O Simulacro Da Família Sob A ótica De Dois Adolescentes Indígenas: Uma Análise Semiótica
Trabalho Universitário: O Simulacro Da Família Sob A ótica De Dois Adolescentes Indígenas: Uma Análise Semiótica. Pesquise 861.000+ trabalhos acadêmicosPor: Soniabrumatti • 12/8/2013 • 4.050 Palavras (17 Páginas) • 460 Visualizações
O SIMULACRO DA FAMÍLIA SOB A ÓTICA DE DOIS ADOLESCENTES INDÍGENAS: UMA ANÁLISE SEMIÓTICA
III Simpósio Internacional de Análise do Discurso – Ethos, emoções e argumentação: Belo Horizonte/MG – Abril 2008
Sonia Aparecida Verga Brumatti / UFMS
soniabrumatti@bol.com.br
1. Considerações iniciais
Este trabalho “O simulacro da família sob a ótica de dois adolescentes indígenas: uma análise semiótica” que ora apresento é, com algumas modificações, parte integrante de minha Dissertação de Mestrado “Identidade indígena: algumas características de adolescentes indígenas da Escola Estadual Presidente Vargas de Dourados-MS” e constitui-se da análise de dois textos de adolescentes indígenas, habitantes da Reserva Indígena de Dourados-MS.
Para proceder à apresentação, por uma questão metodológica e de tempo, cito trechos dos textos (respeitando-se a grafia original das produções textuais) e analiso-os em seguida. O primeiro texto a ser analisado (Texto 1) pertence ao adolescente indígena J.L.S. e o segundo (Texto 2) à adolescente E.J.L.
2. A análise
Texto 1: Minha família
1. Em minha família existe muitas caracteristicas, como no trabalho em casa e 2. no convívio no trabalho na sociedade. Meu pai era uma pessoa muito exigente, pedia 3. um ponto claro de todas as coisas, exigia direitos na politica, fazia criticas a corruptos. 4. De um tempo para cá meu pai foi mudando, não só no fisico mas também no 5. comportamento. Eu tive muitos animais que eram considerados parte da familia, muitos 6. morreram pelo tempo que só deixaram lembranças em fotos. Minha família é bem 7. grande, somos em sete pessoas, com meus parentes somos muitos, que nem conta se há.
8. Minha mãe era muito boa no começo de minha vida, o tempo foi tomando 9. conta de sua personalidade. Tenho cinco irmãos, são três irmãs e dois irmão comigo, 10. minhas irmãs são chatas, e só querem essas coisas da moda, eu sou um pouco alegre 11. com as pessoas, com meus amigos, sou como posso ser.
Texto 1: “Minha família”
Em minha família existe muitas características, como no trabalho em casa, e no convívio no trabalho na sociedade. Meu pai era uma pessoa muito exigente, pedia um ponto claro de todas as coisas, exigia direitos na política, fazia criticas a corruptos. De um tempo para cá meu pai foi mudando, não só no físico mas também no comportamento. Eu tive muitos animais que eram considerados parte da família, muitos morreram pelo tempo que só deixaram lembranças em fotos (Texto 1, linhas 1-6).
Um enunciado de estado inicia a narrativa de J.L.S. – um sujeito em conjunção com o objeto família – para, em seguida, passar-se à descrição da figura paterna. O simulacro do pai, construído a partir de uma pequena narrativa, revela que o enunciador recorre à memória para referir-se ao pai:
A narração implica a memória.
Por conseguinte, quando contamos, o que sai de nossa memória não é a realidade mesma (res ipsae), que não é mais, mas palavras nascidas das imagens que formamos dessas realidades (uerba concepta ex imaginibus earum), que, atravessando nosso espírito, deixaram traços (uestigia) de sua passagem (Agostinho, XVIII, 23) (FIORIN, 1999, p. 131-132)
.
As palavras de J.L.S., que nascem das “imagens” que tem do pai, constroem o simulacro de um sujeito que sofrera transformações (“Meu pai era...”). O sujeito inicial da narrativa do menino não é somente um sujeito virtual, modalizado pelo querer e/ou dever, mas um sujeito atual, competente que sabe e pode realizar a ação de exigir “direitos na política”, de fazer “criticas a corruptos”; as ações praticadas por ele (exigir, criticar) configuram-se como atos que revelam coragem, ousadia, por parte de quem os pratica. Em se considerando ser o pai de J.L.S. um indígena, essas características tornam-se ainda mais significativas porque “exigir direitos na política” e “fazer críticas a corruptos” parece não ser postura tão comum entre os índios (a menos que se trate de uma liderança, de um capitão..., informação que não consta no discurso do menino). Mas esse sujeito competente, “de um tempo para cá foi mudando, não só no físico, mas também no comportamento”. Ancorar inicialmente sua narrativa em um tempo passado (tempo em que o pai “era”) e retornar ao presente (“De um tempo para cá”), em que o “cá” refere-se ao “agora” da enunciação, permite a J.L.S. constatar as mudanças que começaram (e continuam) a ocorrer (“foi mudando”) em um tempo indeterminado e cujas conseqüências atingem não só o aspecto físico, como também o comportamental do sujeito pai. Se forem consideradas eufóricas as características iniciais desse sujeito, enunciar que houve uma mudança em seu estado, que ele não é mais o que “era”, uma pressuposição se delineia: as características que passam a compor o simulacro identitário do pai são disfóricas para o adolescente.
Ao referir-se aos animais de estimação, mais uma vez J.L.S. ancora seu discurso em um tempo anterior ao momento da enunciação. A forma verbal “tive” instala uma debreagem temporal enunciativa por indicar anterioridade em relação ao momento da enunciação e expressar descontinuidade em relação à posse desses animais, “considerados parte da família”: em determinado período de um tempo passado ele os teve, mas não os têm mais – restaram “as lembranças em fotos”. Ao reportar-se ao passado (“eu tive muitos animais”, “muitos morreram”, “só deixaram lembranças”) para compor seu discurso, o que sai da memória do indígena não é a realidade mesma, mas palavras nascidas das imagens formadas a partir dessa realidade que deixaram marcas de sua passagem. Essas “marcas” (lembranças) configuram-se como disfóricas porque remetem a um estado de disjunção entre sujeito (índio) e objeto (animais de estimação). Tanto na memória que faz do pai, quanto na que faz dos animais, J.L.S. constrói de si o simulacro de um sujeito cujo estado patêmico é de insatisfação: em relação ao pai, por este estar “perdendo” atributos como coragem, ousadia; em relação aos animais, por ter se estabelecido um estado disjunto entre eles e o adolescente.
“Minha família é bem grande, somos
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