O quarto de Jack: Uma análise crítica a partir da perspectiva histórico-dialética

UNIPAR-UNIVERSIDADE PARANAENSE

RODRIGO CLARO       RA:00191369

O QUARTO DE JACK: Uma análise crítica a partir da perspectiva histórico-dialética

Setembro/2018

   O quarto de Jack (2015) é um filme  dirigido por Lenny Abrahamson ( Frank ) e escrito por Emma Donoghue, que o adaptou de seu romance indicado por Booker em 2010, inspirado no caso real de Fritzl, de uma mulher que deu à luz várias crianças em cativeiro.” A história começa mostrando Ma com seu filho Jack vivendo em uma pequena sala com uma janela  no telhado, sem vista do mundo exterior.. Logo fica claro que Ma e Jack estão presos e que Jack nasceu naquele quarto. Jack não conhece outro mundo fora da sala e a hora da televisão que ele conhece. Se Jack tiver cinco anos, Ma decide que eles precisam fugir.  Como Jack não conhece outro mundo além do quarto, Ma não lhe contou sobre o mundo exterior. A única coisa que Jack vê fora do quarto é o céu através da clarabóia. Para protegê-lo, no entanto, Ma diz a ele que a comida trazida pelo seqüestrador  surge  magicamente. Jack aceita o mundo como ele o conhece, com não mais do que os objetos presentes no cômodo e alguns ornamentos decorativos feitos por sua mãe. Quando Jack completa cinco anos de idade, Ma decide que ele tem idade suficiente para escapar. Para fazer isso, no entanto, ela deve dizer a ele que há muito mais lá fora do que  conheceu até agora pela” caixa mágica”, referindo-se a televisão . Há um espaço fora das paredes, um conceito que Jack absolutamente não aceita. O filme ganha uma segunda perspectiva quando Jack e Ma realmente conseguem escapar. E então Jack vê coisas que nunca viu antes: ruas, carros, casas. Coisas que ele sabe sobre a TV, mas nunca pensou ser real. A partir daqui, o filme não é mais sobre fuga, mas como você tem que se adaptar a um mundo do qual você não faz parte há tanto tempo.Trata-se, portanto, de um filme que fala mais do que sobre um seqüestro, mas também sobre como o mundo é percebido com base nas experiências e observações individuais, dentro de um contexto histórico e cultural oportunizado.

    Podemos observar, então, a partir desse contexto peculiar apresentado, alguns aspectos importantes do desenvolvimento psíquico humano. Para tal, partimos das proposições de Vygotsky,  Elkonin e Leontiev sobre a periodização da ontogênese humana , consideradas de grande importância teórico-prática para a psicologia histórico cultural, uma vez que,  evidenciam o caráter histórico e dialético do desenvolvimento humano, superando a visão naturalista do desenvolvimento psicológico humano. Segundo Pasqualini (2009. pg 33):

Vigotski, Leontiev e Elkonin viam o desenvolvimento infantil como fenômeno histórico não determinado por leis naturais universais, mas intimamente ligado às condições objetivas da organização social, sendo fundamental considerar o lugar ocupado pela criança nas relações sociais e as condições históricas concretas em que seu desenvolvimento se desenrola.

 Os autores abordam também sobre a periodização do desenvolvimento, porém concebiam o como fenômeno histórico não determinado por leis naturais universais, mas intimamente ligado às condições objetivas da organização social. Sobre o desenvolvimento do psiquismo infantil, Leontiev,  afirma que o conteúdo dos estágios e sua seqüência cronológica podem variar de um indivíduo para outro, visto que o conteúdo dos estágios é determinado pelas condições históricas concretas. Portanto, não é a idade que determina o conteúdo do estágio do desenvolvimento, mas “os próprios limites de idade de um estágio, pelo contrário, dependem de seu conteúdo e se alteram pari passu com a mudança das condições histórico-sociais” Leontieve (2001, pg.65-66) apud Pasqualini (2009, pg.33)

   Elkonin e Leontiev  afirmam também  que os diferentes  estágio de desenvolvimento na infância, são caracterizados por por uma atividade principal, e que, é por meio desta que a criança se relaciona com a realidade e em cada estágio  formam-se nela necessidades psíquicas específicas.

   Isto posto, olhamos  agora para o caso de Jack, e podemos identificar alguns aspectos em seu desenvolvimento que podem ser explicados à partir de tais conceitos.  Jack que passou toda sua infância enclausurado num quarto sem acesso ao mundo externo, e tudo que ele conheceu, manteve contato e  interagiu, foram com alguns objetos,brinquedos e sua própria mãe.  Embora tenha sido privado da escola, a mãe de Jack ensinou-o a ler e o estimulou dentro do possível, com leituras e histórias. No filme, vemos algumas cenas Jack brincando com o carrinho de controle remoto, reproduzindo aquilo que  ele via na tv. Este fato, corrobora com o que afirma Elkonin sobre o período da pré-escola, que, nessa fase em que se encontra Jack, a atividade principal é  a brincadeira, e através dela, portanto, ele amplia  sua consciência do mundo objetivo. Porém, é notório que há uma certa dificuldade Jack em compreender aquilo que não está acessível. Quase tudo que é inacessível por via de um objeto mediador, não compõe a sua realidade e é visto como imaginário, ou inexistente. Quando por exemplo Jack assiste a televisão, podemos perceber sua dificuldade em separar o real do virtual, e  ambos se confundem. Isso se dá ao fato de que não lhe foi oportunizado a mediação teórica sobre a realidade, nem acessibilidade a outros ambientes. Ma sua mãe o privou de certo modo de saber o que havia no mundo exterior para talvez não criar nele expectativas que porventura pudesse jamais serem atendidas. Tudo que Jack aprendeu, obviamente, foi oportunizado e mediado por sua mãe apenas.  Desta forma, quando ele consegue sair do seu aprisionamento e se depara com o ambiente externo, poucas coisas parecem fazer sentido ou ter significado, pois, seu psiquismo foi todo moldado dentro dos limites do seu pequeno quarto e com o que sua mãe pode oferecer dentro daquela condição.