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Racismo institucional

Por:   •  27/3/2017  •  Trabalho acadêmico  •  10.211 Palavras (41 Páginas)  •  674 Visualizações

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https://www.youtube.com/watch?v=6bwajCsUjUc

https://www.youtube.com/watch?v=n7DcbOpKUw8

https://www.youtube.com/watch?v=cVtjM4I89ts

https://www.youtube.com/watch?v=Hm13-x9SUHw

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https://www.youtube.com/watch?v=tXnwjKk1G_M

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O conceito de racismo institucional: aplicações no campo da saúde


As discussões sobre raça e racismo no Brasil estão sendo abordadas de maneira disseminada, por atores diversos, que incluem: a sociedade civil organizada, acadêmicos, gestores públicos etc. Apresentam-se de forma polarizada, conforme o campo de forças no qual se dão. Pode-se identificar um grupo de reflexões acadêmicas que pensam a problemática racial em termos de identidade nacional, privilegiando as noções de mestiçagem e democracia racial que constituíram, historicamente, a singularidade do Brasil frente aos exemplos de segregação racial, como os dos Estados Unidos e a da África do Sul (por exemplo, Fry et al., 2007). Outro grupo de reflexões chama a atenção sobre os efeitos do racismo na vida das pessoas – que chegam até o ponto de negação da própria humanidade de certos grupos – decorrentes de processos de racialização, ou seja, de dispositivos que racializam o acesso ao poder e às posições de prestígio social, e naturalizam as desigualdades entre grupos, aos quais são atribuídas características tratadas como fixas ou dadas como naturais sob certas condições econômicas, políticas e culturais (Guimarães, 2005; Hasenbalg, 1979; entre outros). Contudo, nesses debates que apontam legitimar (ou deslegitimar) a existência do racismo e a pertinência da raça como conceito analítico a respeito da realidade social brasileira, pouco lugar têm as reflexões sobre os mecanismos do racismo nas instituições. Um dos motivos de ausência parcial deste tipo de reflexão pode estar relacionado às dificuldades de as instituições reconhecerem esses mecanismos e se autoexaminarem como (re)produtoras de racismo. Neste artigo, me proponho a refletir sobre o conceito de racismo institucional, em relação a sua pertinência para pensar a realidade social brasileira, assim como ao seu vínculo com ações, demandas e disputas da militância negra contemporânea frente ao poder público. A própria Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (oficializada em maio de 2009, e que se encontra em processo de implementação em estados e municípios) traz, para o centro das discussões, o conceito de racismo institucional, e contempla ações para sua desconstrução, sendo seu objetivo geral: “promover a saúde integral da população negra, priorizando a redução das desigualdades étnico-raciais, o combate ao racismo e à discriminação nas instituições e serviços do SUS” (Brasil, 2010, p.33). Trata-se de uma reflexão teórico-conceitual baseada em análise de literatura acadêmica, assim como de documentos produzidos por órgãos oficiais brasileiros e internacionais que estão constituindo o racismo institucional como “problema social”, no sentido que Lenoir (1996) dá ao termo. Em primeiro lugar, realizo uma reflexão sobre a dimensão histórica do racismo institucional no Brasil e suas respostas políticas atuais. Num segundo momento, abordo o racismo institucional como conceito organizador de uma nova pauta de ações e reflexões de atores sociais que intervêm no processo de elaboração de políticas públicas em busca da promoção da igualdade racial. Por último, foco como vem sendo trabalhado, analiticamente, o racismo institucional na área da saúde, e sua relação com outros conceitos que o complementam. Destaco que, para se pensarem noções de igualdade, equidade e cidadania na sociedade brasileira, a discussão deve ser permeada pela perspectiva racial. Nessa arena, o conceito de racismo institucional permite examinar o sistema de correlações de força não projetado em sua integralidade, mas que funciona sob o pressuposto biopolítico da seleção e da proteção do segmento branco em comparação aos segmentos não brancos da população (Anjos, 2004), a partir da existência de mecanismos que geram desigualdades ligadas à educação escolar, à seletividade do mercado de trabalho, à pobreza, às condições de saúde/adoecimento etc. (Guimarães, 2005). Dimensão histórica do racismo institucional no Brasil Sob uma perspectiva nominalista, retomo o pensamento de Foucault (1996) para refletir sobre o conceito de raça a partir dos efeitos práticos dos dispositivos de poder que se articulam com discursos locais para constituírem configurações naturalizadas de poder-saber. O processo de construção ideológica do Brasil (assim como de outros países da América Latina) como uma nação mestiça, iniciado no século XIX, sustenta-se no fato de que teria ocorrido uma fusão “harmônica” de raças e culturas, denominada, posteriormente, de “democracia racial”. Esta LÓPEZ, L.C. COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.16, n.40, p.121-34, jan./mar. 2012 123 artigos idealização esconde que a “harmonia racial” tinha como pressuposto a manutenção das hierarquias raciais vigentes no país, na qual o segmento branco da população foi tido como principal e dominante, constituindo o ideal a ser alcançado pela nação, ao menos em termos comportamentais e morais. O mestiço foi elevado à condição de símbolo nacional, representando tanto a “harmonia racial” quanto a possibilidade de embranquecimento da nação. É assim que “[a] tensão existente entre harmonia racial e embranquecimento é acirrada pela impossibilidade/incapacidade de reconhecer horizontalmente a igualdade entre todos no interior de uma pluralidade de raças e cores tratadas e pensadas hierarquicamente” (Silvério, 2004, p.41). Como adverte Silvério (2004), é possível pensar a dinâmica das relações raciais no Brasil a partir de um imaginário social que, pela sua pluralidade e multiplicidade, contrasta com a “rígida” idealização de que formamos uma nação em que a miscigenação biológica teria transbordado para todas as esferas da vida social. O autor observa que a continuidade dessa idealização está atravessada por práticas ancoradas em “verdades” (constituídas em diferentes momentos históricos por conhecimentos de caráter religioso, científico etc.) que destinam um lugar de não-humanidade ou quase humanidade para os não-brancos. Destaca Theodoro (2008) que o trabalho escravo, núcleo do sistema produtivo do Brasil Colônia, foi gradativamente substituído pelo trabalho livre no decorrer do século XIX. Essa substituição, no entanto, dá-se de uma forma particularmente excludente. Mecanismos legais, como a Lei de Terras de 1850 (que legaliza a apropriação desigual da terra entre grupos étnicorraciais), a Lei da Abolição de 1888 (sem políticas direcionadas à inclusão da população ex-escravizada do ponto de vista social, econômico, político), e mesmo o processo de estímulo à imigração, na virada do século XIX para o XX, forjaram um cenário de desigualdade racial no acesso ao trabalho. O capital social – que se refere às redes de relações baseadas na reciprocidade entre os agentes sociais melhor dotados de recursos (Bourdieu, 1986) – e o capital escolar passam a ser fatores decisivos de um novo regime de regulação das relações étnicorraciais. As vantagens dadas aos colonos imigrantes europeus, por meio das parcerias e do aporte de importantes fundos públicos, funcionaram, no jogo das disputas fundiárias, como um capital social (Anjos et al., 2004). Os imigrantes europeus passaram, no Brasil, por um rápido processo de mobilidade econômica ascendente, concentrando-se nos setores mais dinâmicos da economia. Nesse sentido, as desigualdades observadas no processo de inclusão e mobilidade econômica devem ser explicadas não apenas como fruto de diferentes pontos de partida, mas também como reflexo de oportunidades desiguais de ascensão social após a abolição (Theodoro, 2008). Durante o século XX, em que transcorreram importantes mudanças sociais pelas quais passou o país, seja no campo da modernização da economia, da urbanização, ou da ampliação das oportunidades educacionais e culturais, não se observou uma trajetória de redução das desigualdades raciais. Pôde-se notar ainda “a piora da posição relativa dos negros nas posições superiores da estrutura de ocupações, derivada, em grande parte, da crescente desigualdade de acesso de brancos e negros no ensino superior” (Jaccoud, 2008, p.58). Nesse sentido, Hasenbalg destacou, no final da década de 1970, que o preconceito e a discriminação racial operaram como critérios adstritivos na alocação de posições no mercado de trabalho, favorecendo, sobremaneira, aos brancos, passados mais de cem anos da abolição da escravatura. A raça tem sido mantida “como símbolo de posição subalterna na divisão hierárquica do trabalho e continua a fornecer a lógica para confinar os membros dos grupos raciais subordinados àquilo que o código racial da sociedade define como ‘seus lugares apropriados’” (1979, p.83). Conforme Silvério (2002), se a ambiguidade tem sido um traço característico da classificação racial das sociedades latino-americanas, ela não tem impedido que uma parcela significativa da população seja permanentemente racializada no cotidiano e que, nesse sentido, tenha assumido sua identidade negra de forma não ambígua e contrastante em relação ao seu outro (o branco) como modo de reafirmar sua condição de humanidade e de direitos. Como destaca o autor: O conceito de racismo institucional:... 124 COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.16, n.40, p.121-34, jan./mar. 2012 as classificações, embora importantes, não dão conta da dimensão objetiva que representou a presença do Estado na configuração sociorracial da força de trabalho no momento da transição do trabalho escravo para o trabalho livre, nem da ausência de qualquer política pública voltada à população ex-escrava para integrá-la ao novo sistema produtivo. Daí poder afirmar que a presença do Estado foi decisiva na configuração de uma sociedade livre que se funda com profunda exclusão de alguns de seus segmentos, em especial da população negra. (Silvério, 2002, p.225) Nesse sentido, pode-se afirmar que o racismo teve uma configuração institucional, tendo o Estado legitimado historicamente o racismo institucional. Este fato dá legitimidade às políticas de ação afirmativa na atualidade, e nos permite um entendimento da complexidade que envolve essas ações. Refiro-me às ações afirmativas, no Brasil, como políticas públicas que se destinam a corrigir uma história de desigualdades e desvantagens sofridas por um grupo étnicorracial frente a um Estado nacional que o discriminou negativamente. Devido a isso, o que motiva essas políticas é a ideia de que essas desigualdades tendem a se perpetuar caso o Estado continue utilizando os mesmos princípios considerados universalistas (mas que, na prática, favorecem só a alguns setores da sociedade) com que vem operando até agora na distribuição de recursos e oportunidades para as populações que contam com uma história secular de discriminação (Carvalho, 2005). Na atualidade, entre as políticas afirmativas implementadas no Brasil há: políticas de acesso e permanência de estudantes negros nas universidades2 ; a aplicação de conteúdos de história e cultura afro-brasileira e africana, assim como práticas de educação antirracista nas instituições de Ensino Fundamental e Médio (Lei Federal 10639/03) (Brasil, 2004); a reserva de vagas para negros no mercado de trabalho; o reconhecimento étnico e a regularização fundiária de comunidades negras rurais e urbanas (chamadas na Constituição Federal de “remanescentes de quilombos”), e a própria Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, já mencionada (Brasil, 2010). Estas políticas destinam-se a reverter a desigualdade racial em vários campos sociais. As políticas públicas e o racismo institucional Podemos entender as políticas públicas com perspectiva racial no Brasil como produto da trajetória contemporânea da militância negra, por meio de resistências e lutas disseminadas na esfera pública, por evidenciar o racismo na sociedade brasileira e demandar ações governamentais que provoquem um processo de desrracialização. Como analisa Jaccoud (2008), a pauta relevante dos movimentos sociais no período de redemocratização referia-se à universalização do acesso às políticas sociais que excluíam importantes contingentes da população pobre, composta majoritariamente por negros. Nessa direção, a Constituição de 1988 significou uma ampla reorganização do Estado no campo das políticas sociais. Garantiu a universalização do atendimento na saúde, com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS); o atendimento dos serviços e benefícios da assistência social; e a gratuidade e obrigatoriedade do Ensino Fundamental, entre outras expansões de cidadania (Cardoso Jr., Jaccoud, 2005). 2 Informações sobre quais instituições implementam, na atualidade, ações afirmativas no Ensino Superior, no Mercado de Trabalho e no Poder Público podem ser consultadas no site do Fórum Interinstitucional em Defesa das Ações Afirmativas, coordenado pelo Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade Federal de São Carlos (NEAB/ UFCar). Disponível em: http://www. acoes.ufscar.br/mapa_ acoesafirmativas.php. Acesso em julho de 2011. LÓPEZ, L.C. artigos COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.16, n.40, p.121-34, jan./mar. 2012 125 Ainda em referência à área da saúde, a democratização das ações e serviços de saúde no Brasil foi garantida como direito constitucional e expressa no SUS, que tem como base novas relações entre Estado e sociedade. Esse processo contou com a participação da militância negra, particularmente dos militantes vinculados a movimentos populares e sindicatos. Embora com dificuldades, aponta Jaccoud (2008), a ampliação das coberturas das políticas sociais teve impactos importantes na redução das desigualdades raciais no que diz respeito ao acesso aos serviços e benefícios. Contudo, embora as políticas sociais universais tenham sido imprescindíveis para a equidade entre negros e brancos em um país com o histórico de racialização da pobreza, nas últimas duas décadas, elas foram progressivamente deixando de ser consideradas como os únicos instrumentos necessários a serem adotados para se alcançar a redução das desigualdades raciais. Nesse sentido, a autora afirma que o aumento expressivo da cobertura das políticas sociais na população não tem colaborado significativamente para a redução das desigualdades raciais: “os avanços no sentido da consolidação de políticas sociais universais têm ampliado o acesso e as oportunidades da população negra, mas, em geral, não vêm alterando os índices históricos de desigualdade entre brancos e negros” (Jaccoud, 2008, p. 63). Conclui Jaccoud (2008, p.63) que “o desafio de construção de uma sociedade onde o Estado e as políticas beneficiem, de forma geral e abrangente, o conjunto da população, parece estar, no caso brasileiro, diretamente associado ao enfrentamento da questão racial”. Se pensarmos na permeabilidade da temática racial no Estado brasileiro, podemos marcar três momentos importantes para a construção de interlocução entre militantes do movimento negro e agentes do Estado. O primeiro deles é o cenário do ano de celebrações do centenário da abolição em 1988, concomitantemente com a aprovação da nova Constituição. Hasenbalg (1991) aponta a criação de um conjunto de conselhos, assessorias e órgãos destinados a tratar de questões específicas da população negra, cuja área de atuação era essencialmente cultural (como o caso da Fundação Cultural Palmares), sendo iniciativas de caráter exclusivamente simbólico, que reproduziram a lógica de nacionalização de elementos da cultura negra, e ainda criaram entraves para um projeto político antirracista. Quanto à Assembleia Constituinte, embora o movimento negro tenha permeado as discussões, ao contar com interlocutores mais próximos das decisões e que, de alguma forma, representavam os interesses da população negra (como foram os casos de Benedita da Silva, Luiz Alberto Caó, Edmilson Valentim e Paulo Paim), e tenha trazido um avanço em matéria de direitos, o leque de demandas apresentado não foi incluído em sua totalidade. Foi consolidado o artigo que inseria as comunidades remanescentes de quilombos por entrarem no quadro das “minorias” junto às populações indígenas. Porém, a temática racial ficou reduzida à punição por meio da criminalização do racismo, restringindo o antirracismo aos tipos de racismo mais ostensivos, e não aos mecanismos institucionais que conformam as desigualdades no Brasil (Rodrigues, 2005). Um segundo momento pode ser identificado em torno da Marcha Zumbi dos Palmares Contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida, organizada pelos movimentos negros em nível nacional, e realizada em Brasília no dia 20 de novembro de 1995. As reivindicações resultaram na criação do Grupo de Trabalho Interministerial para Valorização da População Negra (GTI), que tinha como objetivo estabelecer canais de interlocução política entre todos os ministérios, a fim de chamar a atenção e a responsabilidade para as políticas voltadas à superação das desigualdades raciais. Porém, como analisa Santos (2005), o GTI não foi institucionalizado o suficiente, nem contou com os recursos financeiros necessários para seu pleno funcionamento, tornando-se inativo pouco após sua criação. Cabe destacar, nesse período, a introdução do quesito cor nos sistemas de informação de mortalidade e de nascidos vivos; a elaboração da Resolução 196/96, que introduz, entre outros, o recorte racial em toda e qualquer pesquisa envolvendo seres humanos, e a primeira iniciativa oficial do Ministério da Saúde na definição de uma área específica para a saúde da população negra. O conceito de racismo institucional:... 126 COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.16, n.40, p.121-34, jan./mar. 2012 O cenário que se apresentava no final de 2002, com a conclusão de dois mandatos consecutivos do presidente Fernando Henrique Cardoso, era o de uma teia de programas pontuais e localizados, que não guardavam coerência e interligação entre si3 . É no contexto posterior à 3ª Conferência Mundial das Nações Unidas contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e as Formas Conexas de Intolerância, realizada em Durban, África do Sul, no ano 2001, que é recolocada a discussão do racismo e da necessidade de políticas públicas. É nesse contexto que ações afirmativas passam a constar nas agendas internacionais e nacionais. Um reflexo desse contexto é a criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – SEPPIR, no início do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003. A partir daí, novos pactos de combate ao racismo são estabelecidos, configurados na proposição de uma política de promoção da igualdade racial transversal. Na área da saúde, por exemplo, o I Seminário Nacional de Saúde da População Negra, realizado em Brasília entre os dias 18 e 20 de agosto de 2004, foi o primeiro evento convocado pelo Governo Federal para discutir a perspectiva racial nas políticas de saúde. Um dos impactos do seminário nas diretrizes da política nacional de saúde foi o de que essa dimensão fosse contemplada na criação de espaços para proposição e monitoramento de ações, como o Comitê Técnico de Saúde da População Negra, sediado na Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde, como instância de relacionamento do movimento negro e pesquisadores na área, para a elaboração da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, oficializada em 2009 (Brasil, 2010). Essas e outras ações governamentais específicas – na área de anemia falciforme, redução da mortalidade materna, HIV/Aids, inclusão do quesito cor nos cadastros médicos – que antecederam a aprovação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, mencionada anteriormente, foram produto de mediações estabelecidas por militantes e profissionais da saúde engajados na temática racial, conformando uma rede de atores sociais envolvidos nas ações de saúde da população negra. Porém, esse processo apresenta paradoxos em torno da dificuldade de se introduzir uma perspectiva racial nas políticas públicas. Por exemplo, embora os dados de raça/cor sejam obrigatórios em vários setores da administração pública (como é o caso do município de Porto Alegre, onde a Lei Municipal 8470/00 tornou obrigatória a coleta do quesito cor (Rosa, Silveira, Ivan, 2004)), há uma fragmentariedade dos dados desagregados por cor devido a que ainda não são coletados de maneira ampla. Pode-se destacar que o paradoxo central que colocam estas políticas é o de que instituições públicas tenham de assumir que elas (re)produzem mecanismos de “racismo institucional” para justificar a execução de políticas de igualdade racial. É, então, no contexto dos anos de 1990, e com maior ênfase nos anos 2000, com a crescente demanda e permeabilidade do Estado brasileiro por parte do movimento negro, que o conceito de racismo institucional emerge como organizador de uma nova pauta de ações que possibilita a mobilização dos vários atores sociais que intervêm no processo de elaboração de políticas públicas de promoção da igualdade racial. A utilização do conceito permite não apenas uma compreensão mais ampla sobre a produção e a reprodução das desigualdades raciais brasileiras, como, também, aumenta as possibilidades de se efetivarem, nas políticas públicas e nas 3 Para ver mais detalhes sobre ações do governo de Fernando Henrique Cardoso, consultar Heringer (2001). LÓPEZ, L.C. artigos COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.16, n.40, p.121-34, jan./mar. 2012 127 políticas organizacionais, novas frentes para se desconstruir o racismo e promover a igualdade racial; com isso, deslocando o debate do plano exclusivo das relações interpessoais, para relocalizá-lo nos termos de sua dimensão política e social (Silva et al., 2009). Busca-se dar visibilidade a processos de discriminação indireta que ocorrem no seio das instituições, resultantes de mecanismos que operam, até certo ponto, à revelia dos indivíduos. A essa modalidade de racismo convencionou-se chamar de racismo institucional, em referência às formas como as instituições funcionam, contribuindo para a naturalização e reprodução da desigualdade racial. O racismo institucional, tal como o definem Silva et al. (2009), não se expressa em atos manifestos, explícitos ou declarados de discriminação (como poderiam ser as manifestações individuais e conscientes que marcam o racismo e a discriminação racial, tal qual reconhecidas e punidas pela Constituição brasileira). Ao contrário, atua de forma difusa no funcionamento cotidiano de instituições e organizações, que operam de forma diferenciada na distribuição de serviços, benefícios e oportunidades aos diferentes segmentos da população do ponto de vista racial. Ele extrapola as relações interpessoais e instaura-se no cotidiano institucional, inclusive na implementação efetiva de políticas públicas, gerando, de forma ampla, desigualdades e iniquidades. A produção e o uso do conceito de racismo institucional para a promoção de políticas de igualdade racial vêm se dando desde o final da década de 1960, vinculados a contextos pós-coloniais de empoderamento e (re)definição de sujeitos políticos negros em âmbito transnacional. Nos Estados Unidos, ele surge na arena de luta pelos direitos civis e com a implementação de políticas de ação afirmativa. O conceito é enunciado de maneira pioneira no livro Poder Negro (Carmichael, Hamilton, 1967), de autoria de dois intelectuais e lideranças do movimento Panteras Negras, a modo de manifesto e reflexão sobre o projeto político em que se baseava essa mobilização. O racismo institucional, tal como definido pelos autores, denuncia as estruturas de poder branco e cria as condições políticas para se estabelecerem estruturas de poder negro. Os autores se referem ao racismo como a predicação de decisões e de políticas sob considerações de raça com o propósito de subordinar um grupo racial e manter o domínio sobre esse grupo. O racismo apresenta-se, ao mesmo tempo, aberto e encoberto, em duas formas estreitamente relacionadas entre si. Quanto à forma individual, o racismo manifesta-se em atos de violência de indivíduos brancos que causam mortes, danos, feridas, destruição de propriedade, insultos contra indivíduos negros. Já com a forma de racismo institucional, aparece menos identificável em relação aos indivíduos específicos que cometem esses atos, mas não por isso menos destrutivo de vidas humanas. Origina-se no funcionamento das forças consagradas da sociedade, e recebe condenação pública muito menor do que a primeira forma. Dá-se por meio da reprodução de políticas institucionalmente racistas, sendo muito difícil de se culpar certos indivíduos como responsáveis. Porém, são os próprios indivíduos que reproduzem essas políticas. Inclusive, as estruturas de poder branco absorvem, em muitos casos, indivíduos negros nos mecanismos de reprodução do racismo. Na Inglaterra, o conceito passa a ser incluído como instrumento para a proposição de políticas públicas na década de 1980, como resultado do empoderamento da população negra e da ineficiência do poder judiciário em responder de forma adequada às demandas dessa população (Silva et al., 2009). Num período em que, segundo analisa Brah (1996), o sujeito político negro – inspirado na ideia de Poder Negro dos afro-norte-americanos – articulou imigrantes caribenhos, africanos e sulasiáticos. As lutas políticas concretas em que o novo significado se fundava reconheciam diferenças culturais, mas buscavam, sobretudo, realizar a unidade política contra o racismo. Solidariedade que surgiu contra o pano de fundo de uma crise econômica e política que se aprofundava e de um crescente fortalecimento do racismo. Na década de 1990, é iniciada uma discussão pública por instituições de combate ao racismo na Inglaterra, em particular, a Comissão para Igualdade Racial (Comission for Racial Equality – CRE) do Reino Unido. Uma sentença judicial sobre o assassinato, em 1993, de um jovem negro – Stephen Lawrence – por um grupo racista branco deu origem a um amplo debate sobre racismo na sociedade inglesa, a partir de um fato concreto que envolveu não só a comunidade negra como também uma instituição pública, o Serviço de Polícia Metropolitana (Metropolitan Police Service – MPS). Como O conceito de racismo institucional:... 128 COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.16, n.40, p.121-34, jan./mar. 2012 destaca Sampaio (2003, p.78), “o que devemos observar é que a sentença judicial apontou além do crime, a incapacidade do MPS em dar um tratamento correto à família da vítima”4 . No Brasil, como mencionamos anteriormente, a partir da década de 1990 e, mais especificamente, no começo dos anos 2000, o movimento negro dissemina o debate, no governo brasileiro, para a efetivação dos compromissos pela promoção de igualdade racial no país, assumidos transnacionalmente na Conferência Mundial contra o Racismo de 2001, anteriormente citada. A mobilização então realizada ampliou o debate público sobre a questão racial e sobre como o poder público poderia desenvolver atividades efetivas de desconstrução do racismo, ao mesmo tempo em que propiciou contato e conhecimento mais amplos com experiências que estavam sendo desenvolvidas em outros países. Dentro dessa nova cartografia pode ser considerado o Programa de Combate ao Racismo Institucional (PCRI), implementado, no Brasil, em 2005, por meio de uma parceria que contou com: a SEPPIR, o Ministério Público Federal, o Ministério da Saúde, a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), e o Departamento Britânico para o Desenvolvimento Internacional e Redução da Pobreza (DFID), como agente financiador, e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), como agência responsável pela administração dos recursos alocados para o programa. O PCRI, no Brasil, tem como foco principal a saúde (CRI, 2006). A definição de racismo institucional adotada por esse Programa deriva do relatório publicado, em 1999, referente ao inquérito sobre o caso Stephen Lawrence, anteriormente citado. Essa definição, usada amplamente pela militância negra no Brasil, diz o seguinte: O racismo institucional é o fracasso das instituições e organizações em prover um serviço profissional e adequado às pessoas em virtude de sua cor, cultura, origem racial ou étnica. Ele se manifesta em normas, práticas e comportamentos discriminatórios adotados no cotidiano do trabalho, os quais são resultantes do preconceito racial, uma atitude que combina estereótipos racistas, falta de atenção e ignorância. Em qualquer caso, o racismo institucional sempre coloca pessoas de grupos raciais ou étnicos discriminados em situação de desvantagem no acesso a benefícios gerados pelo Estado e por demais instituições e organizações. (CRI, 2006, p.22) Uma das ações do Programa foi a realização de Oficinas de Identificação e Abordagem do Racismo Institucional em várias cidades, voltadas para gestores e trabalhadores do setor público, visando o diagnóstico e a proposição de ações5 . Os resultados foram analisados a partir da dimensão das relações interpessoais e da dimensão programática-institucional. Em relação à primeira dimensão, foram evidenciados: o tratamento diferenciado e desigual entre brancos e negros nas relações de trabalho; a dificuldade de reconhecimento da competência de pessoas negras em cargos técnicos e de gestão; a discriminação dos usuários em função do seu pertencimento racial; a falta de conhecimento sobre diversidade e práticas culturais e religiosas. Quanto à segunda, foram constatadas: a ausência de normas, práticas e comportamentos que estimulem a equidade; a invisibilidade da diversidade e das desigualdades étnicorraciais nos diagnósticos e nos programas das secretarias, assim como na análise e interpretação de dados epidemiológicos na área da saúde (por exemplo, diferenciais étnicorraciais na mortalidade materna), gerando inadequação da intervenção técnica (CRI, 2006). 4 Foi realizado um inquérito total ao caso em 1997, e o relatório foi publicado em 1999. Nesse relatório, acusa-se não só a Polícia Metropolitana, mas também o sistema de justiça criminal, de praticar racismo institucional. Alegouse que ações como a negação de informações acerca do caso aos pais da vítima; a vigilância insuficiente dos suspeitos pela polícia; somaram-se ao fato de que os oficiais superiores que estavam em posições para intervir e corrigir esses erros não tomaram providências e, inclusive, retiveram informação vital para o decurso do processo. Devido à perseverança dos pais da vítima, três dos suspeitos foram julgados em 1996, mas o caso derrubou-se quando um juiz decretou que as provas apresentadas por uma testemunha não eram admissíveis (Giddens, 2004). 5 As oficinas cujo material foi analisado nessa publicação foram realizadas em parceria com o Instituto AMMA Psique e Negritude de São Paulo. LÓPEZ, L.C. artigos COMUNICAÇÃO SAÚDE EDUCAÇÃO v.16, n.40, p.121-34, jan./mar. 2012 129 Reafirmando os apontamentos das Oficinas do PCRI, o artigo de Kalckmann et al. (2007) chama a atenção para a prática do racismo institucional na área da saúde e como essa prática afeta, sobretudo, as populações negra e indígena. Segundo os autores: a invisibilidade das doenças que são mais prevalentes nestes grupos populacionais, a não inclusão da questão racial nos aparelhos de formação, a dificuldade de acesso aos serviços de saúde, a qualidade da atenção à saúde, assim como o acesso aos insumos, determinam diferenças importantes nos perfis de adoecimento e morte entre brancos e negros. (Kalckmann et al., 2007, p.148) Não é de se estranhar que uma das áreas prioritárias do PCRI seja a saúde. Como nos chama a atenção Anjos, a pertinência de correlacionar a discussão de raça e saúde se dá na medida em que raça, em sua acepção moderna, é uma categoria correlata “da disseminação de tecnologias locais de poder para a administração de populações, visando a constituição do corpo saudável e homogêneo da nação, o adestramento e a maximização das forças produtivas” (Anjos, 2004, p.97).


A percepção dos psicólogos sobre o racismo institucional na saúde pública


A população negra na sociedade brasileira Para iniciar a discussão aqui proposta, cabe introduzir breve resgate histórico acerca da integração da popula- ção negra na sociedade brasileira. 590 Saúde em Debate • Rio de Janeiro, v. 37, n. 99, p. 588-596, out/dez 2013 GRANDI, J.; DIAS, M. T. G.; GLIMM, S. • Percepções daqueles que perguntam: - qual a sua cor? A integração dos negros na sociedade de classes, título dado a um dos livros de Florestan Fernandes (2000), é tema de estudos que mostram as dificuldades que essa população enfrentou ao buscar inserção social. Essa integração teve como marco principal a abolição da escravatura, fato que ocorreu como ação isolada, posto que não foram criadas as condições para uma real inserção social. Essa falta de condições, ou seja, o não acesso à moradia, saúde, educação, a emprego, gerou forte repercussão negativa. Ao falar do período de industrialização do País do início do século XX e tomando por base a cidade de São Paulo, Fernandes ressalta a exclusão social sofrida por negros e mulatos que, “viveram dentro da cidade, mas não progrediram com ela e através dela” e, nesse contexto, “agravou-se, em lugar de corrigir-se, o estado de anomalia social transplantado do cativeiro” (FERNANDES, 2008, p.119). Por volta de 1889, já era evidente a incapacidade do Estado em promover ações de ampliação de oportunidades para a população negra, no momento em que estava em mudança o status jurídico dessa população, considerando o fim da economia escravocrata. A naturalização das desigualdades teve apoio na consolidação da teoria racista – entre 1880 e 1920 –, que reafirmava a existência de uma hierarquia racial e o reconhecimento dos problemas resultantes de uma sociedade multirracial (JACCOUD, 2008). Essa ideologia sustentou-se mesmo com a mudança de contexto social e jurídico da população negra, somada à “ideia de que a miscigena- ção permitiria alcançar a predominância da raça branca” (JACCOUD, 2008, p.49). Assim, surge no Brasil a ‘tese do branqueamento’ como projeto nacional, que se sustentava em uma ‘preferência’ à mestiçagem e aos ‘povos mestiços’, reconhecendo relativa aceitação da sociedade daquela época do grupo identificado com mulatos, pois teriam a possibilidade de continuar em uma trajetória em direção ao ideal branco. Amparada nessa ‘tese de branqueamento’, vigorou a ideia de que o progresso do País estaria atrelado não somente ao desenvolvimento econômico como também a um aprimoramento racial do povo. Corrobora para essa noção a constituição do cientificismo como verdade absoluta, posto que, ainda no século XVIII, alguns autores desenvolviam teses cientificas que afirmavam a inferioridade racial do negro (RODRIGUES, 2012). Esse contexto influenciou a tomada de decisões políticas que contribuíram para a restrição de possibilidades de integração da população negra na sociedade brasileira, aprofundando as desigualdades presentes até os dias atuais. A exclusão social dessa etnia teria tido sua significação reduzida com a migração das outras etnias que também buscavam integração na sociedade capitalista. Assim, surge uma nova configuração referente ao mercado de trabalho, onde o processo de industrialização cria a necessidade de trabalhadores com capacidade de venda de sua força de trabalho; os negros e mulatos não estavam nesta categoria, sendo considerados inaptos para a aprendizagem técnica ou com capacidade insuficiente para o trabalho na indústria, participando em proporções ínfimas (FERNANDES, 2008). Destarte, a ausência de oportunidades de inser- ção resultou na permanência da população negra em condições sociais desfavoráveis frente a outros segmentos populacionais. Nas décadas seguintes ao início do século XX, não houve proposta do Estado para resolver ou minimizar tal problemática, estando os reflexos desse período histórico ainda presentes na sociedade contemporânea. Dados da Secretaria Especial de Polí- ticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), que compõem a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (BRASIL, 2007), trazem elementos que comprovam a intensidade da desigualdade no Brasil. No campo da educação, o índice brasileiro de analfabetismo geral era de 12,4%, em 2001: entre os negros, a proporção era 18,2% e, entre os brancos, 7,7% (IPEA 2002 apud BRASIL, 2007, p.25). Quanto ao aspecto da pobreza, mais de 32 milhões de negros com renda de até ½ salário mínimo viviam, em sua maioria, em lugares com características indesejáveis de habitação e eram potencialmente demandantes de serviços de assistência social (IBGE, 2000; IPEA 2002 apud BRASIL, 2007, p.26). Segundo informações que integram o caderno Comunicados do IPEA (n.91, 2011), 97 milhões de pessoas se declararam negras – pretas ou pardas – no Censo Demográfico de 2010, e 91 milhões, brancas. Esse documento revela as características demográficas Saúde em Debate • Rio de Janeiro, v. 37, n. 99, p. 588-596, out/dez 2013 591 GRANDI, J.; DIAS, M. T. G.; GLIMM, S. • Percepções daqueles que perguntam: - qual a sua cor? da população negra do Brasil e traça um paralelo entre as condições de vida das populações branca e negra, informando que a população negra é predominante, mais jovem e mais pobre, tem mais filhos e está mais exposta à mortalidade por causas externas, especialmente homicídios (IPEA, 2011). Esses indicadores demonstram uma relação importante entre as condições de vida e a necessidade de políticas públicas sociais que sejam capazes de contribuir de forma significativa para a superação de lacunas resultantes do não acesso aos serviços e da negação de direitos humanos. Portanto, justifica-se a necessidade de qualificar os trabalhadores do SUS para a implementação de uma política de saúde específica que atenda às necessidades de uma população com um histórico particular e diferenciado das demais etnias no Brasil.

O desafio de eliminar o racismo no Brasil: a nova institucionalidade no combate à desigualdade racial Alexandre Ciconello
http://www.ceap.br/material/MAT24052014223326.pdf

 O racismo é a chave para se entender e superar a reprodução da pobreza e das desigualdades sociais no Brasil Mário Theodoro1 Contexto Reconhecendo o racismo existente na sociedade brasileira Quando perguntada como o racismo opera na manutenção das desigualdades raciais no Brasil, Edna Roland2, conhecida militante do movimento negro e relatora da III Conferência das Nações Unidas contra o Racismo, Xenofobia e Intolerância Correlata, realizada, em Durban, na África do Sul, em setembro de 2001, comparou o racismo no Brasil à Hidra de Lerna, ser mitológico de várias cabeças. Quando se arranca uma das cabeças, logo nasce outra e mais outra, em vários lugares e posições. O racismo, para ela, está entranhado nas relações sociais no Brasil. Uma outra característica é que a expressão do racismo se modifica com o tempo, manifestando-se em diferentes e novas formas, gerando e mantendo intacta a perversa estrutura de desigualdade entre a população negra3 e branca no país. O racismo é identificado e reconhecido pela população brasileira. Uma pesquisa de opinião realizada pela Fundação Perseu Abramo em 2003 (Santos & Silva, 2005), demonstra que 87% dos brasileiros/as admitem que há racismo no Brasil, contudo apenas 4% se reconhecem como racista. Podemos extrair duas conseqüências desses dados: a primeira é que o racismo existe não pela consciência de quem o exerce, mas sim pelos efeitos de quem sofre seus efeitos. A segunda conseqüência é que o racismo no Brasil, embora perceptível, se localiza sempre no outro, nunca nas práticas cotidianas de seus agentes, o que torna ainda mais difícil sua superação. Este estudo de caso foi escrito como contribuição ao livro From Poverty to Power: How Active Citizens and Effective States Can Change the World, Oxfam International 2008. Ele foi publicado para compartilhar amplamente os resultados de pesquisa encomendada e experiência de programa. As visões que ele expressa são as do autor e não refletem necessariamente as visões da Oxfam International ou de suas organizações afiliadas. O desafio de eliminar o racismo no Brasil: a nova institucionalidade no combate à desigualdade racial From Poverty to Power - www.fp2p.org 2 O racismo é um dos principais fatores estruturantes das injustiças sociais que acometem a sociedade brasileira e, conseqüentemente, é a chave para entender as desigualdades sociais que ainda envergonham o país. Metade da população brasileira é negra e a maior parte dela é pobre. As inaceitáveis distâncias que ainda separam negros de brancos, em pleno século XXI, se expressam no microcosmo das relações interpessoais diárias e se refletem nos acessos desiguais a bens e serviços, ao mercado de trabalho, ao ensino superior bem como ao gozo de direitos civis, sociais e econômicos. Há também outras causas das persistentes desigualdades raciais, como o passado de exclusão e invisibilidade da população negra, sua condição de pobreza e, sobretudo, a negação de seus direitos após a abolição da escravidão no Brasil, em 1888. Quadro 1- Passado de escravidão O Brasil foi o principal destinatário do comércio internacional de escravos africanos entre os séculos XVI e XIX e foi o último país das Américas a abolir o regime escravocata, em 1888. Estima-se que 4.2 milhões de homens e mulheres chegaram em terras brasileiras, violentamente forçados a sair da África e cruzar o Oceano Atlântico em condições precárias, para se transformarem em escravos no Brasil. A título de ilustração, até 1800, o país recebeu 2.5 milhões de africanos/as, enquanto para toda a América espanhola, no mesmo período, foram menos de 1 milhão. Por volta de 1872, de todos os escravos vivendo no país, mais de 90% haviam nascido no Brasil. Em 1890, dois anos após a abolição do regime escravocrata, a população negra representava quase 50% da população brasileira (Andrews, 2004). O Brasil, diferentemente de outros países, como os Estados Unidos e a África do Sul, nunca estabeleceu um regime jurídico de segregação da população negra, o que segundo diversos analistas, coloca o país como um exemplo de integração racial. Ao mesmo tempo, a miscigenação nessas terras tropicais ocorreu com maior freqüência do que em outros lugares, servindo de insumo para a criação de uma mítica teoria social que posteriormente se transformou em ideologia: a da democracia racial. O mito da democracia racial, ainda presente no imaginário da população brasileira, foi um avanço sociológico na época de sua criação, nos anos de 1930, quando se consolidava um “racismo científico” e com características eugênicas. Contudo, ao mesmo tempo em que incorpora a presença da contribuição negra na formação nacional, naturaliza os espaços subordinados que negros e negras ocupam na sociedade e invisibiliza as relações de poder entre as populações negra e branca. O resultado é uma sociedade em que o racismo e as desigualdades sociais dele resultante não se revelam, não se debatem, parecem não existir. O problema, dizem, não é o racismo, é a pobreza; as desigualdades não são raciais, são sociais. Essa invisibilidade começa a mudar, com o processo de resignificação de ser negro, que tenta vencer os diversos esteriótipos negativos associados à negritude e reproduzidos nas relações sociais e nos meios de comunicação de massa. A valorização da negritude tem como conseqüência o questionamento dos lugares sociais de subordinação em que a população negra está inserida: no mercado de trabalho, no território, nas representações simbólicas da sociedade brasileira, dentre outros espaços. Isso vem gerando uma mudança na auto-estima da população negra e uma maior consciência das desigualdades raciais alimentadas pelo racismo. Esse processo, intensificado nos últimos 30 anos, tem possibilitado um fortalecimento do movimento negro, assim como um maior debate público sobre as desigualdades raciais. Portanto, não se pode falar de superação do racismo e diminuição das desigualdades raciais, sem considerar o protagonismo do movimento negro. A estrutura racial existente no Brasil mantém privilégios e alimenta a exclusão e as desigualdades sociais. Ela produz uma sociedade dividida, não igual, onde um garoto negro terá mais chances do que um garoto branco de morrer de forma violenta e de receber menores salários no mercado de trabalho. Onde uma garota negra terá maior probabilidade do que uma garota branca de morrer no sistema público de saúde, assim como de ter menos acesso a métodos contraceptivos, aumentando a possibilidade de gravidez na adolescência e abortos ilegais. Oportunidades desiguais, possibilidades desiguais, talentos desperdiçados. Diante disso, não há mais espaço para a omissão do Estado diante do racismo, do preconceito e das desigualdades deles resultantes. O momento é propício à explicitação dessa fratura social e para a implementação de políticas e ações que promovam a igualdade racial no páis. O Brasil nunca se constituirá em um Estado verdadeiramente democrático, livre e justo, sem superar o racismo, permitindo que a população negra seja integrada de forma emancipada e digna na sociedade, sem ocupar os tradicionais espaços subordinados a que vem sendo relegada.

Desigualdade racial em números

Desde o começo da década de 2000, há cada vez mais dados estatísticos oficiais sobre as desigualdades raciais no Brasil, em várias áreas, como educação, mercado de trabalho, pobreza, saúde e violência. O movimento negro contribuiu muito com esse processo, pressionando o governo bem como institutos de estudos e pesquisas para tal. Nesse sentido, o processo de debate e preparação da delegação O desafio de eliminar o racismo no Brasil: a nova institucionalidade no combate à desigualdade racial From Poverty to Power - www.fp2p.org 3 brasileira à III Conferência Mundial contra o Racismo, Xenofobia e Intolerância Correlata, em 2000 e 2001, também possibilitou, a partir de divulgação de indicadores sociais, tornar público as imensas distâncias que separavam, e ainda separam, negros de brancos. Pobreza Dois terços dos pobres no Brasil são negros. E mais: metade da população negra vive abaixo da linha da pobreza; essa proporção, de 46,3%, é duas vezes maior que a observada para a população branca, de 22,9%, como revela o gráfico 1. Conforme mencionado anteriormente, observa-se que a distância que separa negros de brancos mantém-se estável ao longo de toda a série. Outro indicador que também revela o abismo que separa negros de brancos é o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do PNUD. No seu relatório de 20054, além de apresentar o indicador médio para o Brasil, de 0,766, o PNUD calculou o IDH separadamente para as populações negra e branca. Se cada um desses dois grupos formasse um país diferente, a distância entre eles seria de 61 posições. O Brasil branco teria um IDH alto, de 0,814, e ficaria na 44ª posição no ranking mundial. Já o Brasil negro teria um IDH médio, de 0,703, e se situaria em 105° lugar, pior que o Paraguai.

Mercado de Trabalho

O desempenho educacional é um fator fundamental para uma inserção mais qualificada no mercado de trabalho, que para além de gerar renda, constitui-se em um espaço privilegiado de socialização, acesso a informações e conhecimento. No Brasil, 76% da renda das famílias advém do trabalho (IPEA 2007, p. 286). Contudo, a população negra entra no mercado de trabalho em desvantagem, com níveis  educacionais.


Violência
O Brasil é um país extremamente violento. A cada ano, aproximadamente, 50.000 pessoas são assassinadas. A taxa de homicídios está entre as maiores do mundo: 26,7 homicídios para cada 100.000 habitantes, em 2004. Em países da Europa Ocidental e nos Estados Unidos essa taxa varia de 3 a 6 homicídios por 100.000 habitantes (IPEA, 2005 e 2006). Aqui, novamente, a situação é bem pior para a população negra. Segundo dados do IPEA (2006, p. 80), em 2005, a taxa de homicídios de negros, de 31,8 por 100.000, era cerca de duas vezes superior à observada para os brancos (18,4), sendo que na região Nordeste – uma das m v Note-se que quando se correlaciona sexo, raça, faixa etária e escolaridade, os jovens negros de 18 a 24 anos, com até 7 anos de estudo, têm muito mais chances de serem assassinados do que os outros grupos populacionais.


O papel do movimento negro na denúncia do racismo e das desigualdades

No Brasil, o movimento negro tem sido o principal protagonista da luta contra o racismo e contra as enormes distâncias que separam negros/as de brancos/as. Trata-se de um conjunto de organizações, fóruns, redes e grupos (formais e informais) de negros e negras, que embora muito diverso e plural, tem como objetivo central a luta anti-racista e a superação das desigualdades raciais. O movimento negro é um dos mais antigos do Brasil. No período em que ainda vigorava a escravidão, muitos são os relatos históricos de episódios de resistência liderados por escravos nos séculos XVII, XVIII e XIX. Um dos exemplos mais conhecidos é o dos quilombos, comunidades rurais formadas por negros/as fugidos. Essas comunidades existem até hoje e, a partir da Constituição de 1988, foi-lhes assegurado o direito a propriedade definitiva da terra. O movimento abolicionista do século XIX, que lutava pelo fim da escravidão, foi também um exemplo da luta histórica da população negra por sua emancipação. Em 1931, como uma reação ao completo descaso e exclusão a que foi relegada a população negra após o fim da escravidão surge a Frente Negra Brasileira. Estima-se que a Frente chegou a reunir mais de 100.000 filiados. Foi o primeiro grande movimento político organizado da população negra, tendo sofrido muitas perseguições e sendo fechado, em 1937, por advento do regime político autoritário estabelecido no Brasil pelo chamando Estado Novo. Um outro marco importante na luta anti-racista foi o surgimento, em 1978, do Movimento Negro Unificado (MNU). Em plena ditadura militar, negros e negras foram às ruas denunciar e exigir providências contra atos de racismo e sobre o assassinato de um operário negro. O ano de 1988 foi fundamental na história contemporânea brasileira, marcando o restabelecimento do Estado Democrático de Direito – com a promulgação da nova Constituição Federal – e, conseqüentemente, a igualdade de direitos e a criminalização do racismo. Esse mesmo ano marca igualmente o centenário do fim da escravidão no Brasil e um novo patamar na luta anti-racista, em que o Estado começa a reconhecer a sua omissão histórica e é pressionado a implementar medidas de promoção da igualdade racial. Merece menção a realização, em 1995, da Marcha Zumbi dos Palmares, contra o Racismo, pela Igualdade e a Vida por ocasião dos 300 anos da morte do principal líder negro do país. A Marcha levou mais de 30.000 militantes negros à capital do país e apresentou ao Presidente da República uma pauta de reivindicações. Atualmente, o movimento negro possui estratégias diversas, expressando-se em inúmeras organizações e coletivos como o Movimento Negro Unificado (MNU), a Coordenação Nacional de Entidades Negras (CONEN) e a União de Negros pela Igualdade (UNEGRO). É importante destacar o movimento de mulheres negras que vem expondo as perversas conseqüências do encontro entre as desigualdades de raça e gênero no Brasil. Dois coletivos que se destacam nessa luta são a Articulação de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB) e o Fórum Nacional de Mulheres Negras (FNMN).

O papel do Estado brasileiro na manutenção e superação do racismo

Opressão, pobreza e invisibilidade: a responsabilidade histórica do Estado O Estado brasileiro tem uma responsabilidade histórica na construção e manutenção das enormes desigualdades raciais existentes no país atualmente. Foi o Estado quem legitimou o regime de escravidão, institucionalizando e legalizando o tráfico de africanos/as e a sua existência como mercadoria na mão de senhores brancos. Em um segundo momento, após a abolição da escravatura, o Estado promoveu uma deliberada política de branqueamento da população, com o incentivo à imigração de origem européia. Essa política foi implementada tendo como justificativa ideológica a suposta superioridade da “raça” branca, incentivada pelo racismo científico da época. Segundo Andrews (2004, p. 118), a ideologia dominante propagava que “para ser civilizada, a América Latina teria que se tornar branca”8. Após o término da escravidão, no final do século XIX, não foi implementada qualquer política para a inclusão de negros/as libertos e ex-escravos/as ao mercado de trabalho. Os mesmos ficaram sem lugar na agricultura e na indústria nascente, espaços ocupados pelos imigrantes europeus. Assim, a absoluta maioria dos trabalhadores negros/as ficou relegada a setores de subsistência da economia e de atividades precarizadas e mal remuneradas. Essa é a origem da exclusão e da informalidade.


O Estado brasileiro reconhece a existência do racismo e das desigualdades raciais: da redemocratização (1988) à III Conferência Mundial contra o Racismo (2001) 
O ano de 1988, é um marco no processo de redemocratização do Brasil, com a promulgação da Constituição Federal, a chamada Constituição cidadã, depois de dois anos de intensos debates que contaram com a participação de inúmeras organizações e movimentos sociais. No tocante a questão racial, é a primeira vez que o Estado brasileiro reconhece a existência do racismo e toma algumas medidas concretas para enfrentá-lo, nos âmbitos dos princípios (igualdade de direitos), da legislação penal (com a criminalização das práticas de racismo) e da cultura (com o reconhecimento da influência negra na formação do Brasil). Ainda no ano de 1988, foi criada a primeira institucionalidade do governo federal destinada exclusivamente a questão do negro/a - a Fundação Cultural Palmares – cuja finalidade é "promover a preservação dos valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira" (art. 1º da Lei Federal nº 7668/88). Para o movimento negro, esse foi o momento da denúncia do racismo e da criminalização (muito embora poucas ações judiciais e raras condenações tenham acontecido). Esse também foi o momento da resignificação do “ser negro”, da exaltação da negritude, da cultura e da história da população negra. Como uma resposta à Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo, pela Igualdade e a Vida, realizada em 1995, o governo federal criou grupos de trabalho interministeriais encarregados de desenhar propostas para combater as desigualdades raciais por meio das políticas públicas. A existência dessas ainda incipientess institucionalidades, aliada à constante pressão do movimento negro e à produção, cada vez maior, de pesquisas acadêmicas e de dados oficiais estatísticos sobre as desigualdades raciais (principalmente os dados produzidos pelo IBGE e pelo IPEA), foram provocando gradativas mudanças na administração pública federal, gerando a inclusão da questão racial em diversas ações promovidas especialmente pelos Ministérios da Saúde, Educação, Justiça e Desenvolvimento Agrário (Jaccoud e Beghin, 2002). Mais um passo foi dado durante o processo da III Conferência Mundial contra o Racismo que ocorreu em 2001, em Durban, na África do Sul. No final de 2000 foi instalado o Comitê Nacional para a Preparação da Participação Brasileira a Durban que reuniu representantes do governo e da sociedade civil. Esse Comitê estimulou o debate sobre os temas da conferência em todo o país, construindo a posição brasileira de forma participativa, tendo sido realizado diversos seminários e oficinas. O resultado de todo esse processo preparatório foi a expressiva participação de brasileiros/as em Durban: mais de 600 representantes do poder público e da sociedade. Até mesmo a Relatoria Geral da Conferência Mundial ficou a cargo de uma militante brasileira, Edna Roland, fundadora de uma respeitada organização de mulheres negras, o Fala Preta.
A criação de uma nova institucionalidade de promoção da igualdade racial 

A eleição do Partido dos Trabalhadores (PT), aliado histórico dos movimentos sociais na luta pela redemocratização e por direitos no Brasil, para a Presidência da República em 2002, foi vista como uma oportunidade por parte do movimento negro. Assim, atendendo demandas do movimento, o recém nomeado governo federal criou a SEPPIR – Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e o Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial – CNPIR. Um outro avanço relevante foi a incorporação no Plano PluriAnual (2004-2007)9, pela primeira vez na história do país, de um desafio especificamente voltado para a redução das desigualdades raciais. Com status de Ministério, a SEPPIR está vinculada diretamente à Presidência da República. É um órgão executivo articulador de ações de promoção da igualdade racial dentro do governo federal. O CNPIR é um colegiado consultivo, paritário (20 representantes da sociedade civil e 20 representantes do governo), responsável pela proposição de políticas para combate ao racismo, à discriminação racial e redução das desigualdades raciais, além do controle social dessas políticas. Um outro avanço importante foi o processo de realização da I Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial, em 2005. Foram envolvidos mais de 90 mil participantes nas diversas etapas de realização da Conferência (municipal, estadual e nacional). Durante o encontro foram apresentadas pouco mais de mil propostas de ação que servirão de base para a elaboração do Plano Nacional de Promoção da Igualdade Racial, ainda não concluído. A realização da II Conferência está prevista para o início de 2008. O processo das conferências tem sido considerado um espaço estratégico de participação da sociedade civil na construção de consensos e propostas de políticas públicas para a superação do racismo no país.


Obstáculos à mudança: discriminação institucional e os meios de comunicação de massa 

Discriminação Institucional A discriminação institucional é um dos grandes entraves a eliminação das desigualdades raciais e da pobreza no Brasil. As práticas discriminatórias estão naturalizadas na forma como as organizações se estruturam e definem seus procedimentos internos. Um exemplo desse tratamento desigual pode ser apresentado pelos resultados diferenciados observados na implementação de uma política universal e de acesso gratuito, a de saúde. Segundo dados do IBGE, em 2004, apenas 53,7% das mulheres negras com 25 anos ou mais haviam sido submetidas ao exame clínico de mamas; no caso das mulheres brancas, esse percentual sobe para 71,3%. Existem organizações que se referem à noção de racismo institucional. Este é o caso do Programa de Combate ao Racismo Institucional, que o define como: 'o fracasso das instituições e organizações em promover um serviço profissional e adequado às pessoas em virtude de sua cor, cultura, origem racial ou étnica. Manifesta-se em normas, práticas e comportamentos discriminatórios adotados no cotidiano de trabalho resultantes da ignorância, da falta O desafio de eliminar o racismo no Brasil: a nova institucionalidade no combate à desigualdade racial From Poverty to Power - www.fp2p.org 11 de atenção, do preconceito ou de estereótipos racistas. Em qualquer situação, o racismo institucional sempre coloca pessoas de grupos raciais ou étnicos discriminados em situação de desvantagem no acesso a benefícios gerados pelo Estado e por demais instituições organizadas'.10 Esse Programa é uma importante experiência realizada por uma ampla articulação institucional, entre DFID (Ministério do Governo Britânico para o Desenvolvimento Internacional), SEPPIR, Ministério da Saúde, PNUD, Ministério Público de Pernambuco, com ações piloto nas prefeituras de Recife/PE, Salvador/BA e na área da saúde. Segundo a representante do DFID no Brasil, Miranda Munroe11, 'a decisão do governo britânico em apoiar essa iniciativa surgiu da constatação de que as persistentes desigualdades observadas no país, iam além das desigualdades de renda. As desigualdades raciais no Brasil na verdade operam para manter as pessoas na pobreza.' A discriminação institucional praticada pelo poder público impede que as políticas universais sejam igualitárias na prática; elas beneficiam negros/as e brancos/as de forma diferente. De acordo com Fernanda Lopes12, ex-coordenadora do Programa acima mencionado, o racismo institucional opera por meio da dimensão inter-pessoal – resultando no fato de que os serviços públicos ofertados para a população negra sejam inadequados e desiguais – e também por meio da dimensão políticoprogramática, fazendo com que os gestores e políticos não considerem as ações de combate ao racismo e promoção da igualdade racial estratégicas, não direcionem recursos públicos para tal e, até mesmo, neguem a própria existência do racismo. Uma outra experiência importante em curso no Brasil - de combate à discriminação institucional no mercado de trabalho - está sendo promovida pelo Ministério Público do Trabalho, por meio da Coordenadoria Nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho. A sua ação mais exemplar foi a proposição de ações judiciais contra os cinco maiores bancos privados brasileiros, após uma minuciosa investigação que comprovou a existência de mecanismos discriminatórios na admissão, na remuneração e na promoção de negros/as nessas instituições. Essas ações acabaram por gerar um acordo com a Federação Brasileira de Bancos – FEBRABAN que se comprometeu a levar a cabo um processo de inclusão racial nas empresas bancárias, que está sendo monitorado por organizações da sociedade civil, pelo Ministério Público e pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. O governo brasileiro deveria expandir experiências nesse sentido e atuar com mais vigor na sensibilização e formação dos servidores públicos, revendo normas internas discriminatórias nas instituições públicas, que nem sempre estão escritas, mas são naturalizadas no cotidiano. A comunicação e divulgação de informações sobre as conseqüências da discriminação institucional na prestação de serviços por órgãos do Estado devem ser expandidas e consideradas estratégicas.

O papel da mídia na manutenção de estereótipos negativos da negritude e do combate a qualquer política pública pró-população negra

No Brasil, há uma grande concentração dos meios de comunicação de massa.
As principais empresas do setor - televisões, rádios e imprensa escrita – estão nas mãos de poucos empresários, com conhecidos vínculos com o poder político e econômico. A opinião da população é fortemente influenciada pelos meios de comunicação de massa, particularmente pelos programas televisivos. Segundo publicação da CONEN, de abril de 2007, “a imagem do negro na mídia foi construída ao longo do tempo como que reforçando os estereótipos tradicionais do papel dos afro-descendentes na sociedade brasileira”. No geral, há poucos negros e negras nas imagens, nos programas, nos noticiários ou nas propagandas veiculadas pela mídia. Quando as novelas brasileiras empregam negros e negras, o que não é freqüente, na maior parte das vezes, os mesmos ocupam papéis de empregadas domésticas, escravos, bandidos ou malandros. O desafio de eliminar o racismo no Brasil: a nova institucionalidade no combate à desigualdade racial From Poverty to Power - www.fp2p.org 12 Para além da reprodução de estereótipos racistas, a mídia, no geral, tem se mostrado contrária a qualquer política de ação afirmativa para a população negra, além de desqualificar o discurso do movimento negro e das iniciativas governamentais nesse sentido. Uma das principais revistas semanais em circulação no Brasil, comparou as políticas de cotas raciais nas universidades públicas ao regime nazista e ao apartheid sul-africano. Segundo a revista: 'Em todas as partes onde isso foi tentado, mesmo com as mais sólidas justificativas, deu em desastre. Os piores são as loucuras nazistas e as do apartheid na África do Sul. Ambas causaram tormentos sociais terríveis com a criação de campos de concentração e guetos. Os nazistas exterminaram milhões de pessoas, principalmente judeus, em nome da purificação da raça.” (...) “As políticas raciais que se pretende implantar no país por força da lei têm potencial explosivo porque se assentam numa assertiva equivocada: a de que a sociedade brasileira é, em essência, racista. Nada mais falso. Após a abolição da escravatura, em 1888, nunca houve barreiras institucionais aos negros no país. (Revista Veja, edição da primeira semana de junho de 2007).

Considerações finais 

Como pode-se demonstrar ao longo do texto, a discriminação racial no Brasil é responsável por parte significativa das desigualdades entre negros e brancos mas, também,das desigualdades sociais em geral. Essas desigualdades são resultado não somente da discriminação ocorrida no passado, mas, também, de um processo ativo de preconceitos e estereótipos raciais que legitimam, quotidianamente, procedimentos discriminatórios. A persistência dos altos índices de desigualdades raciais compromete a evolução democrática do país e a construção de uma sociedade mais justa e coesa. Para poder reverter esse quadro e promover um modelo de desenvolvimento no qual a diversidade seja um dos seus sustentáculos, no qual prevaleça a cultura da inclusão e da igualdade, faz-se necessário entender que a desigualdade racial no Brasil resulta da combinação de diversos fenômenos complexos, tais como, o racismo, o preconceito, a discriminação racial, incluindo-se a discriminação institucional. O enfrentamento desses fenômenos requer a atuação conjunta de um Estado efetivo com uma Sociedade ativa e fortalecida. Requer, ainda, a articulação e a convergência de diferentes tipos de intervenção que vão desde a repressão às práticas de racismo, passando por ações de valorização da população negra e pela combinação de políticas sociais universais com políticas afirmativas.

Referências bibliográficas

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