A ARGUMENTAÇÃO IMPLICADA NO DISCURSO DE JOSÉ SÓCRATES À COMUNICAÇÃO SOCIAL NO “OUTONO QUENTE” DE 2014
Por: Marina da Costa • 26/6/2015 • Trabalho acadêmico • 5.126 Palavras (21 Páginas) • 394 Visualizações
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FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DO PORTO
LARISSA BUSINARI COSTARELLI MARINA NOGUES DA COSTA
A ARGUMENTAÇÃO IMPLICADA NO DISCURSO DE JOSÉ SÓCRATES À COMUNICAÇÃO SOCIAL NO “OUTONO QUENTE” DE 2014
Unidade Curricular: Análise do Discurso
Docente: Maria Alexandra de Araújo Guedes Pinto
PORTO (PORTUGAL) MAIO/2015
RESUMO
Este trabalho apresenta uma análise da argumentação no discurso proferido por José Sócrates, ex- primeiro ministro de Portugal, através de suas duas primeiras cartas que o mesmo dirigiu à imprensa após sua detenção em novembro de 2014. Pretende-se, com essa breve análise, ressaltar e evidenciar as estratégias argumentativas utilizadas nos textos, no sentido de mostrar a sua orientação persuasiva perante o Tu e o Real, através da construção do ethos nos atos de fala realizados ao longo de todo o texto, ressaltando os indicadores bem como os movimentos argumentativos operados pelo político nos campos sintático, semântico e pragmático.
INTRODUÇÃO
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa nasceu em Porto e possui uma vida política abrangente. Foi secretário-geral do Partido Socialista de setembro de 2004 a julho de 2011 e Primeiro-ministro de Portugal de 12 de março de
2005 a 21 de junho de 2011. Também foi secretário de estado-adjunto do Ministério do Ambiente e Ministro Do Ambiente e do Ordenamento do Território no governo de António Guterres, e um dos organizadores do campeonato futebolístico UEFA no ano de 2004, sediado em Portugal.
Desde que assumiu o mandato de primeiro-ministro em 2005, José Sócrates foi alvo de diversas denúncias. Sem dúvida, o episódio que trouxe a lume a face corrupta de Sócrates foi sua prisão em 21 novembro de 2014 sob a acusação de fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção. O caso onde após o interrogatório judicial foi decretada a prisão preventiva do político é o primeiro registrado em Portugal e desencadeou uma porção de especulações e discursos acerca da prisão de uma das figuras que ocupava um dos maiores cargos políticos do país.
Um dos principais veículos de disseminação da informação sobre o processo desde a detenção até a prisão preventiva do ex-primeiro ministro foi a mídia, e foi através dessa mesma mídia, por meio de cartas endereçadas e direcionadas – a primeira ao jornal Público e ao TSF, em 26 de novembro de
2014; e a segunda em 4 de dezembro do mesmo ano ao Diário de Notícias – que Sócrates assume o posto de defensor de sua índole e caráter. O gênero discursivo escolhido apresenta características espontâneas e sem artifícios, funcionando como uma garantia de autenticidade dos sentimentos do arguido.
O modo de publicação mudou, de fato, a orientação argumentativa do gênero discursivo escolhido, a carta confiada ao espaço público segue uma orientação argumentativa a fim de contribuir numa construção de um ethos caracterizado como inocente e injustiçado.
A AÇÃO SOBRE O TU E SOBRE O REAL
O gênero epistolar trata da redação de cartas com base nos grandes modelos greco-latinos de autores como Horácio. Ovídio, Sêneca e, sobretudo, Cícero. O gênero se expandiu no período do Renascimento com o advento da imprensa jornalística e na literatura, além de constituir um gênero literário da epistolografia, surgiu como um estilo epistolar de redação sem a intenção de ser correspondência. Tendo essa definição geral do gênero, podemos afirmar que JS não o adotou por acaso. O gênero adotado para a escrita de suas primeiras cartas, carrega um processo criativo do ethos, uma vez que grandes presos políticos endereçaram cartas a imprensa ou amigos no período de reclusão. Com a adoção desse meio e com a construção feita por JS ao longo das cartas, o mesmo constrói uma cenografia singular. O gênero, que inicialmente apenas pretende ser um discurso epistolar, ganha outra face, ou seja, outra cenografia e passa a ser também um discurso político, indicando como o próprio ethos se coloca e quer ser tratado.
Para construir sua argumentação Sócrates apresenta nas cartas três pessoas do discurso: o EU – injustiçado – ou seja, o ethos contruído por ele, o ELES, representado pelo público/sociedade e um TU desenhado e apresentado no decorrer das duas cartas como os responsáveis por sua prisão preventiva, através de uma imagem construída como os reais criminosos, sendo eles a justiça e a mídia, em oposição ao ethos aqui colocado como injustiçado e inocente.
Nessa reconfiguração do REAL e do TU, como cita Maingueneau
em sua “Análise de Textos de Comunicação”:
“o texto escrito possui, mesmo quando o denega, um tom que dá autoridade ao que é dito. Esse tom permite ao leitor construir uma representação do corpo do enunciador (e não, evidentemente, do corpo do autor efetivo). A leitura faz, então, emergir uma instância subjetiva que desempenha o papel de fiador do que é dito.” (MAINGUENEAU,2004 ,p.98)
É justamente esse movimento de criar fiabilidade que faz JS, logo no início da primeira carta:
“Há cinco dias “fora do mundo”, tomo agora consciência de que, como é habitual, as imputações e as “circunstâncias” devidamente selecionadas contra mim pela acusação ocupam os jornais e televisões. Essas “fugas” de informação são crime. Contra a[pic 2]
Justiça, é certo; mas também contra mim.” (Carta 1 – Linhas 7 a 10)[pic 3]
No trecho supracitado, sabidamente Sócrates toma consciência que ele é o responsável por seus crimes, ele é o criminoso. Trata-se de uma asserção forte que é previamente atenuada através do substantivo “fugas”. Contudo, constrói pelo discurso um ethos indefeso e vitimizado perante ao público. Faz com maestria esse movimento de “apagar” o crime que cometeu, colocando em evidência o crime que estão cometendo contra ele:
“Por isso, será em legítima defesa que irei, conforme for entendendo, desmentir as falsidades lançadas sobre mim e responsabilizar os que as engendraram.” (Carta 1 – Linhas
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