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O São Bernardo Graciliano Ramos

Por:   •  2/2/2020  •  Resenha  •  1.586 Palavras (7 Páginas)  •  168 Visualizações

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São Bernardo - Graciliano Ramos 

Paulo Honório começou por baixo, trabalhando na enxada. Foi criado pela Mãe Margarida, uma preta doceira. O primeiro evento significativo de sua vida foi quando esfaqueou um homem por ter-se envolvido com um rabo-de-saia que namorava, Germana. Passou três anos na cadeia, onde aprendeu a ler em uma “bíblia protestante”. Quando saiu, Germana já estava “na vida, de porta aberta, com doença-do-mundo”. Ele virou agiota, sob a chefia de Pereira, e aos poucos foi criando um nome e uma trupe para fazer seu trabalho sujo. Tomou o sítio de Padilha, um jovem órfão e rico, bêbado e irresponsável; enfim, endividado, pois perdera tudo na aguardente e no jogo. O sítio tem por nome São Bernardo. Mendonça, um vizinho que sempre avançava a cerca contra o sítio, foi morto pelo novo proprietário.

Seu Ribeiro, o novo guarda-livros do sítio, tem uma história interessante. Ele era respeitado na pequena vila onde morava; lá havia paz e tradição, lá se dançava ao redor das fogueiras. Então, a vila virou cidade, e a burocracia usual chegou para trazer a civilização. O poder e o respeito de Seu Ribeiro, que apoiavam-se na inocência da tradição, sublimaram-se. Foi para a capital trabalhar com o serviço que achasse. Virou bêbado. Perdeu tudo.

Por sugestão do governador, Paulo Honório resolveu criar escola, que ficou sob a batuta do Padilha. O novo mestre-escola, depois de perder o sítio, envolveu-se em ideias revolucionárias e virou ateu. Ao pegá-lo discursando as injustiças na desigualdade de terras com Marciano, enxotou-os do emprego; cedeu, porém, aos apelos da mulher de Marciano, D. Rosa, com seus cinco filhos (três na saia, um nos braços e um no bucho). Costa Brito, da Gazeta, era pago para favorecer no jornal os interesses de Honório, mas agora estava pedindo demais - e até soltando ameaças. Paulo negou-lhe dinheiro e enxotou-o também. Nesse meio termo, encontrou a Mãe Margarida, que havia sumido, e instalou-a em uma casinha na fazenda.

Tudo isso afastou a sua mente do desejo que vinha debuxando: o de casar-se. Pensava em deixar herdeiro; já imaginava o homem alto, de cabelos morenos, que havia de sucedê-lo. Elaborou uma lista; pendeu para a filha do juiz Magalhães. Como quisesse saber dos autos do processo do Pereira - que estava ameaçado em sua posição - e da treta eleitoral em que o agiota se envolveu, visitou o juiz. Encontrou-o com João Nogueira (o advogado); em outro canto da casa, D. Glória e Madalena, sua sobrinha professora, conversavam com a filha de Magalhães sobre um romance chinfrim. Honório ficou no grupo dos homens discutindo política, mas olhava de soslaio Madalena, com suas mechas loiras, olhos azuis e traços suaves. Até mesmo a “peitaria” da filha do juiz foi ofuscada.

Só soube quem era a moça quando encontrou a velha D. Glória no trem voltando da capital, em que fora para dar uns açoites no Costa Brito pelas calúnias que soltava na Gazeta. Na estação de Viçosa, Madalena os recebeu.

E embuchei, afobado. Até então os meus sentimentos tinham sido simples, rudimentares, não havia razão para ocultá-los a criaturas como a Germana e a Rosa. A essas azunia-se a cantada sem rodeios, e elas não se admiravam, mas uma senhora que vem da escola normal é diferente.” p. 92.

Honório pediu que Gondim (diretor do jornal o Cruzeiro) convencesse a professora a dar aulas na escola da fazenda, em lugar do Padilha. Ele “deu uns toques” a D. Glória, falou da importância de garantir um futuro com um marido.

“D.Glória empinou a coluna vertebral, e o peito cavado se achatou. Esse movimento de dignidade repentina fazia-lhe o vestido preto, já gasto, ficar esticado na barriga e frouxo nas costas. Resmungou palavras imperceptíveis. Pouco a pouco voltou à posição normal, a omoplata adaptou-se novamente ao pano coçado e o gargarejo tornou-se compreensível…” (p. 100)

Ele acabou pedindo a mão de Madalena em casamento. Ela hesitou e ficou dias pensando, mas no fim se casaram na própria fazenda. A princípio a coisa correu bem, mas foram surgindo atritos pela forma com que Paulo tratava os funcionários. A primeira discussão foi em um jantar, em que Honório ficou indignado pela afirmação da mulher de que Seu Ribeiro ganhava pouco.

“- Sem dúvida. Mas é tolice querer uma pessoa ter opinião sobre assunto que desconhece. Cada macaco no seu galho. Que diabo! Eu nunca andei discutindo gramática. Mas as coisas da minha fazenda julgo que devo saber. E era bom que não me viessem dar lições. Vocês me fazem perder a paciência.

Joguei o guardanapo sobre os pratos, antes da sobremesa, e levantei-me. Um bate-boca oito dias depois do casamento! Mau sinal. Mas atirei a responsabilidade para Dona Glória, que só tinha dito uma palavra.” (p. 115)

O capítulo que se segue à discussão é uma introspecção à mesa da sala de jantar, no escuro, em que a escrita de Honório confunde os tempos.

“Conheci que Madalena era boa em demasia, mas não conheci tudo de uma vez. Ela se revelou pouco a pouco, e nunca se revelou inteiramente. A culpa foi minha, ou antes, a culpa foi desta vida agreste, que me deu uma alma agreste.”

[...]Emoções indefiníveis me agitam - inquietação terrível, desejo doido de voltar, tagarelar novamente com Madalena como fazíamos todos os dias, a esta hora. Saudade? Não, não é isto: é desespero, raiva, um peso enorme no coração.

[...]Agitam-se em mim sentimentos inconciliáveis: encolerizo-me e enterneço-me; bato na mesa e tenho vontade de chorar.

[...]Seria conveniente dar corda ao relógio, mas não consigo mexer-me” (p. 117-120)   

Ele deseja poder arranjar mais tempo para si, mas está paralisado pelo remorso. A coruja foi morta, os buracos de grilo foram tapados, e os ventos não sacodem mais as árvores. Nas suas visões confusas, enquanto escrevia, sentia tudo isso; via o vulto de Madalena - envoltos na escuridão. Ouvia o Tubarão rosnando, o gado resmungando, a Maria das Dores dando lições ao papagaio. Agora, que retoma a lucidez dos sentidos, só conhece o silêncio - e a treva de um futuro desgraçado.

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