A Ditadura Encurralada
Seminário: A Ditadura Encurralada. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: laissp • 4/2/2014 • Seminário • 1.562 Palavras (7 Páginas) • 173 Visualizações
No dia 15 de julho de 1975 o ex-presidente Juscelino Kubitschek
almoçava no restaurante da diretoria do Jornal do Brasil. Pediram-lhe
um prognóstico para a situação política, e ele respondeu: “A eleição do
ano passado soltou o monstro. Tudo dependerá dele. Ele influenciará
tudo. Ele está em todos os lugares”.
Para conferir a onipresença do “monstro”, curvou-se, olhando
embaixo da mesa, como se o procurasse.
Quem é o monstro?
“A opinião pública”, disse JK.1
O resultado da eleição de 1974 encurralou a ditadura. O MDB
vencera as disputas para senador em dezesseis dos 21 estados,
indicando que dentro de quatro anos conquistaria a maioria no Senado.
Um ano depois do almoço de JK no Jornal do Brasil, o “monstro” soltouse
no Rio de Janeiro e em Brasília. Cantando “Peixe vivo”, o povo voltou
à rua, enterrando o ex-presidente com afeto e lamento.
A ditadura militar estava economicamente robusta. Num regime
de pleno emprego, a economia crescia, na média, a taxas de quase 7%
ao ano. Também tinha prestígio internacional. Faltava só a Argentina
para que toda a América do Sul abaixo do Equador fosse governada por
generais. Em março de 1976 uma junta instalou-se na Casa Rosada, e
acabou-se a exceção
Entre as últimas semanas de 1974 e a jornada de 12 de outubro
de 1977, quando Ernesto Geisel demitiu o ministro do Exército, general
Sylvio Frota, a anarquia militar e o poder republicano do presidente
enfrentaram-se. Era o confronto que o regime evitava desde 1964. À
noite, quando Frota transmitiu o cargo ao seu sucessor, Fernando
Bethlem, a anarquia estava enquadrada. Coube ao general Ernesto
Geisel a defesa do poder constitucional. Logo ele, que participara das
desordens militares de 1922, 24, 30, 37, 45, 61, 64, 65, 68 e 69.2
De 12 de outubro de 1977 até o dia em que se escreveu esta
Explicação, passaram-se 26 anos. Nunca, na história da República, se
viveu tanto tempo sem desordem militar digna de registro. Quando o
general Ernesto Geisel morreu, em 1996, sabia a extensão desse legado.
Orgulhava-se dele, mas não gostava de discutir o assunto. Temia fazer
uma das coisas que mais detestava: falar bem de si próprio.
Este livro conta a história desses anos. Para escrevê-lo, tive a
ajuda decisiva de dois dos grandes personagens do período. Ernesto
Geisel e Golbery do Couto e Silva deram-me longas, sinceras e pacientes
entrevistas. Se deixei respostas sem perguntas, a culpa foi minha.
Golbery, chefe do Gabinete Civil e principal articulador político de
Geisel, cedeu-me também o arquivo pessoal dele. Eram 25 caixas que
estavam guardadas em sua garagem, num sítio de Luziânia, nas
cercanias de Brasília. Nelas há de tudo. Desde panfletos anônimos (de
autoria conhecida) até um telex do general Luiz Gonzaga de Andrada
Serpa, de janeiro de 1976, dissociando-se, como comandante da 7ª
Região Militar, de uma articulação de solidariedade para com a
criminalidade do DOI-CODI paulista. Se Golbery não tivesse guardado
uma cópia desse telex, a mais corajosa manifestação de um general em
função de comando contra a anarquia delituosa dos DOIS dormiria entre
os papéis da burocracia militar.
Esse arquivo sobreviveu graças a Heitor Ferreira e seu sentido de
preservação da história. Heitor foi assistente de Golbery de 1964 a 1967
no Serviço Nacional de Informações e secretário particular de Geisel de
1972 a 1979, na Petrobrás e na Presidência da República. Em 1964,
aos 28 anos, Heitor caiu no centro de poder de uma ditadura. Manteve
um diário que, na forma de um livro como este, teria 1500 páginas. É o
melhor retrato do poder já feito no Brasil, e não custa desejar que um
dia venha a ser publicado. Heitor deu-me cópias do manuscrito e
transcrições do período que vai de 1964 a 1976. Daí em diante,
forneceu-me excertos e, em alguns casos, vista do texto. Colaborador
decisivo na pesquisa, tornou-se um leitor distanciado. Nunca discutiu
uma opinião ou análise. Limitou-se a corrigir o que julgou
vocabularmente incorreto (na versão que lhe enviei, bagual significava
“cafajeste”) ou factualmente incompleto (nessa mesma versão, em 1977
Geisel jogou-lhe o telefone porque fizera uma piada). Acima disso tudo,
Heitor Ferreira deu-me trinta anos de amizade.
Tive também a amizade e a ajuda de Humberto Barreto, o fiel
amigo de Geisel, seu secretário de Imprensa entre 1974 e 1977.
Humberto foi um personagem discreto e
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