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As Histórias em quadrinhos e educação infantil

Por:   •  12/2/2018  •  Trabalho acadêmico  •  3.807 Palavras (16 Páginas)  •  241 Visualizações

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Histórias em quadrinhos e educação infantil

 

José Moysés Alves*

Departamento de Psicologia Experimental da Universidade Federal do Pará

Endereço para correspondência


RESUMO

Diferentes aspectos das histórias em quadrinhos têm chamado a atenção de cientistas políticos, sociólogos, lingüistas etc. Aos psicólogos e educadores interessa, especialmente, o fato delas afetarem a educação de seus leitores. O objetivo do presente trabalho é explorar algumas das relações entre histórias em quadrinhos e educação infantil, destacando o contexto em que surgiram, suas características e seu potencial pedagógico.

Palavras-chave: Histórias em quadrinhos, Educação infantil, Educação informal.


ABSTRACT

Different aspects of cartoon stories have attracted the attention of political scientists, sociologists, linguistics, and others. Psychologists and educators are interested in these stories because they affect the reader's education. The purpose of this study was to elucidate some relations between cartoon stories and childhood education, emphasizing the storie's context, their characteristics, and their educational value.

Keywords: Cartoons, Childhood education, Informal education.


  

A literatura infantil ocidental surgiu na França, em 1697, com a publicação por Perrault dos oito “Contos da Mãe Gansa”: A Bela Adormecida no Bosque, Chapeuzinho Vermelho, O Barba Azul, O Gato de Botas, As Fadas, A Gata Borralheira, Henrique do Topete e O Pequeno Polegar (Coelho, 1987).

A preocupação primária de Perrault não era com as crianças. Ele estava interessado em mostrar a equivalência entre valores dos antigos greco-latinos e dos antigos franceses. Também estava empenhado na defesa dos direitos intelectuais e sentimentais das mulheres. Por estes motivos, provavelmente, engajou-se na tarefa de redescobrir as narrativas populares. Pretendia, com esse material, divertir as crianças, especialmente as meninas, influenciando sua formação moral (Coelho, 1987).

O surgimento dos livros para crianças relaciona-se às preocupações pedagógico-moralizantes provenientes da necessidade da classe burguesa sedimentar seus valores utilitaristas a partir da infância. Os contos de fadas nem sempre foram escritos para crianças e neles as crianças são personagens esporádicos. Só na segunda metade do século XIX a infância é diretamente tematizada e as narrativas são mais identificáveis historicamente. “Saímos do ‘Era uma vez...’ das narrativas primordiais, para a representação de crianças existentes numa determinada sociedade, num tempo x e num espaço y” (Khéde‚ 1990; p. 40).

A inexistência de livros infantis, antes do século XVII, estava relacionada com as concepções que se tinha das crianças naqueles tempos. Durante a Idade Média a criança não era percebida como um ser singular, com uma psicologia própria, mas como um adulto em miniatura. Nas camadas superiores das sociedades do século XVI e XVII surgiu uma nova concepção de infância. A criança passou a ser percebida quase como um animal de estimação, um ser ingênuo, gentil e gracioso, que era paparicado, tornando-se um objeto de distração e relaxamento para os adultos (Ariès, 1981).

No final do século XVII, esse sentimento já estava difundido em todas as camadas da sociedade e foi alvo de críticas severas de moralistas e educadores da época:“não convinha o adulto se acomodar à leviandade da infância; este fora o erro antigo. Era preciso antes conhecê-la melhor para corrigi-la, e os textos do século XVI e XVII estão cheios de observações sobre a psicologia infantil. Tentava-se penetrar na mentalidade das crianças para melhor adaptar a seu nível os métodos de educação” (Ariès, 1981; p. 163).

Estas críticas geraram um novo sentimento da infância que influenciou toda a educação até o século XX (Ariès, 1981). A criação de uma literatura voltada para as crianças foi uma manifestação deste novo sentimento.

 

O surgimento das histórias em quadrinhos

Contar histórias através de desenhos é algo de que se encontra vestígios desde a pré-história. As pinturas rupestres, feitas há aproximadamente 20.000 anos e que narram (possivelmente) rituais relacionados à caça, são consideradas por muitos autores precursoras das histórias em quadrinhos (ex. Bibe-Luyten, 1993; Marny, 1988; Ferro, 1987).

Histórias contadas através de desenhos são encontradas nas paredes das grandes pirâmides do Egito e no livro dos Mortos, também escrito no antigo Egito, relatando as diferentes fases do percurso da alma até o além. Encontra-se, também, na descrição dos feitos mitológicos na cerâmica da Grécia ou nas paredes da “Villa dei Misteri” em Pompéia. Também encontram-se vestígios dessa arte na Idade Média, por exemplo, a famosa tapeçaria de Bayeux, feita no final do século XI, com quase setenta metros de comprimento, descrevendo a conquista da Inglaterra pelos Normandos (Ferro, 1987).

Tal como as conhecemos hoje, as histórias em quadrinhos só vão surgir na metade do século XIX, acompanhando os avanços tecnológicos da imprensa e o desenvolvimento do jornal. “Les Amours de Monsieur Vieux-Bois”, publicada em 1837, escrita e desenhada por Rodolphe Topffer (1799-1846), professor da Universidade de Genebra, é considerada a primeira história em quadrinhos. A história “Little Bears and Tykes”, desenhada por James Swinneston e editada em 1892 pelo Jornal San Francisco Examiner, é considerada a primeira história em quadrinhos americana (Ferro, 1987; Moya, 1993).

A origem das histórias em quadrinhos na Europa apresenta características diferentes da sua origem nos Estados Unidos. Ao contrário das primeiras histórias européias, que apareceram em álbuns e folhas volantes com uma pequena tiragem e só posteriormente publicadas em periódicos, os quadrinhos americanos foram desde o início publicadas em suplementos dominicais de jornais com tiragens muito elevadas (cerca de um milhão de exemplares). Também, ao contrário das histórias européias, desde o início destinadas às crianças, as americanas eram destinadas ao público adulto e, por serem editadas em jornais, apresentavam qualidade técnica inferior (Ferro, 1987).

A proliferação das histórias em quadrinhos aconteceu com o surgimento do jornal humorístico ilustrado, também no século XIX. Naquela época, mais da metade da população da Europa era analfabeta e, segundo Ferro (1987), “... é lógico que muita gente que lia mal ou não sabia ler preferisse, ao jornal apenas com texto, aquele que trazia ilustrações e, até mesmo, histórias e notícias contadas através do desenho (banda desenhada)” (p. 29).

“As aventuras de Nhô Quim” de Angelo Agostini, publicadas pela primeira vez em 30 de janeiro de 1869, na revista Vida Fluminense do Rio de Janeiro, foi a primeira história em quadrinhos brasileira. Ela contava “... as surpresas e as desventuras de um homem simples do nosso interior” (Cirne, 1990; p. 16). Agostini, cartunista italiano radicado no Brasil, escreveu e desenhou estas aventuras no clima das idéias abolicionistas e republicanas. Mas tais histórias ainda não traziam os balões e onomatopéias, características das histórias em quadrinhos atuais.

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