OLIVEIRA, C. A. B. De. Processo De Industrialização: Do Capitalismo Originário Ao Atrasado. São Paulo: Ed. UNESP; Campinas: Unicamp, 2003, Parte II.
Dissertações: OLIVEIRA, C. A. B. De. Processo De Industrialização: Do Capitalismo Originário Ao Atrasado. São Paulo: Ed. UNESP; Campinas: Unicamp, 2003, Parte II.. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: PallomaRocha • 16/11/2014 • 9.485 Palavras (38 Páginas) • 846 Visualizações
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O capitalismo originário
O capitalismo constituiu-se em sua plenitude e de forma pioneira na Inglaterra, capitalismo nacional ao qual denominaremos originário. Originário e caso singular, pois a Revolução Industrial, ao mesmo tempo que significou a implantação da produção fabril na Inglaterra, marcou, também, pela primeira vez na história, a plena constituição do próprio regime especificamente capitalista de produção. Discutiremos aqui as condições essenciais do processo de industrialização inglês, vale dizer, analisaremos as condições para que se processasse o último momento da constituição do capitalismo - a industrialização - num mundo ainda imerso no processo de acumulação primitiva.
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Formação do Estado nacional e capitalismo
No capitulo anterior, introduzimos a problemática das diferenças específicas na constituição dos diversos capitalismos nacionais, dando por suposta a existência dos Estados nacionais. Aqui impõe-se inicialmente a discussão da própria formação do Estado nacional como condição básica para o avanço do capitalismo [Nota 1]. As formas primitivas de capital (mercantil e usurária) que se desenvolviam na sociedade medieval tinham por hábitat a cidade [Nota 2], e alimentavam-se na expansão da produção artesanal urbana e na mercantilização da produção agrária circunvizinha e, nesse processo, foi sendo estabelecida a malha de circuitos mercantis locais e de longa distância, que abarcava a Europa e estendia-se também por outros continentes.
A base política e mesmo militar para o florescimento do comércio e da usura foi dada, portanto, em seu início, pelo governo municipal. A mercantilização da economia e o processo de acumulação iam diferenciando a sociedade urbana, dando origem a um patriciado, saído das camadas enriquecidas da burguesia mercantil e usurária, que passa a dominar o poder municipal. Assim, o governo municipal pôde implementar uma política econômica que potenciava a acumulação de capital [Nota 3] e mesmo organizar o poder militar que garantia os interesses da burguesia nascente na expansão mercantil local e de longa distância. Entretanto, a cidade, como base de poder político e militar da burguesia, foi se tornando cada vez mais inadequada -ante as travas que iam se antepondo ao avanço do capitalismo. A expansão do comércio de longa distância, cujos circuitos eram sempre estabele-
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cidos e mantidos pelas armas, exigia recursos militares e financeiros cada vez mais incompatíveis com as disponibilidades do poder municipal. Por outro lado, o crescente poder das cidades ia encontrando forte oposição da aristocracia feudal, cujos privilégios entravavam a livre circulação de mercadorias; e, finalmente, artesãos e jornaleiros, cujos interesses eram ameaçados pelo pro¬cesso de acumulação de capitais e pela política municipal dominada pelo patriciado, reagem e as revoltas populares manifestam¬se nas principais cidades da Europa a partir do século XIV.
Na verdade, a expansão do capital comercial baseada na organização política municipal ia encontrando seus limites, e as dificuldades e turbulências da vida urbana eram expressão e elemento de uma ruptura social mais profunda, a crise geral do modo de produção feudal dos séculos XIV e XV, crise que é marcada por agudas lutas sociais das quais participam a nobreza, o campesinato, o clero, a realeza, a burguesia nascente e o artesanato urbano. Não caberia aqui discutir as cambiantes e complexas alianças entre esses estamentos e classes de uma sociedade em transição, mas simplesmente apontar que o encaminhamento político dessa profunda crise é dado pela formação dos Estados nacionais marcados pelo absolutismo, os quais centralizam o poder, rompendo com os particularismos feudais [Nota 4].
A ação da burguesia mercantil e usurária tem um papel marcante nas transformações progressivas da natureza social da economia que permitiram a centralização do poder. A circulação mercantil e a acumulação de capitais nas mãos de comerciantes
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e banqueiros cumprem papel fundamental na unificação territorial e na centralização do poder, pois são condições básicas para a implantação do sistema tributário e da dívida pública, o que, por sua vez, permite a formação da burocracia civil e militar, suportes do Estado absolutista [Nota 5]. A superação do localismo urbano e dos particularismos feudais mediante a formação dos Estados nacionais entrega à burguesia nascente uma nova base, a nação, permitindo ao capitalismo vencer o mesquinho horizonte municipal, e tornando-se agora um capital nacional. Os interesses da burguesia e do rei tendiam à convergência, ainda que de forma contraditória, pois a expansão mercantil é base tanto para a valorização do capital como para a exação fiscal e para o incremento da dívida pública. A centralização do poder político nas mãos do rei, por sua vez, poderia servir de ponto de apoio político e militar para a expansão dos circuitos mercantis dentro e fora das fronteiras nacionais.
Como vimos na primeira parte deste trabalho, o crescimento da produção mercantil no período manufatureiro é lento, dadas as bases técnicas vigentes, o que limita a valorização do capital comercial e usurário. Nessas condições, a expansão da mercantilização que alimenta a valorização do capital de cada cidade ou nação poderia ser realizada de duas formas: pela criação de novos circuitos mercantis ou pela captura de circuitos já estabelecidos e dominados por outros capitais. Ante essas alternativas, erguem-se poderosas barreiras: da sociedade que resiste à ação dissolvente do comércio, ou das nações e cidades que controlam circuitos já estabelecidos. Diante dessas resistências,
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a burguesia nascente deve buscar apoio político, já que a valorização do capital não estava garantida pelos meros mecanismos econômicos. Em outras palavras, a luta do capital comercial pela mercantilização da economia e a concorrência com outros capitais não se dão no âmbito puramente econômico, pois transformam-se em disputas políticas e militares, e daí a necessidade de apoios externos, representados, num primeiro momento, pelo poder municipal e, posteriormente, pelo Estado absolutista.
Entretanto, com a formação dos Estados nacionais, a burguesia mercantil ganha base política, militar e econômica
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