O Negro no Imaginário das Elites Século XIX
Por: Eduardo Dianna • 3/1/2019 • Pesquisas Acadêmicas • 5.013 Palavras (21 Páginas) • 185 Visualizações
AZEVEDO, Celia Maria Marinho. Onda Negra Medo Branco - O Negro no Imaginário das Elites Século XIX. São Paulo: 3ª Ed. Annablume, 2004.
INTRODUÇÃO
Na introdução da obra, Azevedo apresenta a história de tia Josefa e Manoel Congo, publicada no jornal Correio Paulistano, em 26 de julho de 1888. Destaca-se que havia se passado dois meses após a decretação da abolição, relacionando que no cotidiano nada mudou, compreendendo a história como uma estratégia de higienização do espaço urbano, sendo de um lado o combate ao curandeirismo, e de outro o deslocamento dos negros das áreas centrais da cidade de São Paulo. Esta história é aparentemente ficcional, pois houve uma série de brancos ou “esfolados” (termo para satirizar mulatos que pretendiam se passar por branco, de autoria de Luiz Gama), que realmente temeram acabar sendo tragados pelos negros “mal nascidos” e “mal pensantes”, tal como os pastéis de tia Josefa. Relativo a isso, a autora concretiza que é do medo que se tratará este estudo por ela analisado, relativo à instituição do mercado livre em substituição ao escravo no Brasil do século XIX.
É observado que até meados da década de 1880, temos como enfoque a escravidão, o negro e sua rebeldia, o movimento abolicionista e as tentativas imigrantistas, o chamado momento de transição para o estabelecimento pleno do trabalho livre. Nesse sentido, é a partir da intensa entrada forçada de africanos no Brasil, número esse que o historiador Marco Morel define em 1,5 milhões só no século XIX, e da revolução haitiana nos fins do século XVIII e início do XIX, entre outras formas, que podemos começar a compreender de onde advinha esse “medo branco” que a autora destaca em sua obra.
CAPÍTULO I: Em busca de um povo.
Incialmente a autora apresenta uma problemática: O que fazer com o negro após a ruptura da polaridade senhor-escravo, presente em todas as dimensões da sociedade? A autora remonta que mesmo os negros que viviam em liberdade (constituindo maior número, ultrapassando os cativos, no século XIX), estavam sujeitos a muitas restrições legais e, também, impregnados nos costumes de uma diminuta elite branca.
O alvorecer do século XIX trouxe alguns acontecimentos, à qual a autora destaca dois momentos, que influíram no modo de vida escravista: o movimento emancipacionista, e o medo suscitado pela revolução em São Domingos, em fins do século XVIII. O movimento emancipacionista tomava vulto nas ruas miseráveis e até no parlamento da Inglaterra (destacamos a proibição do tráfico transatlântico); o medo do haitianismo como catalisador neste contexto, pois havia o medo de que aqui ocorresse uma revolta em nível do Haiti, pois ocorriam diversas revoltas e a persistência um dia poderia ter sucesso.
No entanto, para se ultrapassar a heterogenia (minoria branca proprietária, e uma maioria não branca, pobre e não proprietária) uma das soluções encontradas foi à ânsia de se instituir uma nacionalidade. Em primeiro momento, os emancipacionistas se voltam para os habitantes do país no intuito de arrancá-los de suas vidas vistas como abjetas. Depois, em um segundo momento (a partir de 1850), aderem-se as soluções imigrantistas, buscando no exterior o povo ideal para “purificar a raça brasílica” e engendrar a identidade nacional.
A autora apresenta um paulista, formado em Direito que ofereceu uma “memória” a D. João VI, chamando a atenção na necessidade de se formar no Brasil uma população homogênea e integrada num todo social. Antonio Vellozo de Oliveira acredita na sociedade positiva, que injetasse a positividade do trabalho nas pessoas, e critica a sociedade negativa, que se caracteriza como uma massa de nacionais livres alijados da propriedade da terra; milhares de índios dispersos pelas matas e, os negros que se rebelavam no trabalho e viviam pouco.
Este mesmo autor apresenta um plano minucioso para o aproveitamento dos trabalhadores disponíveis, pretendo a concessão de terras a nacionais e europeus pobres; a libertação do ventre, porém prestando serviços até os vinte e um anos; e a necessidade de catequização dos indígenas.
É apresentada a obra de João Severiano Maciel da Costa, um mineiro que governou a Guiana Francesa de 1809 a 1819, sendo questionador do tráfico como também do próprio sistema escravista, à qual o negro seria um inimigo pela sua condição de escravo, mas também devido a sua natureza “bárbara” africana.
Há outro reformador, chamado Frederico Leopoldo Cezar Bulamarque que defende a devolução dos negros à África, e ressalta a diferença biológica (relatando que há uma conformação cerebral no negro que os tornasse estúpidos e o mais vizinho do mais bruto animal), justificando a inferioridade racial, assim como a ciência pontuava no século XIX.
Nestes textos dos reformadores, Azevedo conclui a utilização de expressões, como assimilação, homogeneização e incorporação. Para muitos reformadores tratava-se de tornar ocupados aqueles vistos em uma visão pejorativa de “desocupados”, para que assim se erradicasse a vagabundagem. Trata-se também de incorporar a população pobre no modo de vida da elite dominante.
O ócio era visto por outros reformadores como um antigo vício da humanidade, enquanto para outros o mesmo deveria ser compreendido à luz da estrutura fundiária brasileira.
Havia a ideia de que era necessário coagir ex-escravos e pobres livres ao trabalho e que seu cotidiano fosse mantido por um controle estatal, abrindo-lhes novas perspectivas de vida, incentivando novas necessidades de consumo e prazer. Esta perspectiva, porém, deveria restringir-se ao âmbito do trabalho constante e disciplinado.
A autora destaca uma ação moralizante dos escravizados, acerca do processo de libertação empreendida pelo padre Manoel Ribeiro Rocha, propondo um modo hábil, resumindo-se a um lento caminhar do africano rumo à liberdade, porém, sempre sob as rédeas curtas do branco.
Além dos ex-escravos, pobres nacionais e índios, como apresenta Azevedo, as mulheres mereceram lugar a ser incorporado no mercado de trabalho. Nísia Floresta Brasileira Augusta Faria, considerada uma das primeiras feministas do país, teceu críticas mediante a criação das meninas ricas como objetos de luxo tolos e inúteis e defende o aproveitamento das pobres no mercado de trabalho, demonstrando um esforço militante de destaque da mulher como ser social atuante e necessário equiparado ao homem em termos de produção.
Na segunda parte deste capítulo, a autora vai apontar que juntamente com o medo da crise, a preocupação diante dos rumos do país era frequente dentre as classes dominantes do século XIX. A carência de uma nacionalidade firmada exprimia a necessidade de uma “ética nacional” com a ideia de pátria e de sociedade brasileira. Entretanto, os problemas sócio-raciais pareciam um empecilho diante desse intento. Assim, surgem as propostas imigrantistas no início do oitocentos que visavam solucionar esta questão da nacionalidade pelo que a historiografia vai entender como a substituição do escravo negro e demais nacionais pelo imigrante europeu branco, engajado num processo de transição do sistema escravista pelo trabalho livre.
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