Variação Linguística: O Certo é Biscoito ou Bolacha?
Por: Lais Franca • 12/5/2022 • Ensaio • 2.970 Palavras (12 Páginas) • 124 Visualizações
Universidade Federal Fluminense
CURO – Instituto de Humanidades e Saúde
Departamento de Psicologia
Disciplina: Linguagem
Alunas: Lais Marlene Miranda Franca e Vanessa Meirelles Santos
Variação Linguística: o certo é biscoito ou bolacha?
Dessa pergunta nasceram memes, paródias e discussões intensas na internet. Apesar de, oficialmente, a Língua Portuguesa brasileira possuir apenas uma gramática, no território nacional, tem 26 estados, cada um com a sua singularidade e cultura que determina e afeta tanto o modo de vida quanto a língua falada. Não é necessário ir muito longe, a diferença é clara quando se trata, por exemplo, dos estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Geograficamente perto, mas culturalmente longe. Nesse presente trabalho pretendemos avaliar o impacto das diferenças regionais e culturais na língua falada e sua compreensão.
Antes de mais nada, é importante conceituarmos o que é a linguagem. Um sistema? Ou apenas formas de comunicação? Escritos? Ou representações simbólicas? Para autores como Chomsky é necessário obter uma estrutura e um sistema na linguagem, não basta haver interação ou qualquer modo de comunicação. Por outro lado, segundo o filósofo alemão Jürgen Habermas, a linguagem é intersubjetiva. Ou seja, ela é empregada como forma de interação humana. (MARCONDES, 2017. p. 14).
Apesar dos primeiros dialetos escritos estarem datados em cerca de 3 mil a.C., estudos de paleontólogos e antropólogos afirmam que uma das características mais marcantes da evolução humana foi da capacidade dos Homo sapiens de usar a linguagem para comunicar, entre si, por meio de sons e da arte rupestre. Posteriormente, com o surgimento da escrita, apareceu a necessidade de fixar algo para garantir a permanência das informações e necessidade de comunicação para o entendimento geral. As dificuldades enfrentadas pelos homens primitivos eram muitas e por esse motivo era preciso o grupo se entender e estar de acordo para enfrentar as adversidades. Um erro de comunicação poderia ser um risco de vida. A necessidade de comunicação causada pelas circunstâncias, e possibilitada pela memória da espécie, criou a linguagem, um processo de abreviação e simplificação da pluralidade, uma convenção, composta por um conjunto de signos capazes de representar e se referir às coisas. A linguagem passou a ter uma função utilitária.
No entanto, como apontado por Viviane Mosé no texto "A linguagem, nosso primeiro outro-mundo", o problema ao fixar a linguagem é a fixar como verdade incontestável. A linguagem é nossa ficção primeira, é ela que permite o universo imaginário e nos fornece a crença em um mundo durável em meio a multiplicidade da vida e a fluidez da mesma. (MOSÉ, 2011 p. 235). Quando o homem criou o sistema de código da linguagem, ele também fundamentou a lei da verdade, limitou a palavra ao que era considerado certo e errado. O certo seria utilizar os códigos, regras gramaticais de forma correta e a única possibilidade era a de obedecer às convenções.
A questão trazida por Nietzsche é que o ser humano, como um “artista do verbo”, não se contentou com a utilidade, dada pela simplificação e esquematização das palavras, e buscou desenvolver um emaranhado significativo que fosse capaz de substituir as coisas, a pluralidade. Para isto ele precisou esquecer que o que fazia era criar nomes, e passou a acreditar nos nomes das coisas como em “verdades eternas”. É a ficção de correspondência entre as palavras e as coisas a base fundamental em que repousa a construção de outro mundo. O outro mundo dos signos é a primeira ficção humana. A linguagem é nosso primeiro outro mundo. (MOSÉ, 2005. p. 33)
Mas então o que é a palavra? Como as palavras representam as coisas? Na perspectiva de Mosé, a palavra nasce da identificação do não idêntico. A linguagem designa objetos no mundo, tornando idêntico, a partir da generalização, o que não é idêntico. O homem se serve dessa generalização para facilitar a comunicação.
Quando descrevemos uma folha em uma árvore, estamos generalizando todas as folhas que a árvore possui, como se elas fossem idênticas. Para formar o conceito do que é a folha, foram invisibilizadas as características individuais de cada folha em prol de uma identidade. Dessa forma, a cristalização do sentido age como uma fixação da realidade. As coisas não são em si mesmas, nós é que, pela linguagem, afirmamos o que elas supostamente são. Se a palavra representasse apenas a experiência, o vivido, ou seja, se cada palavra dita remetesse ao universo mutável e com grande multiplicidade que o criou, mal conseguiríamos nos entender, pois o vocabulário mudaria constantemente, e a comunicação não seria possível. Todavia, nesse processo, a multiplicidade das coisas é esquecida e, portanto, perdida.
Ela ainda afirma que é o: "Desejo humano de "tirar dos eixos o mundo restante e se tornar seu senhor" (MOSÉ, 2011. p. 232). Dessa forma, podemos considerar que, em um primeiro momento, a metafísica é essa necessidade psicológica de permanência com poder de aliviar e tranquilizar o homem diante da incerteza e dos mistérios da vida. Por exemplo, os mitos das antiguidades de todo tipo de civilização humana são um mecanismo de dar explicação e de dar sentido à vida que é múltipla e misteriosa. Como que nós viemos ao mundo? Por que estamos no mundo? Assim, a linguagem tem poder de criação, seja de um mundo, de uma coisa ou de si mesmo. A linguagem é, portanto, desde seu surgimento, limitadora da pluralidade e da transitoriedade inerentes à vida. Entretanto, segundo Viviane Mosé, a linguagem é uma criação e não deveria ser presa a convenções, uma vez que a linguagem congela o movimento de um universo que é fluxo, fazendo um recorte da realidade, criando um outro mundo que, embora delimitado, é utilitário.
O discurso de Mosé tem por intenção, portanto, questionar a legitimidade de um modelo de palavra – o modelo restritivo em que acreditamos representar a palavra e as coisas – e buscar uma alternativa que leve em consideração a relação entre o que é convencionado (razão) e experiência. O intuito é, então, abrir portas para o surgimento de uma nova forma de pensar e entender a linguagem que aceite a pluralidade do mundo e coloque em questão o conceito de verdade. Nesse sentido, o questionamento sobre a fixação do sentido como verdade configura uma tentativa de recuperar essa a multiplicidade perdida no processo de criação da linguagem. Tendo isso em mente, ao considerarmos a variação linguística e nossa tentativa de denominar o que é certo e o que é errado, não estaríamos fazendo exatamente isso que nos é criticado?
...