Construção artística de Brás Cubas
Por: queenb0567 • 7/6/2017 • Monografia • 1.623 Palavras (7 Páginas) • 190 Visualizações
Nome: Pamela Mateus Craveiro. Disciplina: Ficção Brasileira I.
Sabe-se, a priori, que Machado de Assis possui uma produção literária de peso composta por obras bastante originais e controversas as produzidas na época. Para isso, basta considerar um dos escritos mais emblemáticos do autor, Memórias póstumas de Brás Cubas, obra difusa e confusa justamente por não seguir os parâmetros da narrativa tradicional, sendo construída aos pedaços por volta de 1880. Não se pode, nesse contexto, deixar de abordar o momento literário em que Brás Cubas foi produzido, pois, como antes mencionado trata-se de um livro lançado em meados de 1880, três anos após a morte de outro grande nome da literatura brasileira, José de Alencar, escritor responsável por buscar por meio de suas narrativas uma literatura mais nacionalista e menos influenciada pela estrangeira. No entanto, Alencar acreditava ter descoberto a estrutura do romance em seu contato com a literatura francesa da época, o que, de certo modo, acaba determinando uma forma geral para o romance.
Partindo dessa pequena noção de tempo literário, já é possível notar a controvérsia na construção de Brás Cubas, pois se sabe que, como o próprio Machado diz no primeiro segmento do livro intitulado Ao leitor "Acresce que a gente grave achará no livro umas aparências de puro romance, ao passo que a gente frívola não achará nele seu romance usual." Está citação é capaz de sustentar a ideia inicial de que a proposta de Machado ao escrever Brás Cubas não foi a de seguir um molde como era feito no Brasil, mas sim, criar algo mais próximo ao experimental. Para isso, Machado baseou-se em grandes nomes da experimentação como Stendhal, Xavier de Maistre, Stern, porém, Machado conseguiu mesmo que se baseando em tais autores, criar uma obra com um sublime refinamento estético capaz de sustentar uma narrativa fragmentada e ilinear.
Considerando essa ideia, é possível fazer uma reflexão a cerca dos pontos que caracterizariam Brás Cubas como construção artística. No entanto, para pensar em tais pontos é preciso considerar a pluralidade de camadas existentes na narrativa, isto é, a composição da obra engloba toda uma constelação de aspectos que juntos formam sua arquitetura. Sendo assim, começarei pensando o pessimismo machadiano, pois, "as rabugens de pessimismo" são parte importante na narrativa e percorrem todo o livro. Porém para isso, é impossível não falar em Baudelaire que em 1857 publica As flores do mal, uma coletânea de poemas em que o poeta aborda diversos temas. Porém, um dos pontos mais relevantes é que assim como Machado, Baudelaire usava sua poesia para revelar a verdadeira essência humana, que o mesmo denomina sórdida, mesquinha e pecadora. Assim tem-se o primeiro eixo comparativo entre os autores, pois ambos buscavam expor a sordidez humana como uma espécie de sujeira formadora presente em todos, o que acaba sendo um pensamento autocentrado.
O segundo eixo comparativo diz respeito à linguagem adotada por ambos, há certa disparidade em relação à forma com que Machado e Baudelaire expressam suas ideias a respeito da humanidade. Em Brás Cubas o vocabulário é bastante refinado e polido, já em Flores do mal o vocabulário escolhido é um tanto mais sujo. Basta comparar trechos dos dois livros para que se tenha uma noção mais clara “Acresce que a gente grave achará no livro umas aparências de puro romance, ao passo que a gente frívola não achará nele seu romance usual; ei-lo aí fica privado da estima dos graves e do amor dos frívolos, que são as duas colunas máximas da opinião.” (Machado: 1880 6). Nesse trecho, é possível notar que o autor não faz uso de palavras chulas, mas sim o oposto, usando um vocabulário formal para acentuar sua ironia. Já em Baudelaire, a diferença vocabular é bem mais marcada e as imagens quase saltam aos olhos quando lidas:
“Assim como um voraz devasso beija e suga
O seio murcho que lhe oferta uma vadia,
Furtamos ao acaso uma carícia esguia
Para espremê-la qual laranja que se enruga.”
(Baudelaire: 1857,1)
O terceiro e último eixo comparativo engloba as considerações dos autores com o leitor. Tanto Machado, quanto Baudelaire demonstram certa preocupação com o receptor, mas, essa preocupação é apenas irônica, pois, ambos declaram seu desprezo pelo frívolo leitor. A disparidade em respeito ao dialogo autor leitor entre Machado e Baudelaire parece ser bem sutil, pois em Flores do mal, o autor parece se aproximar mais do leitor do que em Brás Cubas, já que o autor refere-se ao receptor como irmão. Em Brás Cubas, o dialogo é pautado pelo desprezo, Machado parecia saber que estava propondo com aquele livro algo provavelmente poderia não ser bem recebido pelo pequeno grupo de leitores da época, acostumados com o romance tradicional. Sendo assim, ele deixa claro que não se importa com a recepção que a obra terá e vai mais além se perguntando se o frívolo leitor será capaz de compreender sua proposta, por isso ainda conclui dizendo “A obra em si mesma é tudo: se te agradar, fino leitor, pago-me da tarefa; se te não agradar, pago-te com um piparote, e adeus.” (Machado: 1880,7).
A próxima questão a ser pensada é a ironia machadiana, que em Brás Cubas, está presente desde o título, já que o defunto-autor só passa a escrever postumamente. O teor irônico na narrativa é tão ácido que chega a ser corrosivo, acabando assim, por contaminar toda a obra. Pode-se dizer que todos os temas abordados ao decorrer da história são inundados por uma crítica tenaz sustentada por tal ironia, o amor, a burguesia, a escravidão, a filosofia, tudo é alvo de desconstrução. O fato de que o autor dedicou a sua epigrafe a um verme, apenas confirma sua autoridade como defunto-autor, não estar mais entre os vivos dá ao narrador propriedade para que fale sinceramente de tudo, “Agora, porém, que estou cá do outro lado da vida, posso confessar tudo.” (Machado: 1880,9).
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