Resenha: Ritual e Permanência de meninas que jogam bola em instituição pública de lazer
Por: Nathália Dias • 30/11/2017 • Resenha • 1.558 Palavras (7 Páginas) • 435 Visualizações
Ritual e permanência de meninas que jogam bola em instituição pública de lazer
Introdução
Este artigo propõe-se a identificar um ritual que inicia a carreira de mulheres na prática esportiva, em uma instituição pública de lazer. (HUGHES, 1971)
Os esportes coletivos de confronto também chamados de ECC, categoria analítica que identifica esportes como basquetebol, handebol e futebol foram escolhidos na pesquisa por serem de tradição e predomínio masculino no local.
Os autores trazem no artigo Dunning (1992), que no avanço do processo civilizador de controle da violência, os “desportos de confronto” entre equipes se constituíam como área reservada de manifestação do espírito da “tradição do macho”. Os clubes onde se praticavam esses esportes eram locais controlados pelos homens, para garantir espaço de exercício da expressão de masculinidade e, de forma simbólica, “imitar e caluniar as mulheres, que então, mais do que nunca, representavam uma ameaça ao seu estatuto e à imagem que tinham de si próprios”
A tradição desses esportes traz consigo a marca de uma atividade criada e praticada por homens, com características inerentes de agressividade e estratégias em grupo para o seu melhor desempenho.
De outro modo, o papel social das mulheres brasileiras, construído ao longo da história, está relacionado com as atividades ligadas ao comportamento de passividade, submissão, e à exigência de padrões de beleza e feminilidade. Demonstrando a força desse papel no campo do esporte, apontavam-se a natação, as ginásticas, as danças e o voleibol como atividades adequadas para as mulheres, e as lutas, o futebol, o basquetebol e o handebol eram desaconselhados ou até mesmo proibidos por lei para elas (MOURÃO, 1996)
A intenção do estudo é compreender como essa combinação a participação de mulheres em um espaço de tradição masculina movimenta a dinâmica cultural do local, e, com base nos resultados, sugerir perspectivas para o debate sobre em que medida o esporte, nos projetos socioeducativos, funciona como instrumento de conformidade ou de transformação social.
Desenvolvimento
O local de pesquisa do estudo foi o centro Esportivo Miécimo da Silva (CEMS), localizado em campo Grande, zona Oeste da cidade do Rio de JaneiroLocaliza-se a 60km do centro da cidade do Rio de Janeiro e, apesar de situar-se na direção em que acontece a expansão econômica dos últimos tempos, ainda é uma de suas regiões mais pobres. O bairro registra números de saneamento básico e urbanização muito próximos da média do Rio de Janeiro, mas, por conta dos baixos índices de educação e renda, tem o pior índice de desenvolvimento humano (IDH) do município (IBGE, 2001). Além de conter excelentes instalações, como piscinas, quadras e campo de futebol, todos em dimensões oficiais, tornou-se espaço frequentado por pessoas de todas as idades, não apenas das classes populares, mas também das camadas médias da população. No local funcionava um projeto socioeducativo da Prefeitura, onde seus agenciadores políticos objetivavam a inclusão social, tendo como principal ação as aulas de iniciação esportiva orientadas por professores de Educação Física. Em relação a seus atributos mais gerais, e com isso esperavam, nos termos de Goffman (1988), que essa “identidade social virtual” ocultasse sua “identidade social real”. E em realidade o estigma funciona, entre indivíduos sem laços de intimidade, como mecanismo de previsão dos atributos que cada um deveria possuir, de acordo com o lugar em que se encontra, e assim norteia as atitudes nas interações face a face. Essa classificação provoca uma hierarquização entre as pessoas, e o estigma se estabelece quando uma passa a ser considerada “normal”, imputando características depreciáveis que tornam as outras “estigmatizadas” (GOFFMAN, 1988). Um ponto interessante a se observar como a praticante estabelece uma hierarquia, calcada na centralidade de sua modalidade, como o basquetebol: menos masculino que handebol e futebol, e diferente das delicadas do “voleibol”.
No cenário daquela sociedade, o estigma era tanto sentido como utilizado por todas as praticantes de esportes para hierarquizar sua posição e organizar a face que seria apresentada, de acordo com o local onde ocorreria a interação. Além de delicadas entre aspas, aparecem nas conversas entre as praticantes de esportes coletivos de confronto, como frescas ou cheias de não me toque, para conceituar as mulheres das quais elas tentam se diferenciar.
O pertencimento a um grupo se unia à atitude lúdica e ao gosto para que as meninas que jogam bola encontrassem ali uma reafirmação de outras feminilidade possíveis, mais próximas de suas individualidades. Com essas descobertas, optou-se por analisar especificamente a turma de futebol, pois, além das características comuns com as outras turmas de ECC, era a única turma exclusiva de mulheres, e na qual, mais notadamente, o estigma de masculinização se efetivava.
Para os gestores do projeto eram as crescentes acusações de comportamentos inadequados e condutas homossexuais, feitas por usuários e profissionais do local, como resultado da mediação entre as praticantes (que não queriam perder o espaço) e os gestores (que precisavam de uma resposta para o problema), algumas mudanças ocorreram, as principais sendo: pautar as aulas pela iniciação esportiva, ao invés dos jogos; Optou-se pela análise indutiva aplicada ao estudo etnográfico, atentando para os desvios existentes nas regularidades construídas, como “indícios que precisam ser teoricamente explicados e incluídos como parte da história” (BECKER, 2007).
O desafio o para esta pesquisa foi analisar como se constitui esse processo de seletividade e seus resultados, que redundaram na permanência de apenas algumas mulheres na prática do futebol.
O convívio do grupo ia além da atividade esportiva, mas eram notórias, na rede de relações, ações em duplas entre elas, ou de uma delas com uma novata, tanto no jogo quanto nas demais interações do grupo com a prática do futebol. Falar baixo sem expressões agressivas, rir pouco, não comentar as jogadas das iniciantes e cumprir as exigências dos exercícios de fundamentos
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