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A UNIDADE TEOLÓGICO-RETÓRICO-POLÍTICA NA ORATÓRIA

Por:   •  19/8/2019  •  Dissertação  •  7.986 Palavras (32 Páginas)  •  145 Visualizações

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A UNIDADE TEOLÓGICO-RETÓRICO-POLÍTICA NA ORATÓRIA

DE DOM AQUINO CORRÊA

THE THEOLOGICAL-RHETORICAL-POLITICAL UNITY IN THE ORATORY OF DOM AQUINO CORRÊA

Jildonei Lazzaretti[1]

Resumo: Este texto consiste em uma breve análise da oratória de Dom Aquino Corrêa, identificando em seus discursos a existência de uma “unidade teológico-retórico-política”, categoria formulada por Alcir Pécora (1994) em seu estudo sobre os sermões do padre Antônio Vieira. Inicialmente, são apresentados os pressupostos teológicos, retóricos e políticos que contribuem para a constituição de tal unidade. Na análise dos discursos de Dom Aquino – que contempla textos de diferentes períodos de sua vida e de distintos contextos de enunciação – demonstra-se que tal unidade teológico-retórico-política possui como paradigma o mistério da Encarnação de Cristo, mais especificamente suas duas naturezas, divina e humana, que são associadas, por analogia, à Igreja e ao Estado.

Palavras-chave: Literatura. Retórica. Discursos. Dom Aquino Corrêa.

Abstract: This text is a brief analysis of the oratory of Dom Aquino Corrêa, identifying in his speeches the existence of a "theological-rhetorical-political unit", a category formulated by Alcir Pécora (1994) in his study on the sermons of Father Antônio Vieira. Initially, the theological, rhetorical and political presuppositions that contribute to the constitution of such a unit are presented. In the analysis of Dom Aquino's discourses - which includes texts from different periods of his life and different contexts of enunciation - it is demonstrated that such a theological-rhetorical-political unity has as a paradigm the mystery of the Incarnation of Christ, more specifically his two natures, divine and human, which are associated, by analogy, with the Church and the State.

Key-words: Literature. Rhetoric. Discourses. Dom Aquino Corrêa.

  1. Considerações iniciais

Este artigo consiste em uma breve exposição acerca da concepção de unidade teológico-retórico-política presente nos discursos de Dom Aquino Corrêa[2]. Tal unidade foi estudada em pesquisa de mestrado desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), da qual resultou a dissertação O Verbo se fez carne: a unidade teológico-retórico-política na oratória de Dom Aquino Corrêa (LAZZARETTI, 2018). Na referida pesquisa, buscou-se analisar o conjunto da obra oratória de Dom Aquino Corrêa – constituída por 85 discursos – compreendendo-a a partir de seus próprios textos e dos valores estéticos que os permeiam.

Por meio dessa precedência epistemológica do texto literário – considerado como ponto de partida para o desenvolvimento de uma crítica literária consistente –, constatou-se, nos discursos de Dom Aquino, a presença de dois elementos recorrentes: 1) em cada texto, a disposição das partes segue os preceitos da Retórica Antiga, compreendida como a arte da oratória dos antigos gregos e latinos; 2) e a defesa de uma espécie de “patriotismo sagrado”, que consistia em um nacionalismo com fundamentação teológica. A partir dessas constatações iniciais – às quais se chegou pelo contato com os textos – e diante da ausência de estudos críticos aprofundados sobre a oratória de Dom Aquino Corrêa, buscou-se, para fins analíticos, uma aproximação inicial entre os discursos de Dom Aquino e os sermões do padre Antônio Vieira, considerado “o mais importante orador sacro da língua portuguesa” (PÉCORA, 2016, p. 7). Essa aproximação inicial – com as devidas distinções – entre os sermões do jesuíta do século XVII e os discursos do salesiano do século XX visava a identificar pontos de convergência entre a oratória de ambos e, consequentemente, fornecer respaldo para aplicar, na análise dos discursos de Dom Aquino, os instrumentais teóricos utilizados para analisar os sermões de Vieira. Nesse sentido, aplicou-se aos discursos do salesiano a categoria de “unidade teológico-retórico-política”, esta já aplicada, por Alcir Pécora (1994), aos sermões do jesuíta. Então, identificou-se como modelo teológico-retórico-político de tal unidade a Encarnação de Cristo, mais especificamente a relação entre as naturezas humana e divina, que é projetada, nos discursos aquineanos, para a relação entre Igreja e Estado.

Nesta breve exposição, serão abordados alguns aspectos da referida pesquisa: primeiramente, os pressupostos teóricos da teologia católica, os instrumentais técnicos da Retórica Antiga e os elementos contextuais da política brasileira no início do século XX, os quais condicionaram o desenvolvimento da oratória de Dom Aquino Corrêa. Em seguida, será apresentado como se desenvolve o modelo de “unidade teológico-retórico-política” na oratória aquineana.

   

  1. Pressupostos teológicos

Conforme mencionado, a doutrina católica da Encarnação de Cristo é fundamental para compreender os pressupostos teológicos da oratória de Dom Aquino. Ao longo da História da Igreja, a doutrina da Encarnação passou por diversos desdobramentos: desde a Patrística, com o argumento soteriológico criado por Santo Inácio de Antioquia (e reelaborado por São Gregório Nazianzeno), com a defesa do princípio da communicatio idiomatum, por São Leão Magno, bem como a abordagem de São João Damasceno ao falar de Cristo como instrumento de mediação entre Deus e o homem; passando pela Escolástica, com a Cristologia de Santo Tomás de Aquino (desenvolvida na parte III da Suma Teológica), principalmente sobre o modo de união das duas naturezas, a divina e a humana, na pessoa de Cristo; até chegar às consequências eclesiológicas do mistério da Encarnação, que podem ser expressas sinteticamente na metáfora do “Corpo Místico de Cristo”, imagem esta que atinge o ápice de sua sistematização teológica na carta encíclica Mystici Corporis (1943), do papa Pio XII.

Devido à brevidade deste artigo, será necessário abordar apenas um dos aspectos da doutrina da Encarnação de Cristo, a fim de demonstrar, mais à frente, a sua presença, enquanto chave hermenêutica, na oratória de Dom Aquino Corrêa. Esse aspecto refere-se à relação entre a natureza divina e a natureza humana em Cristo, sendo a primeira considerada como “agente principal” da salvação e a segunda como seu “instrumento”.

Essa forma de abordagem da relação entre as duas naturezas inicia-se, no século VII, com São João Damasceno, que, em seu texto De fidei orthodoxae, afirmou que a natureza humana é um “instrumento” (do grego organon, ὄργανον) da natureza divina: “[...] do mesmo modo que o Verbo de Deus operou pela carne, também a mesma carne comportou a divindade. Com efeito, a carne de Cristo foi instrumento da divindade” (DAMASCENO, 1864, p. 1060, tradução nossa). Tal formulação de Damasceno sobre a instrumentalidade da natureza humana de Cristo foi tão relevante para a teologia católica – enquanto tentativa de explicação da fé[3]– que Tomás de Aquino, na Suma Teológica, recorreu constantemente à autoridade do argumento de Damasceno para responder a diversas questões cristológicas.[4]

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