Sylvio Frota
Artigos Científicos: Sylvio Frota. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: feer_souza20 • 15/3/2014 • 7.783 Palavras (32 Páginas) • 311 Visualizações
36º Encontro Nacional da ANPOCS
Águas de Lindóia (MG) – 22 a 25/10/2012
GT 14 - Forças Armadas, Estado e Sociedade
Os “Ideais Traídos” do general Sylvio Frota:
as concepções políticas da “linha-dura” militar
Carlos S. Arturi
Professor Associado do Departamento de Ciência Política da UFRGS
Docente dos PPGs em Ciência Política e em Relações Internacionais da UFRGS
Doutor pelo Institut d’Etudes Politiques de Paris (SciencesPo)
Bolsista Produtividade nível 2 do CNPq
carlos.arturi@ufrgs.br
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O trabalho analisará as concepções políticas da corrente militar denominada “linha dura”, durante o regime autoritário (1964-1985).1 Metodologicamente, o estudo da visão política de um ator implica privilegiar na análise o processo de socialização dos membros deste grupo e suas interações com os outros, em detrimento de fatores estruturais e/ou dos atributos ligados à origem social dos indivíduos. No caso dos militares, importa menos sua origem de classe do que a socialização deles em uma instituição quase total (CASTRO, 1995, 24). O trabalho busca, portanto, a “compreensão do processo pelo qual os atores políticos e sociais estruturam suas crenças e representações a respeito da política (...) e seu impacto no processo de democratização” (BAQUERO, 2011).
A premissa central do estudo é a de que as possibilidades de consolidação e aprofundamento do regime democrático atual dependem, entre outros fatores, da construção de uma ordem institucional onde a intervenção dos militares em assuntos políticos não seja plausível, nem desejada por nenhum ator relevante. Em relação às forças armadas, esta exigência traduz-se justamente na superação da visão de mundo e na cultura política2 esposada pela sua corrente “linha dura”, caracterizada historicamente por seu forte ativismo e autoritarismo político.
A metodologia utilizada neste estudo adota um enfoque qualitativo, baseado na influência de um personagem histórico importante, e não em surveys. Com efeito, o livro de memórias do General Sylvio Frota, ex-ministro do Exército da presidência Ernesto Geisel (1974-78), demitido em outubro de 1977, intitulado “Ideais Traídos”3, é uma obra cujo exame nos permite considerar seu autor como um representante exemplar de uma geração de militares conservadores formada nos anos 1920 e 1930. Este grupo se destacaria pelo ativismo anticomunista e por tentativas frequentes de intervenções na vida
1 Este trabalho foi publicado como capítulo do livro Cultura(s) Política(s) e democracia no Século XXI na América Latina (BAQUERO, 2011), sob o título A Cultura Política da Linha-Dura Militar: os “Ideais Traídos” do General Sylvio Frota (pp. 241-262).
2 Adota-se aqui a definição de cultura de Geertz (1989), retirada do livro “Os Militares e a República”, de Celso Castro: “estruturas de significado através das quais os homens dão forma à sua experiência” (CASTRO, 1995, 10).
3 FROTA, Sylvio. Ideais Traídos. Rio, Jorge Zahar Ed., 2006.
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política do país, que culminaram no golpe militar de 31 de março de 1964, após as tentativas frustradas de 1954 e 1961.
A abordagem escolhida está confortada por um precedente ilustre, lembrado por Celso Castro, ao referir-se à reconstituição da visão de mundo e dos objetivos de Benjamin Constant, feita por vários autores, de maneira quase que exclusiva, a partir de uma só biografia, a escrita por Teixeira Mendes (CASTRO, 1995, 14). O trabalho de Consuelo Cruz, que analisa como o discurso dos Caudilhos no período pós-colonial ajudou a formar culturas políticas diferentes na Costa Rica e Nicarágua4, ajuda-nos igualmente a compreender como a visão de mundo e a ação política do general Frota, em meados dos anos 1970, traduzia e reconstruía incessantemente a cultura política da “linha dura” na época.
O livro Ideais Traídos possui uma particularidade valiosíssima para a pesquisa histórica, pois foi escrito entre os anos de 1978 e 1981, logo após a exoneração do general Frota do ministério pelo presidente Geisel, e ficou inédita até 2006, por vontade de seu autor, que desejava sua publicação póstuma (Sylvio Frota faleceu em 1996). Ora, o resultado é um livro escrito rente à conjuntura, a quente, sem a racionalização retrospectiva e finalista das tentativas de reconstrução do passado, comum aos livros escritos muitos anos depois dos acontecimentos narrados (LINZ & STEPAN, 1995). Ademais, como o autor queria que a publicação fosse póstuma, o livro não foi escrito para influenciar a vida política de sua época, o que concede maior veracidade e recuo a suas posições (a dedicatória do livro é “à História”).
Os atores políticos agem, na realidade, quase sempre imersos na incerteza sobre o contexto de suas ações e sobre o efeito e reações que elas produzirão em outros atores, sobretudo nos processos de transição onde não podem contar com as referências políticas habituais e estáveis. O analista político deve, portanto, procurar compreender a avaliação, as escolhas e a ação dos atores como eles a viveram no momento de sua realização, o que evita o erro comum de reificar os processo políticos, isto é, considerar o Estado, as
4 CRUZ, Consuelo. Political Culture and Institutional Development in Costa Rica and Nicarágua. World Making in the Tropics. New York, Cambridge Univesity Press, 2005.
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forças armadas, as classes sociais e os outros atores "como um só homem", na determinação de seus interesses e na sua atuação política. As memórias do general Sylvio Frota se prestam sobremaneira a este exercício compreensivo, dada a proximidade temporal entre os fatos evocados por Frota e seu registro por ele.
A obra, a despeito do estilo um tanto vetusto, é bem escrita, seu autor demonstra sólida cultura geral, e comporta mais de seiscentas páginas, com vários anexos, alguns deles compostos por documentos classificados como “secreto” ou “confidencial”; possui, ainda, um bom acervo iconográfico, e foi escrita originalmente à mão, em pouco mais de dois anos. É igualmente importante salientar que, quando o autor escreve suas memórias, ainda não estava finda a luta entre os “castelistas” do regime, representados
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