Análise Psicológica de A Paixão Segundo GH de Clarice Lispector
Por: Professor Adeilson • 6/11/2018 • Artigo • 2.483 Palavras (10 Páginas) • 281 Visualizações
APRESENTAÇÃO
“A barata de súbito vomitou pela sua fenda mais um surto branco e fofo”
(PSGH, p. 82)
Professor, preste atenção nas palavras que repetistes: metafórica e retórica: elas não são agradáveis quando escritas muito próximas e repetidas vezes).
Brilha a luminosidade da compaixão humana. Lançar mão do “Eu” mais recôndito e fugidio e gritar fortemente de espanto ou de júbilo, é a especialidade incontestável de Clarice Lispector.
A compaixão, a paixão, o Deus e o iníquo, o eu e o não eu, o bem e o mal, o ser e o não ser, e as intempéries humanas são um legado místico e transcendente desta autora. Do algo mais coisificado extrai o insubstanciável, e do mais efêmero e espirituoso sentimento, constrói a coisa visível e tangível de sua narrativa. Reificar nas narrativas é instrumento de alegoria e de retórica. Este segundo mais aguçadamente à construção do sentido ou temática da narrativa A Paixão Segundo G. H. (PSGH) é alavancado em bases abstratas psicológicas e concretas, imagens visuais desenhadas nas mentes alucinadas e expectantes dos leitores.
A COISIFICAÇÃO DA PAIXÃO – ESTUDO DAS IMAGENS
VISUAIS EM A APAIXÃO SEGUNDO G. H.
“Sei que os retratos tem apenas a mais leve das semelhanças
com o original, a não ser sob certos aspectos convencionais e
segundo uma escala convencional de valores e etc.”
(Pierce)
Desde há muitos anos a representação metafórica tem feito parte dos recursos retóricos e estilísticos do fazer literário. Esta é forma de expandir os horizontes da significação tornando-se, sobretudo, um modo de enriquecimento da linguagem.
As figuras textuais tornam a leitura mais dinâmica e persuasiva com uma forte carga de significação que se estabelece nas entrelinhas temperadas de prazeres e emoções súbitas na obra A Paixão Segundo G. H. de Clarice Lispector. A transcendência ocasionada pelo ludismo retórico, perpassa muitas vezes aos olhos desatentos de leitores menos proficientes na investigação do texto literário, o que pode diminuir o interesse e resultar num juízo de valor arbitrário. Por outro lado, há uma figuração que vai além da percepção textual, frasal e metafórica. Este é o que será visto no tópico que segue.
Gostei desta parte, pois deixa o leitor curioso e querendo ler o restante do texto...
“um mundo todo vivo tem sabor de um inferno”
(PSGH, 22)
O cosmos na órbita de G. H. faz uma forte sustentação da tensão criada na narrativa. Elementos do universo concreto da personagem G. H. passam a sutil, mas significativamente, serem descritos corroborando com a estrutura psicológica que permeia toda obra.
A construção da imagem visual descrita conduz o leitor para uma análise depurada do eu conflituoso da personagem:
“ ⎯ terei que alçar minha consciência de vida exterior a um ponto de crime contra a minha vida pessoal.” (PSGH, 22)
A mente perturbada exterioriza-se e os elementos descritos conduzem para confirmação do conflito interpessoal:
“Ontem de manhã ⎯ quando saí da sala da para o quarto da empregada ⎯ nada me fazia supor que eu estava a um passo da descoberta de um império.” (PSGH, 23)
“decidida a começar a arrumar pelo quarto da empregada, atravessei a cozinha que dá para a área de serviço. No fim da área está o corredor onde se acha o quarto. Antes, porém encostei-me à murada da área para acabar de fumar o cigarro.” (PSGH, 34)
“depois dirigi-me ao corredor escuro que se segue à área.” (PSGH, 36)
Estas descrições são corroboradoras da lenta progressão dos instantes de confusões epifânicas que a partir de então se desenvolvem. A infernização da vida começa a ser simbolizada nos termos de representação signica(O que é isso?!?). Por exemplo, um “caminho escuro” pode simbolizar literalmente ou conotativamente “morte”. O “escuro” ou “corredor escuro” pode chamar semioticamente a atenção para uma fragilidade psicológica de G. H.. (ver Santaella, 1996)
A expectativa dos sentimentos incompreensíveis e epifânicos de G. H. é mostrada por uma análoga correlação do ambiente da narrativa com o psicológico da personagem:
“Da porta eu via o sol fixo cortando com uma nítida linha de sombra negra o teto pelo meio e o chão pelo terço. Durante seis meses um sol permanente havia impregnado o guarda-roupa de pinho, e desnudava em mais branco ainda as paredes.” (PSGH, 38)
Por toda narrativa G. H externa a escuridão das trevas psicológicas de extrema introspecção, de um olho que soergue e degrada o ser. Nestes momentos a “coisa” e o “neutro” se personificam fortemente e a personagem passa a viver uma transição do real concreto cotidiano com o real espiritual que lhe atormenta a existência. Portanto, o que é banal se presentifica como extraordinário despertando momentos de niilismo absoluto e epistemologia.
Em contraste com a exteriorização dos elementos de espírito noturno de G. H. nota-se a apresentação do “branco”. Que é o branco? A brancura vem conflitar com o próprio itinerário espiritual de G. H. – Já anteriormente descrito como enegrecido.
A súbita descoberta do interior do quarto da empregada vem sendo uma narrativa da representação da coisa real mais evidente e concreta, do eu mais “normal” da empregada, e a graça encontrada não é gratuita, é simplesmente “diferente”. Neste instante o “branco” é o símbolo do outro ser presentificado ou representado, que ganha uma dimensão conflituosa com a personagem G.H. conduzindo a narrativa a um universo profundo de significação, a saber, a “moradora” do quarto passa por uma complexa configuração enredística já que todos esses signos estão ligados a ela numa configuração positiva em relação à protagonista, a qual está envolta numa aura de negritude e penumbra (sala escura / corredor sombrio) (Santaella, 2001): “sol fixo”, “nítida”, “sol permanente”, “pinho”, “mais branco”, “caiada”.
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