Os Tópicos em Teorias do Texto
Por: Davi Domingues • 29/5/2015 • Trabalho acadêmico • 2.555 Palavras (11 Páginas) • 172 Visualizações
Universidade de São Paulo
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas
Tópicos em Teorias do Texto
Dra. Marli Quadros Leite
“Convicções primárias e metanóia: O jurado 4 em 12 Homens e Uma Sentença (1957) – uma análise à luz dos ‘Argumentos quase-lógicos’ de Perelman-Tyteca”
Grupo C
Alexandre Yuri Ribeiro Guerra USP: 5931811
Davi Paulo Domingues USP: 5677596
Vinicius Cherobino Brunette USP: 5415680
“Convicções primárias e metanóia: O jurado 4 em 12 Homens e Uma Sentença (1957) – uma análise à luz dos ‘Argumentos quase lógicos’ de Perelman-Tyteca”
Introdução (explicação sobre o trabalho a ser desenvolvido; referências ao filme, indicação da personagem analisada)
O presente trabalho visa tratar das convicções primárias e a trajetória da metanóia do jurado 4 (interpretado por E.G. Marshall), o corretor da Bolsa de Valores, personagem do filme 12 Homens e Uma Sentença (12 Angry Men, 1957) e analisá-las à luz da nova retórica de Perelman-Tyteca.
No filme, doze jurados decidem se um jovem oriundo de esfera de baixo estrato social acusado de ter matado o próprio pai é culpado ou inocente. De completamente favorável pela condenação do réu (o que acarretaria na pena de morte), a decisão passa a ser contestada pelo jurado 8 (Henry Fonda) graças às “dúvidas razoáveis” (expressão mencionada pelo juiz nas primeiras cenas) que tem sobre as provas no caso. Com isso, uma discussão começa entre os doze até que, graças à reavaliação das evidências, o jovem é declarado inocente.
O jurado 4 desempenha um papel bastante relevante na discussão. Ele não é apenas o penúltimo a modificar a sua opinião a favor do réu, como também é procurado pelos pares para dar o seu parecer, supostamente racional, na defesa pela condenação – e subsequente morte – do jovem. Ele representa, também, um tipo muito peculiar na cultura dos Estados Unidos que vai ser detalhado, assim como as suas escolhas retóricas, nas páginas a seguir. Pretendemos discutir o papel do jurado 4, avaliando o que pode ser inferido pela sua roupa e postura, as suas escolhas retóricas durante as discussões com os outros jurados e perante o impasse, além de contrastá-lo com o jurado 8 (interpretado por Henry Fonda), esclarecendo a trajetória da sua metanóia.
[pic 1]
Desenvolvimento (comentários sobre a teoria e as técnicas de argumentação a utilizadas, aplicadas à análise)
O jurado 4 parece ser o representante da elite dos Estados Unidos. Branco, de meia idade, o corretor da Bolsa de Valores se mostra polido, frio e de poucas palavras, com uma visão de mundo conservadora. Indo além, é possível dizer que o jurado 4 é um representante WASP – branco anglo-saxão protestante (acrônimo em inglês criado para descrever indivíduos em posição de domínio na cultura norte-americana). Vale ressaltar que não há referências explícitas sobre a religião, no entanto, a opinião política do jurado 4, seus traços comportamentais e a maneira de falar (adotando a norma padrão do inglês em estilo mais formal) e, até, os traços físicos do ator podem ser vistos como uma estratégia do diretor Sidney Lumet para criar o “tipo” WASP dentro do filme.
Poucas cenas deixam isso tão claro quanto a primeira fala do jurado 4 no filme. Interpelado pelo jurado 3 enquanto lia o jornal, ele simplesmente não responde a primeira tentativa de contato. Depois da insistência do jurado 3, ele diz rispidamente que é corretor e, ao ouvir a história da empresa ‘de recados’ do jurado 3 (que não estaria na esfera dos seus interesses mais altos), reage – dessa vez mais agressivamente – ao se negar a pegar o cartão de visitas do jurado 3, bloqueando qualquer contato com o interlocutor. Há, não só entre esses dois jurados como em todo o júri, uma clara diferença de classe – marcada tanto por traços físicos quanto comportamentais (que passam pelas roupas e sotaque e até a maneira como se sentam e interagem com os outros). Os jurados procedem de lugares geográficos e sociais diferentes.
Vale ressaltar que o jurado 4, ao contrário de vários outros no filme, como o publicitário (jurado 12), não demonstra ser um indivíduo inconstante, mas um sujeito determinado e firme em suas posições. As suas convicções iniciais, chamadas neste trabalho de primárias, acabam no decorrer do filme dando lugar a uma mudança de opinião (metanóia) diametralmente oposta daquela defendida inicialmente.
Quando o jurado 8 inicia suas observações defendendo suas dúvidas razoáveis, pode-se dizer que ele acionou um dispositivo legal chamado “in dubio pro reo” (do latim “na dúvida, a favor do réu”) que expressa o princípio jurídico da presunção da inocência, e que em casos de dúvidas (por exemplo, insuficiência de provas) se favorecerá o réu. É um dos pilares do Direito Penal, e está intimamente ligada ao princípio da legalidade. Apenas para ilustrar esse tema, o juiz de direito Marcelo Semer comenta a situação ao discutir o filme:[pic 2]
“A perseverança de Davis [nome do jurado 8] em buscar o convencimento é mais do que um modelo próprio de cognição é, dentre outras coisas, uma crítica às decisões preconceituosas (que já vêm prontas antes do processo nascer) e às decisões fundadas em critérios abstratos e lógicos (que desconsideram o ser humano, suas vicissitudes, e sofrimentos).” (Semer, 2010)
Ou seja, são as intervenções de Davis que foram exitosas para realizar a avaliação com base na lucidez, sempre reforçando o argumento de que o júri poderia condenar um inocente à morte; réu que, aliás, contou com uma defesa fraca fornecida pelo Estado.
Em polo diametralmente oposto, o jurado 4 considerava o réu culpado desde o início e alegava para isso as testemunhas. Seguindo os princípios apontados por Perelman-Tyteca (1996: 224), o personagem de E.G. Marshall manifesta a adesão pela atitude lógica, um dos procedimentos possíveis de ser adotado para evitar as incompatibilidades: o personagem “preocupa-se de antemão em resolver todas as dificuldades e problemas que pudessem surgir” quando revela que fez anotações dos depoimentos, dedicando atenção aos detalhes de cada circunstância do caso. O que parece um argumento baseado simplesmente na lógica, no entanto, vai se revelando com as declarações do jurado 4 que há um arcabouço de preconceitos (sociais, racistas e de classe) embasando as suas opiniões. De certa forma, é possível perceber nas declarações e posicionamento do jurado 4 uma atitude de defesa dos interesses da classe dominante: livrar da sociedade um delinquente de uma vez por todas, antes que ele possa praticar mais atos.
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