De Bar Em Bar: Uma Volta Com Malagueta, Perus E Bacanaço
Por: Leticia Facchini • 26/6/2023 • Trabalho acadêmico • 9.262 Palavras (38 Páginas) • 67 Visualizações
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DE BAR EM BAR:
UMA VOLTA COM MALAGUETA, PERUS E BACANAÇO.
Discentes: Henrique Macedo de Alencar, Isadora Comerlato Santos, Leticia Facchini, Luana Alves Corrêa Maurmann, Sarah Gabrielle de Freitas Santos
Docente: Viviana Bosi
Curso: Letras (matutino - 1º horário)
São Paulo
2022
Sumário:
- Apresentações: o que tem de João em suas páginas 3
- “Está a jogo ou a passeio?”: o que vem por aí 7
- Para quando vamos: ir e vir do tempo 9
- Estáticos ou em movimento: o sumário e a cena 12
- Para onde vamos: a intimidade entre o ser e o espaço 14
- Para quem demos as mãos: os personagens que nos acompanham 18
- O que vemos: o mundo sob a subjetividade dos homens da noite 23
- O que nos escorre pela boca: como a linguagem dá as caras 25
- Despedida: o que tem de nós nas páginas de João 29
1
Apresentações:o que tem de João Antônio em suas páginas
O uso da linguagem é muito particular para cada pessoa. Imagine, então, para um escritor. Suas vivências, ideais, manias, desejos e receios tornam-se indissociáveis das palavras que escreve - não no sentido de que só se escreve sobre o que viveu, mas sim de que sua subjetividade transparece nas construções sintáticas e semânticas que faz. Nosso objetivo aqui é, portanto, identificar de que maneira a caminhada de João Antônio atuou sobre suas palavras. Em especial, nas de “Malagueta, Perus e Bacanaço”, conto que encontra o irremediável entre a militância da sua escrita com a fusão da sua própria visão de mundo.
Primeiramente, para ele a vida deve aparecer na literatura como fruição, e não como teoria: “eu que gosto de viver a vida e não entendê-la” (IBIDEM, p.2). Este trecho demonstra brevemente a existência de um elo entre a experiência de vida do autor sobre o estilo da escrita e criação de seus personagens.
João Antônio Ferreira Filho nasceu dia 27 de janeiro de 1937, no bairro operário Presidente Altino em Osasco, área suburbana de São Paulo.
É importante relacionar os primeiros anos de sua vida com o período histórico em que o Brasil se encontrava. O Estado Novo (1937-1945) interferia e censurava as produções que não eram consideradas tradicionais e não entravam em conformidade com os valores ideológicos vigentes. Acerca disso, houve uma doutrinação da sociedade no que tange à sexualidade, lazer, alcoolismo e higiene (VELLOSO, 2007, p. 33). Assim, desde a infância, João pôde acompanhar de perto a discriminação e as dificuldades enfrentadas por grupos que ficavam à margem da sociedade. Tais experiências despontam em seu primeiro livro “Malagueta, Perus e Bacanaço”, publicado em 1963, quando tinha 26 anos.
Sobre suas origens, é revelado em sua biografia que sua mãe, Irene Gomes Ferreira era carioca, semianalfabeta e neta de escravos africanos e portugueses emigrados (Severiano, 2005.pg.131). De acordo com Paulo Bense (2017), isto pode estar relacionado com seu nome artístico: João Antônio, assim, sem sobrenome. Esse fato ocorre possivelmente devido à construção da persona do autor, ligado a pessoas descendentes de escravos, que não possuíam sobrenome próprio para poder manifestar e formar sua identidade. Tal característica é espelhada nos heróis do conto, que também não possuem sobrenome, antepassados prestigiados e bens materiais próprios.
Tratando-se de seu pai, sabe-se que era um emigrante português que teve alfabetização e oportunidade de boa educação na Europa. Ele mostrava afinidade com a música e escrita, influenciando na musicalidade dos textos de João Antônio. Além disso, foi através do pai que entrou em contato e pegou gosto por ambientes boêmios, nos quais circulavam jogadores de sinuca, malandros, viradores e prostitutas, figuras que ganham dimensão existencial e poética futuramente em seus contos.
Por conta da falência dos negócios do frigorífico de seu pai, sua família se estabeleceu na Vila Anastácio, bairro em que havia uma zona de grande movimentação comercial, permitindo maior contato do autor nesse cenário cercado de bares e joguinhos de sinuca. A partir daí, devido a condição financeira de sua família, foi obrigado a recorrer ao subemprego na caótica cidade de São Paulo.
Apesar da correria e constante fluxo de pessoas, foi um momento solitário em sua vida. Felizmente, sua família sempre incentivou a leitura e escrita e, aos 13 anos, ingressou no jornal “O Crisol”, dando início a seu contato com o meio jornalístico e as obras de autores famosos na época, como Monteiro Lobato, Viriato Correia, Jerônimo Coelho e André Gide, o poema Canção do Expedicionário, de Guilherme de Almeida, e o clássico A Vida do Escravo Tartamudo Esopo (Lacerda, 2006).
Suas principais influências, no entanto, eram Graciliano Ramos, Mário e Oswald de Andrade, Guimarães Rosa e, especialmente, Lima Barreto, autor cuja influência foi decisiva em sua literatura (Lacerda, 2006). Como é afirmado por João Antônio em uma Entrevista a Ruy Fabiano, publicada no Diário de Notícias, 14/02/76, “O Lima Barreto superou uma tendência muito brasileira de se escrever mais com palavras que com idéias. Ele venceu a angústia da palavra e fez uma obra seríssima. Ele fez uma apropriação muito válida dos métodos jornalísticos e obteve um resultado profundamente literário. A obra dele me sensibiliza muito”. É nítida sua admiração pelo autor, ao ponto de incorporar em sua própria obra essa fusão entre jornalismo e literatura - o que chamam de “contos-reportagens”.
Entre os anos de 1956 e 1961, é impossível desassociar, mais uma vez, sua vida do contexto histórico. Estava na presidência Juscelino Kubitschek, que implantou o Plano de Metas, promovendo uma política desenvolvimentista voltada aos setores chaves da economia brasileira. Dessa forma, houve um processo de crescimento urbano e industrial, em contraste com a marginalização de pessoas que eram excluídas deste “ideal” de progresso. João Antônio sentiu essas mudanças, retratando este progredir sem humanidade e a rapidez dos momentos que surrupia a possibilidade de dar voz e experiência às pessoas que não podiam se manter. Passou, então, a ter o malandro como figura central, que cria como estratégia de sobrevivência um conjunto de normas, conforme observa Durigan (1983).
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