ANÁLISE DO CONTO - MEU TIO O IAUARETÊ
Por: AliBBraga • 3/4/2015 • Trabalho acadêmico • 2.631 Palavras (11 Páginas) • 405 Visualizações
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE LETRAS
DISCIPLINA: Semiótica I
DOCENTE: Ana Lúcia Moraes
DISCENTE: Aline Priscilla de Albuquerque Braga
ANÁLISE DO CONTO “MEU TIO O IAUARETÊ”
NATAL – RN
Junho / 2012
Mais um causo do Iauaretê? Arre!
Uai, mecê tá percurando algo? Sim? Não? Fosse se perdê logo aqui na baixa da égua, homi! Se achegue cá... Eh... Casa minha essa é... Cê sabia? Não? Pode entrá... Mecê é amigo meu? É? Cê tá indo ou tá vindo? Nhem? Sou fazendeiro não... Axi[1]... Que tu trás no matulão, hein? Num sou ladrão não... Axi! Hum... Cachaça boa de mecê... Hum! Boa e gosto de primêra... Cê tem fumo também? ... Hum... Tem mais?... Cê é rico, bonito, todo alinhado... Axi... Eu não... Sou não... Pra modo de se acomodá, tem um jirau... Eu? Eu não... Gosto é de ficá agachado, aba[2]!
Curacé[3] já sumiu... Tempo depressa esse... Mecê vem de longe né? Eu sou é bicho do mato... Prosa do homi-onça mecê num ouviu não? Té dizem que saiu nas revista... Como é mesmo o nome?... Ah, Revista Senhor lá pelos ido de 1961 e foi um tal de João Guimarães Rosa que proseou na foia de papel... Ele mudou foi tudo da linguagem “certinha” que os escritô gosta de usá... O sabe-tudo que me contô disse que esse cabra deu valô à oralidade, ao nosso prosear sertanejo... Misturou com o dos índio e até com os das onça, o jaguanhenhém.
Esse moço, Guimarães Rosa? Ah, ouvi dizê que ele era lá das Minas Gerais... Axi! Não, conheci não, até morreu já... Sabia tanta da língua o homi e ainda era é doutô sabia? Axi! Doutô médico formado na cidade grande, mas o que ele gostava mesmo era escrevê... É! Gostava era de falá das coisa do meu sertão... Entendia gente como nois... Ô cabra bom!
A’pois, é um causo que ele escreveu e eu ouvi da boca de um forasteiro metido a saber das coisa toda, passou por aqui e contô esses negócio pra mim... Axi... Num sei se entendi muito bem pruque as vezes ele usava um palavreado diferente e tentava usá umas tal dumas teoria pra explicá a estória... Pois num é? Precisa não né... O homi que me contô? Tá vivo não... Morreu! Mas o causo era dum homi que dizia que era onça! Acredita não? Pois é! E dizia pra outro homi com quem ele tava conversando lá pela noitinha... Tinha, tinha sim outro cabra na conversa, mas só o homi-onça falava, era um negócio chamado diálogo monólogo, coisa assim... A fala do homi-onça era aos pedaço... Deixa eu usá as palavra que o moço falou, axi, era fragmentada, cheia de interjeição, onomatopeia, tupi – a língua dos índio – e as vezes parecia até com o rosnar da onça... Ele dizia que era onça né, então tinha fala de onça... Tô proseando com um homi agora... Mecê tem parente onça? Eu? Arre! Sei se sou onça não, viu, sou? Onça mata, onça gosta de matá tudo... Homi também... Homi é onça?
Mas vâmo pra diante... Eita já to é zonzo... Cachaça num é fraca não... Nhem? O homi diz que é onça, parente de onça e que foi contratado por um cabra endiêrado pra matá tudo que era onça do lugar... Como pode? Num sei, mas foi isso que me disseram... O homi-onça só se deu conta que bicho era parente e que num devia matá axihy[4] que se encantô por uma onça, como era mesmo a graça dela? Ah, Maria Maria. Lembro dela espichada bebendo água... Poranga[5] dos ói amarelo com pintinha preta... Ela falava com ele e as vezes comigo também... Falava o jaguanhenhém, jaguanhém... Era a fêmea mais jeitosa... A primeira onça que ele num matou...
Dispois que butô os zôio em Maria Maria parece que o onceiro ficou arrependido e deixou de matá... Nhem? Ahã-ahã... Fêmea, arre, é bicho danado mesmo, só ela pra modo de endireitá as ideia dum macho, dizem que o Macuncozo tinha também muita consideração pela sua mãe... Pudera, só Maria Maria e a mãe tinham demonstrado afeto por aquela criatura, gente ou bicho nem se sabe... Mas o onceiro dizia que num gostava de muié não, só gostava da onça Maria Maria. Até o pai ele rejeitava, ahã-ahã, hum-hum, mas não me alembro agora do motivo... Peraí um bocadinho que já já me volta à mente...
Mecê sabia que eu também desonçava o mundo? Eh... É sim! Assim como o Macuncozo me chamaram pra fazer esse moranquy sáua[6]. Num sabiam que era parente delas? Mas é assim mesmo, a vida tem dessas coisa quando não se é gente nem bicho, quando não se tem lugar e identidade no mundo, aceita-se tudo, foi isso que o moço que contô o causo me disse... E, sabe, só prestava pra isso mesmo, num sabia era fazê mais nada... Dá mais um tiquinho da marvada? Num tô falando coisa com coisa? Tô dizendo arisia? Tá maluco, abá, sóco[7]!
Uai, cê é polícia? Pra que esse revólver apregado no bucho? Bota isso ali no canto, ninguém vai bulir não... Quer não? Deita no jirau então... Axi! Tá bom, tá bom, digo mais nada não... Axi!
Quando me contaram também num creditei nessa prosa não... O outro moço nem abre a boca, só sabemos de tudo a partir do que o trigueiro fala e ele já tá cheio da cachaça, num é? Eu? Eu tô bebo não... Mas o silêncio do forasteiro, que escuta a prosa, é determinante para ela andá, vice? Eh... O que o onceiro vai contando tem a ver com as reações do viajante para o que ele já contô, tá entendendo esse negócio não? Mas bem, ouvi que se a fala do forasteiro não aparece, o onceiro é quem domina todo o prosear, pois num é que aquele caboclo cabra da peste que se sentia inferior e de fora... Eh... De que Meu Deus? Ah, nem sei esses nome pomposo, especiá que dão, mas é... De fora das coisa, pronto... Ele que se sentia por fora de tudo é quem manda agora, é quem fala tudo. Sabia que, assim como mecê, o escutador da prosa também tava armado? Era sim! Ele parecia autoridade né, tava mais forte, mas quem comandava a prosa nem tinha autoridade, era um infeliz que nem servia mais pra nada, nem onça tinha coragem de matá mais... Ouvi dizê também... Eh... Que nessa conversa uma tal de linguagem fica num tal primeiro plano... Como se a palavra fosse mais importante que os fato em si... Antigamente a palavra falada tinha um valor da gota num era? Se alembra?
Quer sabê mais? Calma apegáua[8], num se avexe não que minha cabeça é ruim de guardá muita coisa, mas alembro também que me disseram que essa estória tinha um bocado de coisa a vê com perda de identidade... Que diacho é isso? Eu num sei, mas... Deixa eu falá, cabra avexado... O moço me falô que o Macuncozo era todo misturado, mistura que dizem ter surgido com a tal da colonização... Eh... Filho duma índia com um homi branco... Era metade dos dois, mas nunca se acustumô ao modo de vida de nenhum e como a mãe dele tinha dito que ele era descendente de onça, ele passa a se identificá mais com os bicho. Daí é que vem o sentimento de culpa dele, nas palavra do homi metido a sabe-tudo que me contô a prosa, o onceiro desreipeitô seu totem ao matá as onça, por isso sentiu culpado e num matô mais, até se enrabichô por uma... Nhem? É, é isso mesmo! Cê sabe que até eu escutadô da estória não entendi se ele era mesmo onça ou gente, será que a gente tudo tem parentesco com onça? O cara contadô do causo também me disse que essa tal de “crise de identidade” do onceiro pode ser vista pela indecisão que ele tem, numas parte em que ele afirma e nega ao mesmo tempo aquilo que tá dizendo... Oxe! Tu num entendeu não? Eh... É assim: as vezes, ele vê o visitante como amigo dele, outras vezes tem vontade de matá ele; as vezes, ele gosta de gente, as vezes num gosta; as vezes diz que é onça, as vezes diz que é gente... Se esse bicho é doente das ideia? Eu num sei, mas mecê é meu amigo num é? Num diga que não, vice?
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