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LAROIÊ! IMAGENS DE EXU REPRESENTADAS EM PEDRO ARCHANJO: UMA ANÁLISE DE TENDA DOS MILAGRES

Por:   •  2/11/2018  •  Ensaio  •  3.764 Palavras (16 Páginas)  •  279 Visualizações

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LAROIÊ! IMAGENS DE EXU REPRESENTADAS EM PEDRO ARCHANJO: UMA ANÁLISE DE TENDA DOS MILAGRES  

Leonardo Silva Vieira (UNEB)

Orientadora: Profa. Doutoranda Daniela Galdino Nascimento (UNEB, UFBA)

                

A obra literária Tenda dos milagres (2001), de Jorge Amado, representa um debate intelectual e científico sobre as questões raciais que penetravam no contexto acadêmico e social em Salvador, nos primeiros anos do século XX. O romance tem como personagem principal Pedro Archanjo, materialista, porém praticante e líder do Candomblé, filho do orixá Exu e também chamado de Ojuobá (os olhos de Xangô) devido ao cargo que recebeu no terreiro do qual era filho. Autodidata, Pedro Archanjo tornou-se bedel da Faculdade de Medicina, aprendeu línguas, filosofia e escreveu livros sobre miscigenação, sobre o viver e a culinária do povo da Bahia. Os embates acontecem principalmente entre Pedro Archanjo e Nilo Argolo: este último, professor da Faculdade de Medicina, defende as teorias racistas, enquanto Pedro Archanjo é oriundo de camada popular da sociedade, defensor da miscigenação e das religiões de origem africana.

Segundo o próprio Jorge Amado (1971) são íntimas as suas relações com o povo da Bahia. O autor acredita que para a criação literária é fundamental que o romancista disponha do conhecimento vivido, salienta que tudo quanto sabe da Bahia, do povo, dos seus costumes, lutas e crenças, ele não aprendeu nos livros e nem a partir de observações frias, foi antes de tudo, parte integrante dessa vida. Assim, a representação do candomblé em Tenda dos milagres, como em outras obras do autor, acontece com essas relações de intimidade.. Conforme o próprio Jorge Amado:                 

Eis por que, Senhora, eu vos digo que tudo quanto sei, tudo quanto fiz e interpretei, o melhor que saiu de mim, eu o recebi do povo baiano, sou eu o grande devedor, aquele que é grato e rende homenagem. Íntimas são as nossas relações, as mais íntimas, as de pai e filho, as de filho e pai, pois nós que criamos sobre a vida do povo somos filhos e pais ao mesmo tempo, paridos pelo ventre imenso do povo e grávidos de sua vida; de nosso trabalho nasce sua realidade em termos de arte. (AMADO, 1971, p. 27)

A partir da sua escrita, é perceptível a familiaridade do autor com o culto aos Orixás, os costumes e aspectos da religiosidade afro-brasileira. Jorge Amado foi adepto do candomblé, frequentador de terreiros, dentre eles o Ilê Axé Opó Afonjá, onde recebeu cargo de Obá de Xangô, espécie de autoridade no âmbito candomblecista. Diante disso, este trabalho centra-se no intento de analisar as perceptíveis relações         entre o personagem Pedro Archanjo e o orixá Exu. Para tanto, parte-se do princípio de que, conforme Pierre Verger (2002), o arquétipo do orixás ou seja, o modelo básico e fundamental do orixá fortalece o comportamento, a identidade e o temperamento da pessoa, norteia ações e atitudes dos seus filhos, influenciando em diversos aspectos da sua vida. Com este propósito, faz-se necessário apresentar aspectos intrínsecos à representação de Exu, desde as suas imagens mais ambientadas nas tradições nagô-iorubás, até as distorções que atribuíram a ele conceitos negativos.

É sabido que muitos personagens das obras de Jorge Amado foram inspirados em pessoas reais, dentre eles, Pedro Archanjo. O próprio escritor salienta que Pedro Archanjo apresenta traços de diversas pessoas, inclusive dele mesmo. O personagem “é a soma de muita gente misturada: o escritor Manuel Quirino, o babalaô Martiniano Eliseu do Bomfim, Miguel Santana Obá Aré, o poeta Artur de Sales, o compositor Dorival Caymmi e o alufá Licutã — e eu próprio, é claro.” (AMADO, 1992, p. 139). No entanto, este trabalho adota a seguinte perspectiva: a análise da construção ficcional baseada no arquétipo do orixá.

Na África (especificamente na Nigéria, ex-Daomé e Togo, regiões onde tiveram origem o culto aos orixás) e nos terreiros de candomblé do Brasil mais próximos das concepções e das mitologias dos Orixás na tradição africana, Exu é o mensageiro dos deuses, aquele responsável pela comunicação entre o supremo Olódùmarè e as outras divindades, e ainda aquele que leva os pedidos e oferendas dos homens aos Orixás. Conforme Reginaldo Prandi (2001, p. 50), doutor em Sociologia pela USP, atualmente com dedicação maior em sociologia das religiões, explica que

Exu tem esse encargo, de transportador. Também é preciso saber se os orixás estão satisfeitos com a atenção a eles dispensadas pelos seus descendentes, os homens. Exu propicia essa comunicação, traz suas mensagens, é o mensageiro. É fundamental para a sobrevivência dos mortais receber as determinações e os conselhos que os orixás enviam ao Aiê. Exu é o portador das orientações e ordens, é o porta-voz dos deuses e entre os deuses. 

Nessa ordem de pensamentos, sendo mensageiro dos deuses segundo a mitologia dos iorubas, nada acontece sem o trabalho de Exu. É, portanto, o orixá que tudo precisa saber, “não há segredos para ele, tudo ele houve e tudo ele transmite”. (PRANDI, 2001, p. 50). Neste aspecto, o comportamento do personagem tomado para análise condiz com o arquétipo do seu orixá, o que torna plausível a ideia de coerência entre Exu e Pedro Archanjo, considerado por outros personagens “a boca e os olhos do seu povo”. O candomblé é bem representado por Jorge Amado como uma religião de muitos mistérios, no entanto, do mesmo modo de Exu, por ordem dos próprios orixás, nada é escondido de Pedro Archanjo.

Que maneira, que léria, que poder possuía ele para abrir a boca, o coração dos demais? Nem as mães-de-santo mais ciosas e estritas, tia Maci, dona Menininha, mãe Senhora, do Opô Afonjá, as respeitáveis matronas, nem elas guardavam segredos para o velho, tudo lhe revelando de mão beijada – aliás os orixás assim tinham ordenado, para Ojuobá não há porta fechada. Ojuobá, os olhos de Xangô, agora ali estirado morto junto ao passeio. (AMADO, 2001, p. 5)

Em Tenda dos milagres, Jorge Amado encena discursos nos quais são representados diversos aspectos da cultura afro-brasileira: a luta contra as perseguições aos terreiros de candomblés, o culto aos orixás, o cotidiano, costumes, e crenças do povo baiano, a defesa da mistura das raças, refutando teorias que inferiorizam o negro e o mestiço. Em meio a isso, a construção de Pedro Arcanjo também sinaliza uma provável relação com Exu, orixá que é visto na mitologia dos iorubas como senhor do movimento, aquele que contraria e transforma regras e condutas aceitas socialmente.

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