O peru de natal
Por: Maria Duque • 25/6/2015 • Trabalho acadêmico • 1.944 Palavras (8 Páginas) • 436 Visualizações
FFLCH USP 2015 |
Análise de “Quem tem farelos?” |
De Gil Vicente |
Maria Eugênia Duque Caetano |
8978200 |
Resposta textual das linhas de leitura apresentadas para o texto “Quem tem farelos?” de Gil Vicente. Trabalho de conclusão de curso para a disciplina de Literatura Portuguesa I ministrada pela Professora Doutora Márcia Maria Arruda. |
INTRODUÇÃO
“Quem tem farelos?” é um texto de Gil Vicente – de data incerta a não ser, porém, de termos certeza que é do século XVI – inserido no seu livro de autos que traz a história, em forma de paródia, de um escudeiro chamado Aires Rosado que declara seu amor a moça, Isabel, acompanhado do seu servo que sempre se acompanha: Apariço.
A ação começa com Apariço conversando com outro servo de nome Ordonho. Os dois começam, então, a conversar sobre seus amos e a listar suas características e o que fazem da vida.
Logo em seguida, aparece Aires, que seria o protagonista, cantando suas cantigas, quando, no meio da noite, decide cantá-las diretamente para a moça Isabel. Durante essa cena, aparece outra personagem, a mãe da moça, chamada de “velha” no texto, irritada com a cantoria.
A ação termina com a moça e a mãe discutindo ao amanhecer sobre toda a situação que acabara de acontecer e sobre a vida e futuros de Isabel.
O trabalho em questão irá responder a todas as perguntas propostas nas Linhas de Leitura, analisando os principais pontos da narração.
TEMPO E ESPAÇO DA REPRESENTAÇÃO
Todo o tempo e espaço da narrativa acontecem em uma madrugada, tendo iniciado no comecinho da noite e terminando com o dia já amanhecendo. Ao longo do texto, aparecem marcas explicitando essa passagem de tempo com o percorrer da ação. O primeiro diálogo, entre Apariço e Ordonho, passa-se provavelmente ainda de dia, período em que Aires Rosada tende a ficar trancado em casa, por não possuir vestes adequadas para sair à luz do dia - como apresentado nos versos 50-53: “Vem alta noite de andar, de dia sempre encerrado: porque anda mal roupado, não ousa de se mostrar”. No verso nº213, após a ideia de seu amo de ir até a casa da moça cantar para ela, Apariço comenta que ela “já estará na cama...” e a canção de Aires se chama “Si dormís, donzella”. Mais tarde, no verso 345, aparece o canto de galos no texto e Aires comenta “Mea-noite deve ser.”. No meio da ação principal do texto, enquanto Aires canta para a moça Isabel, sua mãe, que é referida apenas como “velha” no texto, acorda e diz, no verso 358 “que quem me faz erguer da cama”, o que também mostra que tudo acontece de noite, principalmente no meio da madrugada. Ao final do poema, nos versos 534 e 535, Isabel, depois de ouvir o canto do escudeiro e de discutir com a mãe, diz que “Isso vai sendo de dia, eu quero, mãe, almoçar.”, mostrando como a história começa a noite, acontece durante a madrugada e termina ao amanhecer.
Durante esse período de tempo, porém, a ação não é dividida em cenas ou ato. O autor somente foi acrescentando e retirando personagens em cenários diferentes e criando a linha narrativa a partir daí. Se fosse para ser dividido em atos e em cenas, a distribuição seria, mais ou menos, assim:
- A cada mudança de cenário, seria uma nova cena. Como quando a narrativa sai do diálogo entre Ordonho e Apariço e vai para Aires sozinho, com suas cantigas. Essa seria a primeira mudança de cena da peça.
- A próxima mudança de cena seria quando Aires aparece sozinho, na sua casa, lendo suas cantigas. Apariço e Ordonho o encontram lá e, de lá, vão para a casa de Isabel.
- A terceira mudança de cena seria neste ponto: quando os personagens se dirigem para a janela da donzella, para cantar para ela. Boa parte da narrativa aconteceria nesse cenário, com Ordonho, Aires e Apariço (e, mais tarde, apensa Aires e Apariço) na rua e a moça na janela.
- Com o aparecimento da mãe da moça, a cena se mantém e só muda quando os homens saem de cena e a narrativa continua dentro da casa da moça, onde ela discute com a mãe e, nesse cenário a intriga termina.
- Toda a intriga pode ser considerada como um único “ato”, uma vez que apresenta apenas uma complexidade narrativa composta de início, meio e fim. Pode-se também, fazer uma divisão de ato quando Aires, que seria o protagonista, sai de cena, e a intriga continua apenas com Isabel e sua mãe.
Se a peça fosse encenada, seriam necessárias, pelo menos, quatro mudanças de cenário para que a compreensão da narrativa fosse clara e completa: o cenário inicial, a casa de Aires, a rua da janela da moça e a casa da moça, na qual ela discute com a velha, sua mãe. Essas mudanças são indispensáveis para que a peça seja completa e linear.
REPRESENTAÇÃO
Logo no começo da ação aparece o argumento de que “um escudeiro mancebo per nome Aires Rosada, tangia viola e a esta causa, ainda que sua moradia era muito fraca, continuadamente era namorado”. Tendo em vista essa afirmação, pode-se dizer que o escudeiro, apesar de não ter o que comer, onde morar ou uma boa qualidade de vida, ainda tangia viola por que seu único objetivo na vida era ser “namorado”. Esse tipo de análise está baseado em toda construção do texto que tem por objetivo fazer uma paródia da classe dos escudeiros que estava “perdida” nesse momento de transição social e econômica do século XVI.
A relação causal da premissa nos leva a compreensão de que, o único talento ou feitio que o escudeiro tem, ou seja, “tangia viola”, só existe porque a única coisa que Aires faz da vida é namorar as moças. No texto, aparecem marcas dessa característica do protagonista, mas a primeira delas está logo na apresentação de Aires, que ainda não apareceu, mas já começa a ser caracterizado por Apariço, que diz, entre os versos 19 e 25, que o amo não come, mas passa o dia a cantar, tanger e fazer trovas.
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