Se "A arte não tem escrúpulos, tem apenas medida", a análise da arte segue a mesma regra.
Por: Anny Ron • 23/11/2018 • Trabalho acadêmico • 1.317 Palavras (6 Páginas) • 533 Visualizações
Recife, 03 de julho de 2018.
Disciplina: Teoria da Literatura 2
Professor(a): Anco Márcio Tenório Vieira
Discentes: Anna Catharina Cardoso
Letícia Raely Dias
Se “A arte não tem escrúpulos, tem apenas medida”, a análise da arte segue a regra.
Recife
2018
O poema de Tolentino se desdobra em estrutura de soneto corrido. Esta é uma forma fixa de poesia que consiste em quatro versos: os dois primeiros com quatro estrofes (quartetos) e os últimos com três estrofes (tercetos). Pode-se encontrar o esquema rímico ABBA ABBA CDD CDC, o que traz os primeiros indícios de sonoridade para dentro do poema. Correndo de estrofes decassílabas até bárbaras, a estrutura do poema se mostra assimétrica, o poema se organiza já defendendo o que sua ideia prega: a falta de escrúpulos dentro da forma. Ele ignora os limites, desafia a lógica sintática criando a sua própria expressão gramatical; reorganiza para sua finalidade. Desde a primeira estrofe, o início do soneto, já traduzindo todo o sentimento que o mesmo pretende passar:
“A arte não tem escrúpulos, tem apenas medida
Cabe ao artista suspeitar de uma promessa
que começa onde acaba e acaba onde começa,
porque tudo falseia, mormente a dor da vida:”
A sintaxe e a semântica tornam-se brincadeira diante dos olhos do autor. Da pontuação até as escolhas das maiúsculas, Bruno calculou singelamente como fazer cada qual, buscando manter a ideia da falta de escrúpulos, moldando ao modo de expressar sua ideia – seu manifesto – ao seu modo.
Utilizando-se de demais ferramentas, Tolentino adorna sua poesia com cuidado e atenção aos detalhes. Na formação de imagens, podemos nos atentar a principal formada na segunda estrofe. “a arte, parede-meia entre uma despedida e a luz que a mente extrai à escuridão” nos permite recorrer à lembrança de uma casa geminada, onde, de um lado, a despedida acomoda-se e, do outro, o que pode-se interpretar como “esperança” (partindo da ideia da luz extraída na escuridão) está logo na outra face da parede. Ambos os sentimentos compartilham o teto, mesmo que suas antíteses naturais sejam evidentes.
Aproveitando o nível semântico que se começou a ser debatido, abre-se as portas para algumas visualizações de noções usadas por Tolentino como a de predicação. A segunda estrofe nos dá abertura para tal:
“ a arte, parede-meia entre uma despedida
e a luz que a mente extrai à escuridão, tem pressa
e mente, inventa tudo à medida que cessa
a festa do fugaz a que morte a convida...”
Recortando a oração subordinada “parede-meia entre uma despedida e a luz que a mente extrai à escuridão”, fica-se com “a arte tem pressa e mente, inventa tudo à medida que cessa a festa do fugaz que a morte convida”. Ignorando a sintaxe de coordenação utilizada para poesia do trecho, retiramos a figura pintada pelo autor ao utilizar-se de figuras que não podem realizar tal papel, mas o fazem. A “arte” não tem como “ter pressa” ou “como mentir”, nem a “morte” pode “convidar”. Passando por, para esta análise, mas reconhecendo o uso sutil de inconsequência em “a arte tem pressa e mente”, verificamos a singeleza do autor ao pintar carinhosamente artifício por artifício de montagem para o sentido do seu poema. Tolentino não se utiliza de grandiosas metáforas bem explicadas e complexas, mas de uma sutil formação de sentido. Ao realocar as palavras e as mixar em outra categoria, cria imagens e sensações em quem as absorve.
Na estrofe seguinte, é quase palpável a forma desiludida do jovem apaixonado que sequer imagina que o momento acabou. Recapitulando a terceira estrofe:
“ Todos saem atrás dessa falta conviva,
da bela anfitriã que Romeu não sabia
lhe haver marcado o último encontro daquele dia,”
O uso da intertextualidade com a figura de “Romeu” (presente na segunda linha da terceira estrofe) é evidente, onde Tolentino pega por emprestado o personagem do romance de Shakespeare, fazendo referência ao destino final do mesmo e como este se deu. Esse signo também mantém relação com o sentido do poema, quando o autor refere-se à “falsa conviva” e a associa à morte, em vista da referência shakespeariana que se segue.
A “arte” que Bruno expressa é determinada: ela possui suas características próprias para existir e ser, para se afirmar. É uma “arte” que não tem escrúpulos, mas que tem medida e pressa, mente, inventa. É detalhada e construída à medida que se lê o poema. O autor sabe utilizar epítetos, como na quarta estrofe:
“ e a morte é sempre assim, dissimulada, esquiva
e bela como a arte, essa falsa alquimia
que é puro engano, mas da qual ninguém se priva!”
Em “puro engano”, – adjetivos que, se retirados, tiram força, mas não sentido da frase – e adjetivos, como na terceira estrofe “último encontro”. Tolentino usa tudo, em sua expressão artística, a fim de melhor arquitetar todo o sentimento que quer passar.
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