REFLEXÃO SOBRE O LIVRO “O SER DA COMPREENSÃO: FENOMENOLOGIA NA SITUAÇÃO DE PSICODIAGNÓSTICO” DA AUTORA MONIQUE AUGRAS
Por: CarlaBruce • 3/6/2015 • Resenha • 2.038 Palavras (9 Páginas) • 1.774 Visualizações
REFLEXÕE SOBRE O LIVRO “O SER DA COMPREENSÃO: FENOMENOLOGIA NA SITUAÇÃO DE PSICODIAGNÓSTICO” DA AUTORA MONIQUE AUGRAS
Os Outros
O mundo de um modo geral é um mundo de coexistência para os homens, onde eles se constituem através de suas relações sociais. Considerando essas relações, a psicanálise nos mostra um tipo de relação possível de cunho objetal, onde o Outro se torna uma propriedade, um objeto nessas inter-relações. A psicoterapia, independente da abordagem, propõe que o sujeito saiba lidar com esses “Outros” que fazem parte de seu convívio dissolvendo essa perspectiva da relação objetal que muitas vezes é causadora de sofrimento.
Compreender os Outros significa se encontrar dentro de um meio social. Heidegger, ao explicar o Ser no mundo, nos diz que mesmo estando só o Ser no mundo é ser com os outros. O estado de solidão, de estar privado da presença do Outro nos remete a uma compreensão da existência alheia, no sentido do ser da coexistência. “A relação ontológica com o outro torna-se então uma projeção “dentro do outro” da relação ontológica de si para si. O outro é um duplo de si” (p. 56). Reconhecer essa coexistência nos remete a compreensão de si, porém de uma forma que pode ser marcada pela estranheza. O outro fornece uma imagem para construir a imagem de si, porém essa imagem comporta uma parte de alteridade. Algumas questões individuais mal resolvidas veem da dificuldade de lidar com essa alteridade e de integrar a duplicidade de ser idêntico e outro.
Estudar o modo de coexistência implica em examinar a duplicidade individual em seus diversos aspectos que podem contribuir para revestir o outro dentro de si. A autora relaciona esse encontro entre o sujeito e sua alteridade em seu contato com um espelho, onde ele identifica seu próprio corpo através do reflexo, porém é necessário certo cuidado nesse reflexo, pois é possível observar a existência de um duplo imaterial, idêntico e contudo inverso (p 58). Em relação a essa duplicidade, Augras faz um paralelo com o sonho. O espelho funciona como uma porta que se abre para o outro mundo, porém é um mundo misterioso tal como os sonhos, que dão vida a seres que não existem. Espelho, sonho, morte, três fontes de angústia, três mensagens de ambiguidade, asseveram ao homem que ele é duplo, idêntico e outro, real e irreal (p. 59).
A compreensão dos sonhos tornou-se objeto de análise da psicoterapia. A psicologia clínica preocupou-se em estudar o conteúdo do sonho, porém o que se deve considerar é o relato do sujeito. Na perspectiva fenomenológica o significado dos sonhos está na elaboração desse relato, onde é possível visualizar o sujeito retratando a sua realidade. Próximo a essa colocação, Jung nos traz
“O sonho é aquilo que é, inteiramente e unicamente aquilo que é; não é uma fachada, não é algo pré arranjado, um disfarce qualquer, mas uma construção completamente realizada” (p. 60).
A psicanálise freudiana compreende o significado do sonho levantando uma hipótese do inconsciente. Jung, que também se apropria da existência de um inconsciente que é comum a todos os homens chega a uma parodoxal conclusão de que não existe conteúdo de consciência que de outro ponto de vista não seja inconsciente (p. 61). Para a autora, compreender os sonhos depende do próprio observador. Segundo ela
Para a fenomenologia, a compreensão situa-se no intérprete e não no fenômeno. O sonho não é absurdo nem confuso. Confuso é o entendimento do intérprete. A ambiguidade não se deve apenas a uma possível limitação intelectual, ou a uma dificuldade intrínseca de abranger a totalidade do real. Prende-se também a causas existenciais. Em última análise, o desafio da compreensão fundamenta-se na dialética do duplo, origem da explicitação do mundo, e logo, da linguagem (p. 61).
Podemos compreender que a função do sonho é apontar para uma realidade do sujeito. Enquanto ele relata seu sonho, conseguimos observar a riqueza de sua vida imaginária e isso contribui para o processo terapêutico.
Augras aponta a máscara (consideração Jungiana) como uma faceta da duplicidade que permeia o existir humano. No contexto social, a função dessa máscara seria de identificação e aproximação do sujeito com os demais. Algumas vezes essa máscara funciona com o outro substituído ao sujeito, quando esse perde sua identidade em meio aos padrões sociais, que determinam uma imagem estereotipada de beleza, por exemplo. A máscara, por vezes, reforça os desajustes individuais e ocasiona neuroses nesses sujeitos. A esse domínio total, a autora chama de loucura e complementa
Mas há também outro tipo de alienação: é aquele que recusa a própria alteridade. Para perceber o outro em sua multiplicidade, é preciso aceitar-se como outro. A angústia decorrente da revelação da ambiguidade existencial, fundamentada que está na especificidade real-irreal humana, e apoiada na difícil aceitação da liberdade para a morte, faz do auto (hetero)-reconhecimento um processo dilacerante. A cultura contemporânea impinge máscaras e transforma “os outros” em massa, quando os meios de comunicação se revelam meios de alienação (p. 69).
Diante disso, a perspectiva fenomenológica busca resgatar esse sujeito compreendendo sua multiplicidade e considerando que essa se constrói mediante a um processo constante de reformulações que proporcionam novas vivencias e novas máscaras para esse sujeito. O homem está em constante processo de construção de sua individualidade e em alguns momentos ele a expressa através da linguagem e através da obra de arte, a qual retrata sua transcendência e sua auto criação.
A Fala
Compreender o que acontece no existir humano é compreender até que ponto do seu ser o existente se encontra consigo mesmo (p. 75). Ou seja, para compreender o mundo é preciso interpretá-lo e isso significa elaborar um conjunto de signos que proporcionem uma significação humana. Ao descrever o mundo, o homem retrata-se a si próprio (p. 75) e a partir dessa descrição podemos descrever o homem. Existe uma ambiguidade nessa criação de símbolos e sobre isso a autora nos traz
[...] Eis a profunda ambiguidade do relacionamento que o homem estabelece com o mundo e consigo próprio. Constrói sistemas simbólicos que têm a propriedade de transformar o real imediato em conjunto de abstrações, mas essa transfiguração é requisito indispensável para atuar sobre a realidade (p. 76).
Para Heidegger, o discurso surge como revelação do ser no mundo, superando assim sua ambiguidade e está situado no mesmo nível existencial que o sentimento diante da situação. A linguagem revela a situação de um ente que existe em si e para os outros e é através dela que o sujeito enuncia seu Eu.
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