TESE: NATUREZA E CONSTRUÇÃO DE REPRESENTAÇÕES SOBRE A PROFISSÃO
Por: MNDAC • 24/3/2021 • Tese • 62.641 Palavras (251 Páginas) • 129 Visualizações
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Waldir Bettoi
Natureza e Construção de Representações Sobre a Profissão
na Cultura Profissional dos Psicólogos
Tese apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Doutor em Psicologia
Área de concentração: Psicologia Experimental
Orientadora: Profa. Dra. Lívia Mathias Simão
São Paulo
2003
Capítulo 1
A Cultura Profissional Do Psicólogo Como Objeto De Estudo
“Nossa profissão possui o hábito de perscrutar periodicamente o seu próprio destino. São inumeráveis as publicações de natureza acadêmica, bem como dos próprios órgãos de classe, voltadas para o exame da área, quer do currículo dos cursos enquanto análise dos conteúdos, quer da prática e da ciência. Esses trabalhos têm, em geral, características quantitativas, oferecendo possibilidade de organizar um amplo painel da situação profissional. Não faltam, também, livros que desejam dar conta da história da psicologia no Brasil, da história das práticas em suas diversas áreas, da história dos cursos e da profissão. Se pensarmos, além disso, na quantidade de trabalhos voltados à identificação dos paradigmas da ciência psicológica, sejam ou não polêmicos, penso que não existe nenhuma outra profissão ou ciência que mais se exponha ao escrutínio de seus pressupostos, de seus modos de trabalhar, das representações que suscita e dos resultados que obtém. O resultado dessa permanente perquirição é um acúmulo significativo de dados que mostram quanto e por onde caminhamos, desde 1963, com a lei que criou a profissão”. (Mello, 1996, p. 11)
Este trabalho é mais uma das tentativas que nós, psicólogos, temos feito no sentido de conhecermos nosso “próprio destino”, desde que nossa profissão foi regulamentada e, principalmente, desde que a própria autora do trecho acima, Sylvia Leser de Mello, publicou trabalho (Mello, 1975) que se tornaria ponto de partida e referência constante na maior parte das publicações que viriam a tratar da profissão e da formação do psicólogo no Brasil, nas décadas que se seguiram até a atualidade.
Nossa parte, em meio a essa grande diversidade de trabalhos sobre a profissão, será a busca de compreensão de um aspecto que tem se mostrado de interesse fundamental para os pesquisadores da área: as concepções que psicólogos têm sobre a sua profissão.
Acreditamos que as concepções que os profissionais têm sobre sua profissão constituem elemento fundamental de sua participação no processo de construção de sua Cultura Profissional. Coletiva e individualmente, as representações que temos de nossa profissão vão se transformando, orientando nossas ações profissionais como indivíduos e como categoria, o que, por sua vez, propiciará novas mudanças. Assim, nossa Cultura Profissional vai se estabelecendo e transformando a cada tempo.
Entretanto, antes de colocar nossa atenção especificamente sobre a questão das concepções dos psicólogos sobre sua profissão e avançar na sua discussão, é necessário que algumas preliminares sejam estabelecidas.
De início, é importante que alguns aspectos da Cultura Profissional do psicólogo sejam abordados. Segundo Dimenstein (2000),
“Cultura Profissional é o conjunto de idéias, visão de mundo e estilo de vida profissional adotado por um grupo profissional específico, que vem determinando a adesão e preferência por certos modelos de atuação, por certos referenciais teóricos, assim como, por certos padrões, códigos e regras de relacionamento entre os pares e com a comunidade leiga; além de definir suas formas de organização e representação na sociedade” (p. 101).
Ainda que a noção de determinação, presente na definição, possa ser questionada e venha a ser discutida, nos capítulos que se seguem, com contornos próprios, a partir das referências teórico-metodológicas que nortearão estas reflexões, a noção de Cultura Profissional será adotada na forma como foi definida, principalmente porque organiza um conjunto de aspectos importantes relacionados à profissão e formação do psicólogo que serão abordados, constituindo-se no pano de fundo deste trabalho.
Dimenstein (2000, p. 101) sugere que a reflexão sobre a Cultura Profissional do psicólogo leve em consideração os seguintes aspectos:
- História e ideologia da profissão em nossa sociedade
- Condições de formação profissional
- Representação social da profissão
- Características da população de alunos dos cursos de Psicologia.
Resolveu-se, assim, adotar aquela sugestão, na medida em que a discussão desses tópicos pode ser uma ocasião apropriada para que este pesquisador: (a) contextualize a origem e a relevância de seu problema de pesquisa e (b) contextualize e circunstancie sua posição frente aos vários objetos e eventos discutidos e frente aos vários papéis em que se inclui, como psicólogo, professor e pesquisador.
Apesar de levarmos em consideração que os aspectos da Cultura Profissional mencionados acima mantêm estreitas relações mútuas, a reflexão sobre eles será feita, na medida do possível, em tópicos distintos (com exceção dos dois últimos itens – representação social e características dos alunos, a serem abordados conjuntamente), objetivando-se uma melhor organização da exposição e discussão que serão apresentadas.
1.1. HISTÓRIA E IDEOLOGIA DA PROFISSÃO DE PSICÓLOGO NO BRASIL
Os objetivos deste trabalho não permitem que se faça aqui um relato da história da profissão no Brasil. Faremos menção, apenas de forma esquemática, a alguns eventos que são parte dessa história, além de comentar alguns pontos que são salientados na literatura produzida pelos estudiosos da área. Nossa Cultura Profissional já tem parte de sua história registrada em alguns trabalhos, como se observa desde Pessotti (1975), passando por Massimi (1990) e Antunes (1998), que se ocuparam em conhecer a nossa história do período colonial até o início do século XX. Outros relatos históricos dos períodos subseqüentes podem ser encontrados em vários outros autores, como Dimenstein (1998a, 1998b, 2000), em que a autora apresenta descrição e análise detalhadas e bem delineadas de eventos históricos e institucionais do final da década de 70 até a de 80 no Brasil e suas relações com a entrada do psicólogo no mercado de trabalho no serviço público. Outro relato bastante detalhado da história da profissão e, principalmente, da formação do psicólogo pode ser encontrado em Batista (2000). Jacó-Vilela (1999) também nos apresenta alguns aspectos da história da formação profissional no Brasil e nossa história mais recente pode ser encontrada discutida por Bock (1999a). A autora nos apresenta uma descrição de acontecimentos políticos e sociais que estiveram presentes e relacionados à história da profissão no Brasil desde a década de 70 até meados de 90, fazendo uma minuciosa descrição e avaliação, ano a ano, dos movimentos de vários segmentos da categoria profissional dos psicólogos que, de seu ponto de vista, resultaram numa transformação positiva da profissão, especialmente no sentido de uma maior participação no atendimento às necessidades da população e no sentido de uma melhoria da imagem social da profissão.
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