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PSIQUIATRIA CULTURAL DO USO RITUALIZADO

Por:   •  24/10/2018  •  Projeto de pesquisa  •  4.202 Palavras (17 Páginas)  •  240 Visualizações

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

Título do Projeto

PSIQUIATRIA CULTURAL DO USO RITUALIZADO DE UM

ALUCINÓGENO NO CONTEXTO URBANO: II. UM FOLLOW-UP DOS EFEITOS PSICOLÓGICOS DO USO DA AYAHUASCA NO SANTO DAIME E NA UNIÃO DO VEGETAL EM MORADORES DE

SÃO PAULO

Nº 002201700333

Aprovado pelo CONSEPE em 29/04/2003        

Coordenador/E-mail: Paulo César Ribeiro Barbosa/ pcesarr@yahoo.com.br

Autor(es)/E-mail: Paulo César Ribeiro Barbosa/  pcesarr@yahoo.com.br

Equipe/E-mail:  

Área de conhecimento/CNPq: Psiquiatria

Tempo de execução: 2 anos

Local de execução: UESC

Ilhéus 18/10/2002


RESUMO

O presente projeto visa analisar e interpretar dados já coletados sobre avaliações psicológicas e psiquiátricas de uma amostra de 28 sujeitos que fizeram, pelo menos em uma ocasião, uso ritual da beberagem ayahuasca no contexto do Santo Daime ou da União do Vegetal. Trata-se de uma investigação que dá continuidade à dissertação de mestrado em Saúde Mental “Psiquiatria Cultural do Uso Ritual da Ayahuasca no Contexto Urbano”, defendida em agosto de 2001. Naquela ocasião, foram expostos os resultados de uma investigação cujas avaliações dos sujeitos deram-se dois dias antes (tempo 0 ou T0) e sete dias após (tempo 1 ou T1) a primeira experiência com o uso ritual da ayahuasca (Barbosa, 2001). Agora, objetiva-se a análise de dados coletados entre seis e nove meses após aquela primeira experiência (tempo 2 ou T2).

O delineamento da pesquisa consiste em um follow-up no qual uma amostra de 28 sujeitos que experimentaram a ayahuasca na União do Vegetal (9 sujeitos) ou no Santo Daime (19 sujeitos) será avaliada em uma série de parâmetros psicossociais e psicológicos. O momento da primeira avaliação, ou seja, dois dias antes da primeira experiência com a ayahuasca foi denominado tempo 0 ou T0; o momento da segunda avaliação, que compreende a semana subseqüente àquela primeira experiência, foi denominado tempo 1 ou T1. Estes dois momentos foram analisados na referida dissertação de mestrado. O presente projeto concentrará a análise dos dados coletados no terceiro momento da avaliação, que é o tempo 2 ou T2, o qual refere-se ao período decorrente entre a segunda e a terceira avaliação.

Palavras-chave: psiquiatria, antropologia, ayahuasca, religião.

INTRODUÇÃO E REVISÃO DE LITERATURA

A ayahuasca é uma beberagem cujos principais alcalóides - dimetiltriptamina, harmina e harmalina - são enquadrados na categoria de substancias alucinógenas (Kaplan & Sadock, 1993; Stahl, 1998). A ingestão ritual dessa beberagem para fins religiosos é largamente documentada entre populações ameríndias e caboclas do oeste amazônico (Dobkin de Rios, 1989; Reichel-Dolmatoff, 1975). Seu uso entre populações urbanas é um fenômeno relativamente novo. O Santo Daime e a União do Vegetal são as principais religiões que veiculam o uso da ayahuasca neste contexto. Trata-se de religiões sincréticas, cujos eixos doutrinários centram-se na crença na reencarnação e na prática do uso regular da ayahuasca como veículo de desenvolvimento espiritual (MacRae, 1992; Brissac, 1999).

Na referida pesquisa concernente à dissertação de mestrado, constatou-se que na semana seguinte à primeira experiência ritual com a ayahuasca grande parte dos sujeitos apresentou uma sensível melhora no estado emocional - consubstanciada na mitigação de sintomas psiquiátricos menores - e mudanças “positivas” em atitudes, que envolveram maior tranqüilidade e assertividade frente a vetores diversos de estresse. Tais mudanças estiveram nitidamente associadas a configurações únicas dos estados de consciência produzidos pela intoxicação pela ayahuasca em contexto ritual. Estas configurações consistiram em alterações estruturais do campo de consciência e combinaram, em diferentes graus segundo diferentes sujeitos, características de tipos de experiências místicas diversas - traços de estados xamânicos, meditativos, yogues e de misticismo cristão[1]  - as quais os sujeitos atribuíam freqüentemente qualidades de insights reveladores sobre problemáticas diversas, o que confirmaria estudos e pesquisas anteriores que atribuem ao uso de substancias alucinógenos efeitos místicos terapêuticos e transformadores (Osmond, 1957; Pahnke & Richards, 1971; Unger, 1963).

Entretanto, constatou-se em um dos sujeitos que estas configurações exibiram traços que se aproximam de estados psicóticos[2], envolvendo sofrimento extremo em associação à ausência de capacidade de julgamento acerca da veracidade de ideações e percepções extremamente angustiantes cujo fluxo fugia totalmente ao controle do experiente. Tal fato levanta sérias indagações sobre eventuais efeitos adversos à saúde mental, uma vez que já se constatou nítidas associações entre experiências emocionalmente dolorosas e aflitivas ocasionadas pela intoxicação por alucinógenos e subseqüentes internações e tratamentos psiquiátricos (Ditman et al, 1968).

Além disso, formas menos intensas de prejuízos na capacidade de julgamento foram verificadas em vários sujeitos. Estes prejuízos envolveram acentuados graus de sugestionabilidade que estiveram significativamente associados à atribuição de status de verdades incontestáveis às cognições ocorridas durante o estado intoxicado. Isto se constitui em um forte indício de que a atribuição das “qualidades de insights reveladores sobre problemáticas diversas” aos estados de consciência induzidos pelo uso da ayahuasca decorreriam mais da hipersugestionabilidade típica de estados alterados de consciência (Ludwig, 1966) do que de qualidades intrínsecas das cognições que ocorrem durante a intoxicação pelo psicoativo.

Tal constatação introduziria sérios questionamentos às sugestões feitas por estudos psiquiátricos e antropológicos de que o uso ritual da ayahuasca produz, mediante a integração no cotidiano de insights vivenciados durante os estados alterados, melhoras duradouras no quadro psicológico e na saúde mental (Couto, 1989; Grob, 1996). Em nossa dissertação de mestrado, foi apontado o fato de que as referidas “melhoras” nos quadros psicológicos - mais tranqüilidade e assertividade - dos sujeitos após a primeira experiência com a ayahuasca apresentavam-se freqüentemente como vivências residuais do quadro de intoxicação, que tendiam a esvair-se com o passar dos dias (Barbosa, 2001). Esta observação depõe contra as teses de integrações de insights e experiências místicas genuinamente transformadores, e a favor de que grande parte daquelas “melhoras” dever-se-iam a um fascínio localizado e passageiro pela experiência alucinogênica, decorrente em grande parte do intenso componente sugestivo dos estados alterados.

A análise dos dados coletados entre seis e nove meses após a primeira experiência com a ayahuasca afigura-se como um importante passo na contribuição para a resposta das questões levantadas pela nossa dissertação de mestrado e pelos supracitados trabalhos científicos sobre o uso ritual da ayahuasca nos contextos da União do Vegetal e do Santo Daime: quais seriam as conseqüências em longo prazo do uso da ayahuasca?; Seria duradoura a melhora do quadro psicológico dos sujeitos que experimentaram o alucinógeno?; Os estados de consciência induzidos pelo uso ritual da ayahuasca propiciariam de fato insights os quais, ao serem integrados na vida do experiente, operariam mudanças positivas duradouras em seu quadro psicológico?; Haveria, ao longo do tempo, efeitos adversos associados a esta experiência?

A extensão da pesquisa de uma investigação circunscrita à primeira experiência ritual com a ayahuasca e suas conseqüências na semana seguinte para uma investigação que cobre o período de sete a nove meses após esta experiência introduz dois importantes elementos a serem analisados: primeiro, neste período há sujeitos que fazem uso da ayahuasca repetidas vezes nos contextos rituais do Santo Daime ou da União do Vegetal; segundo, ocorrem inserções de alguns sujeitos nos universos sócio-culturais destas religiões. Há variações tanto no número de repetições de experiências com a ayahuasca - de uma vez até mais de uma dezena - quanto na intensidade com que diferentes sujeitos se inserem nos settings sócio-culturais daimistas/udivinos - desde simpatias com alguns aspectos doutrinários e contatos esporádicos com membros das religiões até inserções “completas” nestas, envolvendo assunções dos aspectos doutrinários e filiações institucionais ao Santo Daime ou União do Vegetal.

As inserções nestes settings sócio-culturais implicam a extensão da investigação aos importantes aspectos psicológicos dos processos sociais de conversão aos denominados “novos movimentos religiosos”, processos estes que, segundo Galanter (1989) envolveriam mecanismos persuasivos nos quais se combinariam tanto interações e aprendizagens sociais quanto práticas de alteração da consciência.

OBJETIVOS

1 - Objetivo geral

. Investigar conseqüências psicológicas do uso da ayahuasca nos contextos rituais do Santo Daime e da União do Vegetal

2 - Objetivos específicos

. Verificar se as significativas mudanças e “melhoras” no quadro psicológico do sujeito na semana subseqüente à primeira experiência com a ayahuasca se mantém após 7/9 meses.

. Verificar se há indícios de efeitos adversos à saúde associados ao uso da ayahuasca.

. Verificar associações entre efeitos psicológicos e diferenças na freqüência de experiências com a ayahuasca e diferenças em padrões de inserção no contexto sócio-cultural do Santo Daime ou da União do Vegetal.

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