio na balança comercial brasileira. Sem uma indústria sólida, o Brasil exportava apenas café e outros produtos agrícolas, como algodão, cacau e borracha. Como não eram produtos essenciais para o consumidor – portanto, suas compras poderiam ser interrompidas a qualquer hora -, dizia-se que o país tinha uma “economia de sobremesa”. A moeda forte obtida com essas exportações servia para pagar as importações de boa parte dos produtos industrializados consumidos pelos brasileiros. O aprofundamento da crise, porém, provocou a redução da demanda externa e a queda dos preços internacionais do café. Com isso, o déficit comercial do país cresceu rapidamente.

A crise também causou a interrupção do fluxo regular de capital estrangeiro para o Brasil. O dinheiro externo alimentava a economia brasileira desde os tempos do Império, e seu ingresso se intensificara entre a Proclamação da República, em 1889, e a posse de Vargas, em 1930 – período da história conhecido como República Velha. A falta do dinheiro externo agravou ainda mais o déficit cambial brasileiro. A moeda nacional se desvalorizava rapidamente. O valor da libra esterlina, então a moeda mais usada no mundo, passou de 40 mil-réis, em 1929, para quase 60 mil-réis, em 1934. Com as exportações em queda e sem financiamento externo, o governo aumentou de forma brutal a emissão de moeda – e isso provocou alta da inflação.

Para preservar as poucas reservas em moeda forte que o Brasil tinha em caixa, o governo Vargas impôs um rígido controle sobre o câmbio e passou a administrar com rigor as remessas de lucro por empresas estrangeiras. Faltava moeda forte para pagar as importações, essenciais ao atendimento da demanda interna e ao desenvolvimento do país. Houve uma acentuada queda na compra de produtos do exterior, também desestimulada pela desvalorização da moeda brasileira. As importações, que registraram uma média de 5,4 milhões de toneladas de 1926 a 1930, caíram para 3,8 milhões entre 1931 e 1935, segundo Prado Júnior. Na tentativa desesperada de compensar os cafeicultores, o governo Vargas aumentou as compras dos excedentes de café durante praticamente toda a década de 30, segundo afirma o brasilianista Thomas Skidmore, no clássico Brasil: de Getúlio a Castelo, lançado em 1975. Para Skidmore, mesmo com os esforços do governo e a adoção de uma política de “socialização dos prejuízos” dos cafeicultores, era impossível deter o declínio das receitas cambiais brasileiras. (Só recentemente, pela primeira vez na História, o país conseguiu superar o problema crônico de falta de divisas, com a explosão das exportações brasileiras e o acúmulo de US$ 200 bilhões em reservas cambiais.) Nem a queima dos excedentes de café foi suficiente para amenizar o problema. Skidmore afirma que, apesar da queda nas importações, o déficit nas contas externas se aprofundou ainda mais e obrigou o Brasil a suspender os pagamentos da dívida externa em 1938 e 1939. Tal medida voltaria a ser adotada em 1987, meio século depois, nos tempos do Plano Cruzado, implementado no governo do presidente José Sarney. Apesar do impacto que a crise de 29 teve na economia brasileira, muitos acadêmicos acreditam que não foi ela o fator fundamental para deflagrar o movimento armado que depôs o presidente Washington Luiz, em 1930.

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