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Pode o Índio Ser Moderno?

Por:   •  6/12/2019  •  Resenha  •  1.420 Palavras (6 Páginas)  •  442 Visualizações

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As Quatro Partes do Mundo – História de Uma Mundialização – de Serge Grunzisky

Capítulo 1º - Ventos do Leste, Ventos do Oeste – Um Índio Pode Ser Moderno?

O autor Serge Grunzisky inaugura a sua majestosa Obra “As Quatro Partes do Mundo – História de Uma Mundialização”, com a indagação conflitosa, Um Índio Pode Ser Moderno? Ao longo de sua tese o autor desenvolve a todo o momento uma escrita que direciona o leitor ao diálogo com indagações que conduzirão a pergunta central do capítulo, partindo como ponto principal a repercussão, no México, de notícias da morte do rei da frança Henrique IV pela pena de um cronista indígena na língua dos Astecas – Domingo Francisco de San Antón Muñón Chimalpahin Cuauhtlehuanitzin, um nobre chalca “que teve o trabalho de consignar o acontecimento em seu Diário na data de 8 de setembro de 1610.” (p.27)

O cronista indígena Chimalpahin nascido em 1579, no vale da cidade do México, pertencia a pequena nobreza da província, chegou a capital da nova Espanha muito cedo, recebendo uma educação de qualidade provavelmente junto aos aos clérigos franciscanos, Chimalpahin não pertencia a aristocracia mexicana, nem muito menos ao meio dos notáveis indígenas, por ter um gosto imoderado pela escrita faz um grandioso trabalho de cronista em sua época, era um escritor mestiço, que através do seu espírito e sua escrita, “misturava tradições, ideias e palavras que vem pelo menos de dois universos: a sociedade ameríndia e a Europa Ocidental” (p.39) , não apenas limitando-se a esses dois mundos, e por vezes utilizando-se de termos de outras culturas e tradições, Chimalpahin escreve basicamente sobre tudo “sem negligenciar nada o que diverte ou apavora as multidões da capital mexicana, como: mexerico locais, festas, alegres entradas, tremores de terras, inundações, eclipses, até tempestades de neves sobre os grandes vulcões que dominam o vale”.(p.39)

Copila todo tipo de informações que há no México, sem desprezar nenhum tipo de fonte, livros, manuscritos, conversas, rumores, é vasta as suas referências, indo de testemunhos oriundos de fontes indígenas, aos referencias clássicos como: Platão, Diógenes, Laércio, Sófocles, Lactance, Santo Agostinho...que segundo o Grunzisky ele usa com a mesma maestria e segurança dos “seus colegas europeus, mestiços ou crioulos” (p.38), a própria escolha de uma de suas fontes favorita “Repertório de Los Tiempos (1606) – um tratado de astronomia que oferecia grande quantidade de dados sobre a História e Geografia universais”(p.38-39), revela o quão diverso era o nosso cronista indígena Chimalpahin, que utiliza-se desta amálgama de informações, culturas e tradições, sem abandonar a sua dimensão cultural, mas consegue estabelecer fios condutores que nos fazem entender se o índio pode ou não ser moderno.

É a partir desta indagação que o autor inicia a sua tese, “Pode o Índio Ser Moderno?” utilizando-se do relato do cronista Indígena Chimalpahin, Grunzisky estabelece o diálogo que nos levará a entender o fio condutor do capítulo, a pergunta central é, “por que um cronista local, a priori fechado em sua língua e em seu universo indígenas, teria experimentado a necessidade de consignar...” (p.32) o drama da morte do Rei da França Henrique IV? Qualquer tentativa de inferência que venha afirmar, que tal fato foi por pura curiosidade pessoal, seria simples demais pela dimensão e riqueza de detalhes dos fatos consignados, o próprio Serge Grunzisky deixa claro no texto que o diário de Chimalpahin é parte emblemática de uma outra “modernidade”, não a modernidade tradicional, pensada dentro dos seus viés teóricos e cronológicos, mas uma “modernidade” que representa um estado de espírito, totalmente diferente do pensado e estudado eventualmente, “tal modernidade faria aflorar um estado de espírito, uma sensibilidade, um saber sobre o mundo nascidos da confrontação de uma dominação de visão planetária com outras sociedades e outras civilizações” (p.32). É uma ressonância mais particular do que puramente coletiva, é se reconhecer enquanto moderno a partir de uma concepção individual que vai além de teorias e saberes, a pena do memorialista em destaque não limita-se ao México ou a sua comunidade local, pelo contrário, em seus escritos ele faz referência não apenas a França, mas ao Japão e a China também, e, o que mais impressiona, com riquezas e minúcias de detalhes, mesmo estando em outro continente e como mesmo diz o autor “a priori fechado em sua língua e em seu universo indígenas” (p.32). É justamente o que fascina ao ler este capítulo da obra de Grunzisky, perceber que ser moderno transpõem todas as concepções que até então tinha sido posta pelo debate historiográfico, para compreender por que o índio chalca Domingo Chimalpahin interessa-se pelo Japão dos Tokugawa, pela China e pela França de Henrique IV, e responder a pergunta da tese do autor, é preciso, pois, reaprender transpor os oceanos e continentes, sem sair do seu “lugar”, e, isso é o que intriga no caso do nosso cronista estudado, o fato de ele ter contato com outras culturas, outros saberes, outras formas de pensar, não perdendo o sentimento de pertencimento, e esta noção de pertencimento é tão marcante, que em dados momentos que o índio Chimalpahin “evoca costumes indígenas, como o calendário ou as crenças ligadas aos eclipses, ele reporta sempre aos “antigos”,” (p.32), isso reforça a  sua posição enquanto “moderno”, de lidar com todo esse mosaico cultural sem perder a sua identidade, sem deixar de lado as expectativas do meio que viveu, é um homem da cidade, e, igualmente muito ligado a sua região de origem, “o sul do vale da cidade do México, por muito tempo dominada pelo senhorio indígena de onde veio, Chalco-Amecameca”, (p.40), e nada disso o impede de com sua pena ir muito mais além, preocupando-se em inscrever uma história de seu senhorio e do México em uma história universal e divina, é um homem com espírito sensível ao mundo do seu tempo, que não limita-se, mas consegue captar tudo o que lhe interessa, seja em seu continente, sua região, cidade, ou além mar, e tudo isso não faz dele menos indígena, ou mais indígena, apenas corrobora a sua posição como moderno, pode o índio ser moderno? É esta a pergunta intrigante do autor Serge Grunzinsky, Chimalpahin é um índio moderno justamente pela capacidade de estar entre dois mundos, ou mais, entre duas culturas ou mais, opostas, e mesmo assim não perder a sua noção de pertencimento, a sua identidade cultural, provando que longe de ser apenas uma nomenclatura usual dos círculos acadêmicos, “ser moderno” é quebrar barreiras, transpor mares, transpassar continentes, reaprender, abalizar um estado de espirito e uma sensibilidade individual que te faz moderno enquanto persona.

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