O PROCESSO DE TRABALHO DE FORMADORES EM UMA UNIDADE PRISIONAL DA ASSOCIAÇÃO DE PROTEÇÃO E ASSISTÊNCIA AOS CONDENADOS NO ÂMBITO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR E SOCIAL
Por: Renan Barbosa • 19/7/2020 • Artigo • 2.674 Palavras (11 Páginas) • 218 Visualizações
O processo de trabalho de formadores em uma unidade prisional da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados no âmbito da educação escolar e social.
BARBOSA, Renan Senra. UFMG *
FIDALGO, Fernando S Rocha. UFMG **
Introdução
O plano em questão apresenta-se como um recurso de pesquisa sobre a Educação de Jovens e Adultos em prisões, por meio do qual pretendemos desvelar experiências educacionais e, especialmente, o desempenho de formadores em atuação nesse contexto. Optamos por focar nossa pesquisa em uma unidade prisional da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados - APAC, que reúne entidades que, de acordo com a legislação penal, atuam em regime de cooperação com a justiça e com a comunidade colaborando na execução penal, no tratamento e nas ações pertinentes à inclusão social. O sistema APAC é considerado incomum quando comparado ao sistema prisional gerido pelo poder executivo estadual, pois seus espaços não têm o controle de guardas armados e onde o acesso à educação é instrumento de caráter fundamental para a mobilidade e para a qualificação para o trabalho e a liberdade.
Pretendemos compreender como são efetivadas as ações educacionais destinadas à educação ampla dos que se encontram custodiados, de forma a identificar ações inerentes à educação nas APACs, principalmente à Educação de Jovens e Adultos e aos elementos pertinentes à educação social². Cabe-nos evidenciar as dimensões essenciais do trabalho educacional, da educação em prisões e do universo da execução penal. Consideramos a garantia dos direitos fundamentais às pessoas submetidas à sanção penal no Brasil, especialmente em privação de liberdade, é um grande desafio, devido às precárias condições em que cumprem pena de privação e às densidades populacionais verificadas nas unidades de custódia [1], à intensa política de encarceramento no Brasil, à escassez de vagas e às violências institucionais, dentre outras.
Em estudos realizados em 2016 ³, foram levantadas 2.835 unidades de custódia consideradas válidas (ou ativas) pelo judiciário, localizadas em 2.132 cidades, com 660.024 pessoas custodiadas nos diversos dispositivos da administração prisional, das polícias civis e unidades de gestão comunitária. (FIGUEIREDO, 2017, p. 30). As pessoas submetidas a sanções penais são, em sua maioria (61%), pobre da raça negra, com predomínio (55%) de jovens entre 18 e 29 anos de idade, de baixa escolaridade, sendo 9,7% deles analfabetos ou semi-alfabetizados e 49,6 % deles com ensino fundamental incompleto, abaixo de 04 anos. Apenas 14,8 % desses jovens detêm o ensino fundamental completo. Tais dados confirmam que as populações que traziam em si marcadores de desvantagens sociais, como cor, origem social, escolaridade e baixa condição econômica eram também mais facilmente indiciadas e encarceradas pelo sistema de justiça criminal, que aponta ainda que no universo de custodiados somente 13% estão sendo escolarizados (MJ, 2015, p. 59) e segundo o Conselho Nacional de Justiça, 40 % deles são presos provisórios.
Contrastando com a realidade do sistema prisional convencional largamente exposta com anúncios de evasões, rebeliões, reincidências e mortes em unidades superlotadas, encontramos na APAC um campo de atuação de docentes formais e não formais que muito nos interessa compreender. Para efeito desta investigação, queremos estabelecer por docentes aquelas pessoas que praticam tanto a educação escolar como a não escolar. De um lado temos a Lei de Execução Penal – LEP (Lei 7210/84 BRASIL, 1984), que prevê a colaboração de entidades civis de direito privado sem fins lucrativo, consideradas partícipes importantes no sistema de execução penal. A LEP preconiza que “o Estado deverá recorrer à cooperação da comunidade nas atividades de execução da pena e da medida de segurança”. De outro lado temos a APAC que se destaca por suas experiências colaborativas relevantes, desde sua criação na década de 1970, em São José dos Campos - SP, por pessoas ligadas a grupos de apoio jurídico à população prisional e a membros da Pastoral Carcerária Católica, hoje em movimento crescente também em países como Chile, Costa Rica e Colômbia, por exemplo.
Quanto ao êxito do trabalho dessas unidades, a julgar pelo retorno à criminalidade, algumas pesquisas recentes confirmam reduzido índice de reincidência das APACs, como Braga (2017, p. 38), que afirmou que menos de 10% dos seus egressos, ou recuperandos, cometiam novos crimes, e Muhle (2013, p. 9), em seu estudo etnográfico nos contextos das APACs, que destacou que a reincidência média nesse modelo era de 8%, contra 70% do sistema convencional.
A Lei 7210/84, a Lei de Execução Penal (BRASIL, 1984) define que o objetivo da execução penal é efetivar as disposições de sentença ou da decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado, dispondo ainda sobre a assistência à pessoa custodiada, no objetivo de “prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade”. Esta Lei contempla ainda a assistência material, a atenção à saúde, a assistência jurídica, social e religiosa, o apoio ao egresso e ao trabalho, além de normatizar sobre a assistência educacional.
Na perspectiva da ampliação e qualificação da educação em prisões, o Decreto nº 7.626/2011 visa à oferta de educação básica, na modalidade de educação de jovens e adultos (EJA), à educação profissional e tecnológica e à educação superior às pessoas custodiadas no sistema prisional. Suas diretrizes, segundo o art. 3º, correspondem à necessária reintegração social e à integração de instâncias responsáveis pela educação e pela execução penal.
Em Minas Gerais (MG, 2018), a Secretaria Estadual de Educação (SEDUC) mantém um convênio com a Secretaria de Administração Penitenciária (SEAP), para dispor educadores da rede estadual de ensino para as atividades junto aos custodiados.
Entretanto os dados da realidade atual têm demonstrado que a oferta de ações e programas educacionais em prisões ainda não é tão abrangente. De acordo com o MJ (2015, p. 60), a população custodiada em Minas Gerais e que participava da escolarização oficial, foi estimada em 10% (abaixo da média nacional de 13% no período). Por sua vez, de acordo com a FBAC (2018), havia, nas unidades da APAC de MG, 58% de recuperandos regularmente matriculados em programas de escolarização.
No sentido da ressignificação da educação como espaço pedagógico, o tema que nos motiva para esta pesquisa é a busca do entendimento da atuação de educadores como agentes de mudança social num universo de diálogos intersaberes, a exemplo de Paulo Freire e também na perspectiva da educação social. Nosso intento é também verificar em que medida esse educador percebe as demandas dos sujeitos internos e beneficiários e como realiza a intervenção (ou mediação) de caráter educativo, num contexto prisional paradoxal que se contrapõe ao modelo penal convencional, embora pautado na perspectiva do sistema educacional estadual.
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