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Análise do Conto "A Cartomante"

Por:   •  15/6/2016  •  Dissertação  •  2.800 Palavras (12 Páginas)  •  1.758 Visualizações

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

2015

Análise do conto “A Cartomante” de Machado de Assis

Introdução aos Estudos Literários II

Prof. Samuel Titan Jr.

NG                                                                                nº USP: ----

  1. Primeira leitura

Em uma primeira e superficial leitura da 'A Cartomante' de Machado de Assis somos apresentados simplesmente a um, inicialmente despreocupado, triângulo amoroso entre as personagens Rita, Vilela e Camilo. Os dois homens seriam amigos íntimos e de longa data, amizade esta que teria se estendido para a esposa de Vilela. No entanto, essa intimidade e confiança, somada a uma tragédia pessoal, como que teriam aberto caminho para o surgimento de um caso amoroso entre Camilo e Rita.

A história começa após a mulher visitar uma cartomante, afim de saber se o amante ainda a queria; grande amigo do casal, Camilo teria parado de frequentar a casa de Vilela e Rita quando começou a receber bilhetes anônimos que afirmavam saber do romance adúltero, e o ameaçava delatar. No entanto, ele não conversa com sua amante que, angustiada, busca na cartomante alívio para seus medos. Camilo a repreende, não só por considerar a visita perigosa e imprudente, mas principalmente por temer que outros pudessem saber e falar sobre o assunto. Rita então propõe que comparem a letra do autor dos bilhetes anônimos com as das cartas que chegassem em sua casa, assim poderia impedir que fossem delatados. Mesmo com tais precauções por parte do casal, Vilela "começou a mostrar-se sombrio" (pg. 37, MACHADO DE ASSIS), o que gera um novo afastamento de Rita e Camilo, afastamento esse que não impede Vilela de chamar Camilo com urgência para a sua casa. É aqui que temos a segunda aparição da figura que dá nome ao conto, quando o jovem adúltero, a caminho da casa de seu amigo traído, e com medo das razões de tal convocação, se rende ao desespero e ele próprio visita a cartomante, que o deixa tranquilo. É interessante lembrar aqui que quando Rita declara ter ido a uma cartomante, ele a repreende, e vê certa graça nas 'crendices' dela, sendo ele caracterizado como um incrédulo, ainda que não bem formulado. pensar se mantemos isso aqui.

"Então ela declarou-lhe que não tivesse medo de nada. Nada aconteceria nem a um nem a outro; ele, o terceiro, ignorava tudo. Não obstante, era indispensável muita cautela: ferviam invejas e despeitos. Falou-lhe do amor que os ligava, da beleza de Rita… Camilo estava deslumbrado." (pg. 41, MACHADO DE ASSIS)

No entanto, diferentemente daquilo que foi previsto, Camilo ao adentrar na casa de Vilela dá com sua amante "morta e ensaguentada" para então ser assassinado por dois tiros de revólver. Normalmente é somente após uma primeira leitura, onde a figura da cartomante e suas previsões como que são desmascaradas, que o conto se torna verdadeiramente interessante, por se revelar-se como uma história que não é nem sobre adultério e nem sobre vingança.

2. O Narrador

A história nos é contada por um narrador em terceira pessoa, onisciente, que estaria localizado em um momento posterior no tempo em relação aos acontecimentos narrados no conto, o que é evidenciado tanto pelo conhecimento prévio de que a obra foi originalmente publicada em 1884 e a história de 'A Cartomante' começa "numa sexta-feira de novembro de 1869" (pg. 33, MACHADO DE ASSIS), quanto pelo uso recorrente dos pretéritos, como vemos em trechos como "Camilo pegou-lhe nas mãos, e olhou para ela sério e fixo. Jurou que lhe queria muito" (pg. 34, MACHADO DE ASSIS).

Ainda que onisciente e com informações privilegiadas acerca do desenrolar da trama, percebemos um conhecimento especial em relação a Camilo, de quem sabe os medos, as intenções e os fluxos de pensamento, como vemos em trechos como: "Cuido que ele ia falar, mas reprimiu-se. Não queria arrancar-lhe as ilusões." (pg. 34, MACHADO DE ASSIS). Ora, se o narrador sabe o que Camilo ia fazer, mas não fez, e suas razões para não fazê-lo, só podemos imaginar que o narrador ou é o próprio Camilo no futuro, o que não nos é sugerido em parte alguma, ou que ele está em uma posição privilegiada não só em relação ao desenrolar dos acontecimentos, mas também sobre o próprio protagonista. Esse conhecimento íntimo do que se passa na cabeça de Camilo estará mais  evidente nas últimas páginas do conto, quando este recebe o bilhete do amigo Vilela:

"Camilo ia andando inquieto e nervoso. Não relia o bilhete, mas as palavras estavam decoradas, diante dos olhos, fixas, ou então - o que era ainda pior - eram-lhe murmuradas ao ouvido, com a própria voz de Vilela. 'Vem já, já, a nossa casa: preciso falar-te sem demora'. Ditas assim, pela voz do outro, tinham um tom de mistério e ameaça. Vem já, já, para quê? A comoção crescia de minuto a minuto. Tanto imaginou o que iria passar, que chegou a crê-lo. Positivamente, tinha medo. Entrou a cogitar em ir armado, considerando que, se nada houvesse, nada perdia, e a precaução era útil. Logo depois rejeitava a ideia, vexado de si mesmo (...)." (pg. 39, MACHADO DE ASSIS)

No trecho destacado, percebemos que o narrador não está descrevendo as ações de Camilo, e sim seu raciocínio, seus pensamentos e sentimentos em relação à situação em que se encontra, havendo suposições de ações jamais realizadas, como a ideia de levar a arma para a visita ao amigo.

Ainda que o foco principal do narrador seja o personagem Camilo, é perceptível que não irá se limitar a ele, jogando com diversos pontos de vista ao longo da história, jogo esse que atua nas percepções do leitor acerca dos acontecimentos. Um dos pontos em relação ao qual este jogo se torna mais evidente são as recorrentes descrições de Rita. Inicialmente caracterizada pelo narrador como "bela" (pg. 33, MACHADO DE ASSIS) e depois como "dama formosa e tonta" (pg. 35, MACHADO DE ASSIS), ela será caracterizada por Camilo e Vilela como "graciosa e viva nos gestos, olhos cálidos, boca fina e interrogativa" (idem). Percebe-se assim que o narrador e os dois personagens masculinos da trama não compartilham da opinião de que ela era tonta, mas concordam acerca de sua beleza. Vemos também um jogo de pontos de vista com a chegada do bilhete anônimo, que invade o amor se não sublime, pelo menos deleitoso, ao colocar Camilo como "imoral e pérfido" (pg. 37, MACHADO DE ASSIS). Derruba-se assim o véu despreocupado e desinteressado que vinha cobrindo o romance dos dois, no qual uma curta angústia surge apenas diante da ameaça de delação, e não de uma possível dor na consciência de estar ela traindo o marido, e ele o melhor amigo.

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