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"Bolor", De Augusto Abelaira

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Por:   •  11/7/2014  •  4.311 Palavras (18 Páginas)  •  1.924 Visualizações

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“Bolor”, de Augusto Abelaira

O nascer de novo na obra O Bolor

Porto Alegre, 16 de junho de 2004.

1. Introdução

Este trabalho pretende mostrar como o romance Bolor, de Augusto Abelaira, apresenta-se como uma transgressão ao romance tradicional, assumindo uma linguagem narrativa inovadora, na forma de um diário, no qual surgem três narradores que, cada qual a seu modo, reclamam para si a autoria desse diário.

O tema principal, que, de início, o leitor julga ser o do casamento e do adultério, mostra-se, gradativamente, bem mais profundo, com raízes sociais e políticas, quando analisa os pensamentos e diálogos expressos pelas palavras no diário.

Os narradores-personagens não expõem verbalmente tudo o que pensam, só o conseguem completamente por meio da palavra escrita, mostrando o verdadeiro tema do romance.

A mesclagem do tempo cronológico com o tempo psicológico das personagens se alia à complexidade da construção dessa narrativa, que torna Bolor um romance sempre atual, quer pelo tema, tão humano e eterno, quer por sua estrutura artística.

2. Desenvolvimento

2.1. Considerações sobre o tema principal:

Augusto Abelaira, escritor português nascido em 1926, pertenceu a uma geração de escritores pós neo-realistas. Conviveu com o sistema sociopolítico de Portugal em que não podia escrever (ou dizer) o que pensava dele por causa da Censura, instituída pelo autoritarismo violento desse sistema.

Essa consciência política de abafamento, de clausura, de “emboloramento do ser” é percebida através do discurso das três personagens em “seus diários”, não podendo participar da vida pública e das decisões políticas de seu país.

Em seus primeiros livros, Abelaira mantém ainda traços neo-realistas e trata dos problemas políticos de Portugal, disfarçados sob outros nomes e lugares, apresentando um pessimismo, porém, muito maior que o pessimismo neo-realista, ao descrever a pequena burguesia urbana, com seus conflitos e inseguranças e mostrando, além dessa realidade, a sua pouca fé na capacidade do homem em dirigir o seu destino.

Mas é a partir de Bolor ( publicado pela primeira vez em 1968), que Abelaira mostra novas tendências em sua ficção, misturando analepses e prolepses como recursos narrativos, ao tempo cronológico e psicológico das personagens, tornando sua escrita complexa e inovadora.

Essa complexidade e inovação se mostram na forma de um diário, a princípio escrito pela personagem Humberto. A situação se complica à medida que aparece uma segunda personagem como leitora e escritora desse diário, Maria dos Remédios, esposa de Humberto. E mais adiante, surge Aleixo como escritor de um diário ( outro?), amante de Maria dos Remédios, fazendo com que o leitor se confunda e busque a todo custo saber quem na verdade é o autor do(s) diário(s), se são três diários ou um só, se Maria dos Remédios realmente escreve no diário do marido ou se é ele que escreve como se fosse ela.

À parte disso, a trama do casamento e do adultério deixa de ter maior importância e o leitor percebe, ao ler o que escrevem, o que pensam e o que dialogam, três pessoas que se relacionam e que pensam se conhecer, mas cheias de dúvidas, de tédio, de angústias e de solidão.

Não conseguem se mostrar por inteiro e, por meio dos diálogos transcritos no diário, escondem o mais íntimo de si mesmas, talvez por acharem que não valha a pena essa total entrega, essa total “vida”.

Esse individualismo (que parece ter outras raízes) deixa as personagens-narradoras sufocadas e impotentes, impedindo-as de se relacionarem intimamente e, ao mesmo tempo, trancadas também para uma vida pública, pois não podem, vivendo dentro do contexto político no qual Portugal se insere à época, falar e agir livremente.

Esse então é o tema principal do romance de Abelaira, o da incomunicabilidade humana, do vazio e da indiferença como características inerentes ao ser humano, levando-o à solidão e à falta de engajamento social para atingir uma sociedade mais justa.

2.2. Os personagens do romance

Humberto, Maria dos Remédios e Aleixo são três personagens pertencentes a uma mesma classe social (uma classe média burguesa e intelectual) que pode ser percebida pelos nomes de livros e escritores que Maria dos Remédios e Humberto lêem, pelas músicas eruditas que ouvem no rádio, por serem freqüentadores de restaurantes e cinemas, pelos comentários sobre política nacional e internacional ( revelando-os leitores reflexivos), pelas citações em francês, por seus comentários sobre pintores e quadros famosos e por mais detalhes que podem ser lidos nos diários.

Humberto, o primeiro personagem-autor do diário, é um advogado sem muito entusiasmo pela profissão “[... Sem ti, sem a necessidade de ganhar dinheiro, sem a necessidade de jantarmos fora de vez em quando...Não advogava!...]”(p.144).

É casado e entediado com a rotina do casamento, escrevendo em seu diário tudo o que pensa e não tem coragem de dizer, seja em relação aos seus sentimentos para com a esposa, seja em relação aos seus desejos de mudança em sua vida pessoal e individual. É um homem culto e frustrado pela sua apatia política. Não consegue sair dessa vida vazia e aspira “nascer de novo”. Em conversa com Maria do Remédios, registrada no diário em 7 de março diz “[... Casei contigo para nascer de novo. Mas qualquer coisa fracassou e não sei onde está a causa...]”(p.91). E continua no dia 30 de março, dessa vez em pensamento “[... Vai-te embora, Maria dos Remédios [...], deixa-me só para que eu recomece uma vida nova.]”(p.112)

Essa aspiração de uma vida nova, no entanto, não é causada somente pelo casamento em crise. Também sofre com outras dúvidas, como conversa com Maria dos Remédios em 10 de fevereiro ( a segunda vez em que aparece essa data no diário):

“ [... Estamos segregados da vida da cidade, sabemos que ela se constrói sem nós, e como não temos força para reagir, para tentar impor os nossos ideais, como não somos revolucionários verdadeiros, homens de acção, sentimo-nos batidos, desenganados, mortos, infelizes... Em Cuba, ao ajudar a erguer uma nova sociedade, seria de facto um homem de acção, umas vezes feliz outras infeliz...]”(p.144).

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