MARCAS DA TRANSFORMAÇÃO SOCIAL DO LÉXICO: ESTUDO BASEADO NA NOMENCLATURA DE RUAS, BAIRROS E DISTRITOS DO MUNICÍPIO DE FEIRA DE SANTANA
Por: Thaise Leal • 27/9/2018 • Artigo • 3.800 Palavras (16 Páginas) • 316 Visualizações
MARCAS DA TRANSFORMAÇÃO SOCIAL DO LÉXICO: ESTUDO BASEADO NA NOMENCLATURA DE RUAS, BAIRROS E DISTRITOS DO MUNICÍPIO DE FEIRA DE SANTANA
Thaise Leal de Souza[1]
Universidade Estadual de Feira de Santana - UEFS
Letras com espanhol
thaisyleal@hotmail.com
Profa. Dra. Norma Lucia Fernandes de Almeida
Universidade Estadual de Feira de Santana - UEFS
Departamento de Letras e Artes - DLA
norma.uefs@gmail.com
Resumo: Este trabalho se caracteriza em uma investigação voltada para a análise das mudanças sofridas pela nomenclatura de ruas, bairros e distritos do município de Feira de Santana, a partir dos ‘causos’ ocorridos em torno desses locais; e pretende mostrar um pouco da realidade lexical do semiárido baiano através da análise de materiais diversos, pautando-se em abordagens sociolinguísticas à luz da Lexicografia, da Semântica e da Dialetologia, sem perder de vista a tríade: língua, cultura e sociedade. Para tanto, fez-se a utilização do corpus constituído por consultas a trabalhos realizados por pesquisadores interessados no assunto, como também em jornais antigos (referentes ao ano 1919), além de informações retiradas de sites da internet. Em vista disso, os resultados aqui encontrados têm o objetivo de mostrar, acima de tudo, que a comunidade em questão apresenta em seu repertório linguístico, uma rica variedade em relação ao léxico, a qual vem sendo utilizada como forma criativa de inovação.
Palavras-chave: Léxico. Feira de Santana. Nomenclatura. Ruas, bairros e distritos.
1 INTRODUÇÃO
De acordo com Isquerdo (2001), o léxico é o conhecimento compartilhado que se encontra na mente dos emissores de uma língua, forma-se no âmbito do acervo vocabular dos vários grupos socio-linguísticos culturais, além de manter uma restrita relação com a história cultural da comunidade e relacionar-se com o procedimento de nomeação e com a compreensão da realidade. Nesse processo, a pessoa que está falando toma para si o vocabulário que nomeou as realidades; conferindo, assim, a geração do léxico através de atos consecutivos desse “lume” e da classificação das categorias da experiência fixada em signos linguísticos, que são as palavras.
Por entre os níveis da língua, o léxico é um dos mais tocados por influências externas, haja vista que, como o tesouro vocabular de uma língua, ele eterniza a herança cultural de uma sociedade mediada por signos verbais, fazendo uma síntese dos aspectos da vida, dos valores e das crenças de uma comunidade social, como atesta Biderman (1990).
Dentro desta perspectiva, este trabalho analisa a transformação sofrida na nomenclatura de ruas, bairros e distritos do município de Feira de Santana, a qual ocorreu mediante acontecimentos envolvendo esses locais, apresenta um estudo sobre a utilização do léxico recorrente na oralidade desses falantes, e reúne, ainda, pesquisas que retratam sobre a criação e o uso lexicais na esfera regional; seja pela ótica sincrônica ou diacrônica. Para tanto, nos utilizamos de pesquisas que retratam o léxico regional, sua relação com a cultura, identidade, história e o sujeito cognoscente.
Feira de Santana é o segundo município em termos populacionais do interior da Bahia, possui o maior entroncamento rodoviário do N/NE e é sede da maior região metropolitana do interior, se destaca economicamente, e, além disso, recebe um grande número de pessoas de diversas microrregiões do estado e de outros estados, portanto, constitui-se, dessa forma, um rico território para a análise e sistematização da variação linguística.
A formação da nomenclatura de ruas, avenidas, prédios públicos, escolas, ginásios, parques, bairros e demais logradouros demonstra um importante exemplo da transformação do léxico, devido à atuação dos falantes que registram as características do meio social em que vivem. Nesse aspecto, evidencia-se que nem sempre o nome oficial é o mais prestigiado ou até mesmo o mais conhecido. Assim, a partir do estudo do léxico – completa Isquerdo (2001) – o que é analisado e caracterizado não é apenas o fator linguístico, mas também o fator cultural que nele deixa transparecer, pois como, também, afirma Barbosa (1981) o conteúdo da experiência social.
De acordo com a legislação vigente, somente através de outra lei – nas hipóteses de conveniência pública e correção ortográfica –, seria possível haver a modificação da nomenclatura oficial dos logradouros. Oliveira (2011) diz que o fato de cambiar esses nomes indica uma alteração no foco que dá origem aos mesmos; distanciavam-se os falares das ruas, para iniciar as sérias reuniões da Câmara de vereadores. Os estímulos em que as escolhas eram elencadas, distante das descrições, pretendiam revigorar memórias em referência a alguns vultos/símbolos nacionais, figuras da história local ou, como pode ser observado em vários casos, homenagear pessoas que tivessem sido dirigentes de alguma obra na cidade. Os nomes dados com estes sentidos afastavam as formas de uso, fazendo desaparecer as memórias surgidas do comércio popular e dos gracejos urbanos.
Para Benjamin (apud OLIVEIRA, 2011) estabilizar os nomes dos logradouros consubstanciava a ação de impor uma forma de leitura verticalizada para os transeuntes. “Essa
imposição apagava os registros oralizados dos nomes de ruas, empurrando-os para o esquecimento e substituindo as práticas de nomear pela fala por ações burocráticas”. Referências essenciais de uma memória que descreve detalhadamente o lugar; as artérias públicas privariam-se das sonoridades que lhes imprimiam uma história, deixando escapar a forma escrita, como meio de impor um sentido único. Essa rua que foi nomeada a partir da execução do poder determinava os limites para as possibilidades de escrita da cidade por parte das camadas populares, prejudicando outras leituras do mundo urbano, como confere Oliveira (2011, p.221) cita trecho de Eurico Alves Boaventura.
Dir-se-ia que anônimo poeta escreveu poema sugestivo, evocativo e o soltou no ar, sobre a cidade. Traziam as ruas, certas, nome popular bem interessante. Uns com leves tons de rima de balada. Outros, sons de cantares tabaréus. Além da Rua de Cima e Rua de Baixo definindo duas zonas da urbe, pela Rua Direita espalhavam-se os mais líricos apelidos em ruas, vielas e betesgas. E não havia estas tais de repartições que estivessem a mudar os agradáveis brincalhões apelidos das ruas e dos becos. Nome de rua deve ser como o de gente: não se muda atoamente. O mal é a bajulação, pondo-se por qualquer motivo inconfessável, certos nomes de segunda em ruas de outros nomes. O nome de muita rua é dado pelo povo. E a rua é sua. O povo a estima ou a odeia. Dá-lhe o nome correto, o nome que vê que lhe calha bem. Ficariam os títulos oficiais para o luxo dos jornais e o silêncio dos discursos na Câmara Municipal. Só. E lá se vinham Canto Escuro. Beco da Esteira, Salto do bode, Beco do Mocó, (BOAVENTURA, 2006, p. 87).
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