Análise de "As maõs dos pretos" de Bernardo Honwana
Por: MemeGuardato • 23/4/2019 • Trabalho acadêmico • 1.845 Palavras (8 Páginas) • 1.485 Visualizações
“AS MÃOS DOS PRETOS”, DE BERNARDO HONWANA
Luís Bernardo Honwana nasceu em 1942, na cidade de Lourenço Marques, atual Maputo, capital de Moçambique. Em 1964, Honwana, militante da FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique), foi preso por suas atividades anticolonialistas e permaneceu encarcerado por três anos. Neste mesmo ano publicou seu primeiro livro “Nós Matamos o Cão-Tinhoso” com o intuito de sugerir uma saída para uma nova consciência pan-africana não submissa, e transmitir a necessidade de reagir, denunciando: “sem ambiguidade as formas de dominação e de espoliação que o colonialismo assumiu, os abusos e as humilhações” (AFONSO 2004, p.142).
O conto “As Mãos dos Pretos” faz parte da coletânea recolhida na obra “Nós Matamos o Cão-Tinhoso”. Esta obra é considerada como uma das mais marcantes da literatura moçambicana por ser de singular importância na produção literária de resistência à colonização. Reflete também os desafios da descolonização e, em consequência, da afirmação de elementos que ajudem a construir a identidade africana mediante a perspectivação do universo africano, visto de dentro.
Reflexão sobre as consequências da colonização/descolonização
O livro “Nós Matámos o Cão-Tinhoso” surge em um período de grande desenvolvimento literário graças a autores como Honwana, os quais aderem à literatura de emancipação de várias formas: falam sobre a guerra de libertação, utilizam a escrita como instrumento político de propaganda, aprimoram as técnicas para publicar os livros de forma clandestina e para incitar as massas à luta coletiva sem fazer referência direta à situação moçambicana. Honwana é o fundador da narrativa moçambicana por promover uma experiência de renovação através da literatura de libertação e busca da nacionalidade. Para isso associa a noção de passado e de infância no conto “As Mãos dos Pretos”. A visão da criança desenha a exclusão social de modo atenuado, no sentido de que o menino, em sua ingenuidade, ainda não consegue compreender a injustiça do presente e os preconceitos que o negro sofre com sua condição colonial.
Presença da oralidade
A presença do passado é percebida também na oralidade no conto, característica comum neste tipo de produção literária. As respostas dos locutores à criança sugerem um tom de conversa e constroem uma série de imagens da história contada. O conto, assim como as narrativas orais, conta uma história que remete à ideia de memória individual que se transforma em memória coletiva, ou seja, uma memória de muitas vozes e tempos. Portanto, a oralidade do conto é um recurso estilístico utilizado para tentar representar o contexto referencial sobre o qual transita o grupo ou o indivíduo que o atesta.
Riso/piada/humor
No começo do conto, riso e piada são associados na fala do narrador:
“Eu achei um piadão tal a essa coisa de as mãos dos pretos serem mais claras que agora é ver-me a não largar seja quem for enquanto não me disser por que é que eles têm as palmas das mãos assim mais claras”. (HONWANA, 1980, p. 75)
Depois da fala do Senhor Antunes, o narrador completa:
“os outros Senhores que estavam à minha volta desataram a rir, todos satisfeitos”. (HONWANA, 1980, p. 76)
O humor destaca certos posicionamentos discursivos do narrador ou personagem, ao mesmo tempo em que revela a função do leitor no desvendar do texto. Esse recurso tem a finalidade de promover sua cumplicidade provocando a reação do riso no contexto social específico. As piadas revelam preconceitos bem arraigados e veiculam mecanismos da violência. Estas, de fato, canalizam a violência contra o negro de forma “velada” e socialmente aceitável:
“O humor tem uma dimensão catártica, assumindo uma função de crítica social e política. Outros escritores como Mia Couto ou Pepetela criaram universos onde o humor permite desdramatizar o caráter trágico de algumas situações históricas, a sátira social, ideológica e política servindo aqui o progresso da nação.” (ALMEIDA, 2013, p. 170)
A polifonia do conto
O conto em análise é narrado em primeira pessoa pelo protagonista, uma criança presumivelmente negra, a qual procura uma resposta para a sua pergunta: “Por que os pretos têm as palmas das mãos brancas?”. Em sua curiosidade, o narrador/protagonista submete à questão diversos interlocutores, personagens estas de diferentes procedências sociais. Acaba colecionando as mais variadas opiniões, até conhecer a versão da mãe, a qual se opõe a todas as anteriores. Sobre as literaturas africanas, Manuel Ferreira afirma: “No texto o negro é privilegiado e revestido de um solidário tratamento literário – embora não sejam excluídas as personagens europeias (de sinal negativo ou positivo). É o africano que normalmente preenche os apelos da enunciação e é ele quase exclusivamente, enquanto personagem ficcional e poética, o sujeito do enunciado.” (FERREIRA, 1986, p. 13). Estas visões do “exterior” e do “interior” retratam a perspectiva da colonização e da descolonização.
Nas respostas à pergunta do menino, tem quem afirme que os negros caminhavam utilizando as mãos, outro sustenta que os negros mantivessem as mãos sempre juntas para rezar; tem quem diga que eles lavassem frequentemente as mãos, e quem encontra uma explicação de origem divina. Honwana quer denunciar uma situação de desigualdade social, evidenciando os preconceitos em relação aos negros e o importante papel da religião em determiná-los. O clímax do conto é alcançado na explicação da mãe do menino.
Os locutores do conto são um professor, um padre, Dona Dores, Senhor Antunes, Senhor Frias, um livro, Dona Estefânia e por fim, a mãe. Todos esses possuem uma representação simbólica e explicitam, através de suas falas, visões externas à visão africana, com exceção da mãe.
O professor e o livro representam o saber e a ciência; o padre a religião; o Senhor Antunes da Coca-Cola o poder econômico. A julgar pelos nomes podemos inferir que sejam personagens estrangeiras. As respostas fornecidas são motivações preconceituosas, apresentadas como justificativas à diferença de cor da pele, principalmente, para efeito de punição divina ou por desqualificação dos negros. O discurso gerado reproduz a realidade do negro dentro da sociedade pós-colonial, ainda associada ao sofrimento.
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