Uma Reflexão crítica a cerca do tema envelhecimento/velhice e psicanálise
Por: Giovanna Segia • 8/11/2017 • Ensaio • 1.294 Palavras (6 Páginas) • 372 Visualizações
Uma rápida reflexão crítica a cerca do tema envelhecimento/velhice e psicanálise
Se em outros tempos a velhice era sinônimo de sabedoria, experiência de vida, respeito e admiração é notável sua gradual perda de prestígio e lugar de sujeito na sociedade e na própria vida, principalmente com o advento da ressignificação do tempo e espaço evidenciada na modernidade e nas transformações das relações de trabalho com a manutenção do sistema capitalista. Assim, emergiu o imaginário de que o jovem é mais apto a aprender e portanto, adaptar-se as mudanças constantes do mercado de trabalho e ao novo ritmo de vida da sociedade moderna, associando a velhice à tutela e a juventude ao sucesso.
Para aprofundar-se um pouco mais nesse tema, foi escolhido a linha da psicanálise, e a primeira obervação é de que não há nada específico escrito por Freud, Lacan ou outros psicanalistas tradicionais a repeito da temática do envelhecimento, demonstrando significativo desinteresse. Marli Piva Monteiro traz essa problemática para discussão em seu artigo “O tempo foracluído da psicanálise”: “o tempo da psicanálise é atemporal quando se refere ao inconsciente, e imutável quando dele se trata, mas paradoxalmente, a mesma psicanálise que o conceituou como não submetido ao tempo em certas circunstâncias ao se deparar com o registro inexorável do tempo na realidade da condição de velhice parece recusar-lhe render-lhe atenção e mesmo nem sequer compreender este processo de evolução do ser humano”.
A autora traz como exemplo a contradição do próprio pai da Psicanálise que não acreditava na possibilidade de análise após os 50 anos, mas produziu até avançada idade e alegou em “Minha vida e a psicanálise” (1824), já com 53 anos, sentir-se jovem. A partir dessa lógica, a autora diferencia a ideia de envelhecimento e velhice, sendo o primeiro um processo biológico natural que inicia-se a partir do nascimento e a velhice como um fenômeno que pode ou não atravessar esse processo de envelhecimento.
O artigo traz para debate a ideia de poucos autores que se interessaram pelo tema na área, como Firenczi (1982) que acreditava que ao envelhecer o homem tendia a retirar o investimento libidinal de seus objeto e voltá-lo para si mesmo e que esse fenômeno aconteceria por uma provável e significativa diminuição quantitativa libido que favoreceria a regressão ao estágio pré-genital da libido.
Claude Bailer, em 1979, inicia essa linha de pensamento e traz uma “teoria narcísica do envelhecimento” na qual não faz grande distinção entre velhice e envelhecimento. Parte do pressuposto de que há um reinvestimento da libido, outrora investida em objetos de desejo que já não se fazem mais presentes, ao próprio Eu, ou seja, o idoso não mais tem interesse em investir em laços sociais que antes investia e se fecha "voluntariamente" às diversas possibilidades de prazeres externos a si para dar lugar a uma vida muito mais centrada no próprio Eu. Segundo a autora, essa regressão da líbido é uma tentativa de reforçar o narcisismo para lidar com as perdas e com o sentimento de angústia perante a morte. A justificativa, por sua vez, desse sentimento de angústia em relação a morte seria explicado pela ausência de registro dessa experiência no inconsciente, ou até mesmo da experiência de envelhecer.
Jack Messy aborda o conceito de “espelho quebrado”, fazendo alusão ao conceito “estádio do espelho” de Lacan, que consistiria na antecipação, no espelho, da imagem de velhice própria e do outro e da morte. O idoso vivenciará essa antecipação de forma aflitiva ao experienciar novamente um corpo fraccionado perdido na projeção da própria imagem decadente e odiosa. Essa projeção o autor chama de Eu-Feiúra.
Os autores apresentam uma aproximação da velhice à infância, no sentido da perda de interesse nas relações sociais e de sua capacidade de sublimação, e no caso do estádio do espelho ambas experienciam a agressividade ao confrontar a imagem no espelho. Porém Messy traz algumas ressalvas quanto a essa aproximação no que tange ao ideal de Eu (lugar onde o sujeito se vê capaz de ser admirado e desejado) projetado pela sociedade, porque este é uma possibilidade compatível com a realidade da criança, enquanto no idoso o ideal de Eu não corresponde à realidade do “velho rabugento, cansado e decadente”, fazendo com que a criança aceite de bom grado este ideal de Eu exigido pela sociedade enquanto o idoso o rejeite. Portanto, ficaria comprometida a função do Ideal do Eu de mediação sobre a pulsão agressiva para que o sujeito volte a se colocar em um lugar de sujeito admirável e desejável socialmente o que poderia ocasionar em doenças físicas, psíquicas e outras complicações.
Os textos encontrados trazem uma percepção psicanálitica engessada da velhice e do processo de envelhecimento, trazendo como características gerais da velhice e do idoso os sentimentos de impotência, tristeza, isolamento, definhamento e a aproximação com a morte, e excluindo outras possibilidades do envelhecer e outros elementos que podem vir a influenciar nesse processo, como por exemplo os fatores sócio-históricos e culturais de cada sociedade e época. É importante ressaltar neste momento qual a imagem da velhice que permeia a nossa sociedade atual, em que outrora o idoso é tido como um antro de sabedoria e merecedor de um respeito absoluto, e outrora é tido como um sujeito ranzinza, isolado socialmente e incompreendido, em outras palavras, sempre além ou aquém da sociedade, mas dificilmente inserido como parte importante de sua estrutura e funcionamento.
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