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As Escarificação e Motivações

Por:   •  13/6/2024  •  Pesquisas Acadêmicas  •  3.919 Palavras (16 Páginas)  •  58 Visualizações

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INSTITUTO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE BRASÍLIA – IESB

FERNANDA S. DE MATOS

LAILA L. V. DE MELO

LETÍCIA COLOMBO

MARIA CLARA DE L. R. FERREIRA

RAYSSA C. O. DE QUEIROZ

ESCARIFICAÇÃO NA ADOLESCÊNCIA: FATORES MOTIVACIONAIS

BRASÍLIA/2017

1. INTRODUÇÃO

De acordo com Jatobá (2010), escarificação vem do latim scarificare, que significa fazer um corte superficial na pele. É o ato do sujeito de fazer uma incisão intencional na pele por meio de um instrumento cortante - compasso, vidro, navalha, faca, entre outros -, com o objetivo de fazer uma marca no corpo, sem existir, necessariamente, a inscrição de uma imagem ou outro elemento. De acordo com Gauthier (2012) citado por Vilhena (2016), estudos epidemiológicos têm mostrado que os comportamentos de automutilação aumentaram consideravelmente nos últimos 30 anos. Esses atos costumam surgir na adolescência, podendo ou não estender-se por um período curto. No passado, adolescentes que se automutilavam eram, geralmente, psicóticos, deficientes intelectuais ou autistas, o que não se aplica mais.

A adolescência é um tema que tem sido cada vez mais estudado na Psicanálise como uma fase de transição da infância para a fase adulta, sendo por muitos, experimentada com sofrimento e aflição. Le Breton (2010) aponta que muitos adolescentes, diante da avalanche de emoções experimentadas nessa fase, cometem violências ao próprio corpo. O adolescente sente-se feio, desajeitado, preso em um corpo que não é seu, e diante disso, sente dificuldades em lidar com tantas mudanças, buscando contenções no mundo em que estão inseridos, e muitas vezes acabam encontrando essa contenção na dor e no sofrimento do próprio corpo.

Nota-se também que o ato de escarificação está relacionado com a busca pelo olhar do outro, e isso é algo que pode ser observado na escuta clínica. As passagens ao ato - momento em que são realizados os cortes -, geralmente são endereçadas a alguém. Os adolescentes não procuram apenas um simples olhar do outro, mas sim um olhar afetivo, não apenas externo, um olhar que produz a experiência de se sentir visto como um objeto diferenciado dos outros (Andrioli, 2015).

        Há também a falta de controle da impulsividade, que é muito comum na adolescência, e pode ser visto como fator motivador para a escarificação. De acordo com Levisky (2002), o aparelho psíquico é capaz de suportar certa quantidade de pressão externa e resultante das necessidades e desejos. Ao ser ultrapassado esse limiar, há uma descarga contra o próprio corpo ou contra o meio externo, então realizam-se atos impulsivos, explosivos, impensados, na busca de um novo equilíbrio psíquico. A pessoa, involuntariamente, pode reagir com indiferenças ou descargas explosivas contra si ou contra o meio.

No entanto, de acordo com Jatobá (2010) apoiada em Le Breton (2007, 2010), o sentimento de desespero e falta de esperança presentes nas tentativas de suicídio, que é um método letal, não são encontrados em adolescentes que praticam a automutilação. O que acontece nesses casos é uma sensação de alívio psicológico, ou seja, o sujeito que se escarifica não está tentando pôr um fim na própria vida, mas sim tentando aliviar uma dor que ele julga insuportável.

Para a Psicanálise, segundo Jatobá (2010), o sujeito adolescente, além das questões acerca das mudanças fisiológicas, ainda está em confronto com o que diz respeito à subjetividade. É um reencontro com o sexual, um momento de separação frente à partilha dos sexos, sendo assim, o adolescente é convocado a fazer suas próprias escolhas, tornando-se assim, responsável pelo seu gozo. Há ainda a questão narcísica que, de acordo com Ramos (2004), é um modo do funcionamento egóico. Um investimento sobre o próprio Eu em contraste com o investimento no mundo objetal. Sem essa síntese ego-narcísica, a sobrevivência do sujeito está comprometida, pois esta dá um nuance ao desenvolvimento.

A família também tem um lugar fundamental nessa fase do desenvolvimento, e segundo Scabini (1992) citado por Pratta & Santos (2007), é inevitável que surjam eventos que mexam com a estrutura familiar, eventos que podem ser previsíveis ou imprevisíveis, mas que afetam os seus membros e podem trazer sofrimento de forma subjetiva para cada um, fazendo com que estes utilizem os recursos disponíveis para lidar com os conflitos.

Segundo Le Breton (2010), a escarificação é uma espécie de homeopatia simbólica, é uma maneira de o adolescente se livrar do que o está causando sofrimento em dado momento. De acordo com entrevistas, após a passagem ao ato, o sujeito experimenta uma calma temporária, uma sensação de relaxamento, e às vezes, até mesmo uma leve sensação de alegria. Diante desse alívio, o adolescente pode recolocar-se de pé, sem as tensões que antes o estavam levando ao caos. Todos esses sentimentos, obviamente, são temporários, e é uma questão de tempo até que os sentimentos de desamparo, desespero e sofrimento retornem.

Na experiência clínica, segundo Jatobá (2010), os adolescentes que se escarificam são diagnosticados com muita frequência com determinados transtornos, como os de personalidade e os depressivos, que em geral, vêm acompanhados do tratamento com psicofármacos que, de acordo com relatos, produzem certo alívio do sintoma, uma calma temporária, sensação de relaxamento e prazer, que são experimentados por um breve período.

Apesar de a Psicanálise ter seu nascimento na medicina, Freud rompeu com a lógica médica desde o início, construindo uma maneira própria de enxergar através da Psicanálise, maneira esta que privilegia a fala do sujeito. Enquanto o sintoma tem um significado patológico para a medicina, para a Psicanálise ele tem um significado mais profundo, constitui-se como um sinal do sujeito. Embora, muitas vezes, seja necessário o diagnóstico para auxiliar no tratamento, um diagnóstico mal feito pode vir a atrapalhar o processo de remissão do comportamento de escarificação. É necessário, também, um cuidado maior na hora de diagnosticar crianças e/ou adolescentes, uma vez que estes ainda estão com sua personalidade em formação, e no que diz respeito ao comportamento de escarificação, cerca de 80% dos casos que chegam à clínica psiquiátrica saem com o diagnóstico de transtorno de personalidade (Jatobá, 2010).

Muitos pais desesperados diante de um problema tão assustador como a escarificação, já que o ato de cortar a própria pele, muitas vezes, significa romper com a sacralidade social do corpo, vão em busca somente de ajuda psiquiátrica. No entanto, o adolescente que se escarifica, na maioria dos casos, não busca um olhar médico ou uma ajuda hospitalar, na verdade, o que ele precisa é de um outro que o entenda em sua totalidade, alguém que esteja disposto a entender sua queixa melhor do que outros e que não o julgue ou que tente convencê-lo de que cortar o próprio corpo é errado, pois disso ele tem conhecimento. O ato de se escarificar pode ser uma busca por reconhecimento e uma compreensão de que esses comportamentos provêm de um sofrimento intenso (Le Breton, 2010).

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